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postado em 03/01/2019

O Som da Orquestra - O Exército dos Metais

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Quando você entra numa sala de concerto pela primeira vez, certamente estes são os instrumentos que mais te roubam a atenção. A série O Som da Orquestra retorna em 2019, na sua quarta edição, para mostrar cada um deles. Sim, estamos falando dos metais!

O DVD O Exército dos Metais traz a história dos quatro instrumentos dessa valorosa família: trompete, trompa, trombone e tuba, num documentário com participações dos grupos BrassUka, Trombonismo, Trio de Trompas de São Paulo e Quarteto Caso Grave, além do livreto com a história dos instrumentos, dicas práticas para se aventurar nestes instrumentos e um extenso apêndice do que ver e ler sobre este interminável assunto. Deixamos você com um texto de apresentação e o teaser do DVD (já a venda na Loja Sesc).

 

De onde vem os metais?

Os metais também chamam muito a atenção do maestro, que investe boa parte de sua atuação no pódio, controlando os volumes de som para que estes não anulem os sons dos demais naipes, incapazes de competir com este exército metaleiro avassalador. Cordas e madeiras não têm a menor condição de competir em volume de som.

Dá para imaginar por que foram utilizados como instrumentos de comunicação nas guerras entre os exércitos na Antiguidade e na Idade Média. O som brilhante e incisivo dos trompetes pode ser ouvido a longa distância. Por isso, trompetes e trompas eram também usados para anunciar a chegada dos correios nas aldeias e pequenas cidades europeias até o século 18.

A história dos instrumentos de metal – trompete, trombone, trompa, tuba – começa com ancestrais ligados ao trompete, em cerca de 1415 a.C., como a concha, na região da Oceania. O músico vibrava os lábios por um orifício menor, enquanto o som se projetava no orifício maior. Instrumentos similares ao didjeridu australiano foram encontrados em culturas primitivas na Nova Guiné e noroeste do Brasil.

Àquela altura, os trompetes eram feitos de madeira (antecedentes do trompete) ou chifres de animais (antecedentes da trompa). Com o tempo, além de brilhar nas práticas militares, também representaram manifestações sonoras da divindade em cerimônias religiosas.

 

“Shoffar”

Shofar. Imagem: DAVID COHEN 156/ SHUTTERSTOCK.COM

Na Antiguidade, eram chamados de shofar. Eram instrumentos reverenciados, pois aparecem em episódios decisivos na Bíblia, sobretudo no Velho Testamento. São citados expressamente 72 vezes. Uma das mais célebres é o episódio da queda dos muros de Jericó, ocorrido no ano 1200 a.C., quando, morto Moisés, o profeta Josué liderava o povo de Israel na caminhada para a Terra Prometida. Diz o texto bíblico, no Livro de Josué, capítulo 6, versículos 1 a 20:

"Jericó estava completamente fechada por causa dos israelitas. Ninguém saía nem entrava. Então o Senhor disse a Josué: Saiba que entreguei nas suas mãos Jericó, seu rei e seus homens de guerra. Marche uma vez ao redor da cidade, com todos os homens armados. Faça isso durante seis dias. Sete sacerdotes levarão cada um uma trombeta de chifre de carneiro à frente da arca. No sétimo dia, marchem todos sete vezes ao redor da cidade, e os sacerdotes toquem as trombetas. Quando as trombetas soarem um longo toque, todo o povo dará um forte grito; o muro da cidade cairá."

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A Batalha de Jericó, de Jean Fouquet (1470-1475). Imagem: Domínio Público

As poderosas muralhas caíram mesmo, ao toque dos shofars, e apenas com o grito dos israelitas. Jericó era a primeira cidade a ser derrotada pelos israelitas. Segundo a Bíblia, Jericó era rodeada de muralhas altas. Lá habitavam os cananeus, que contavam com um exército treinado para a guerra. Os israelitas, ao contrário, eram apenas um bando desorganizado de tribos e clãs que fugiam da escravidão no Egito. “Os olhos de Israel subiram à cidade, cada um pela brecha que tinha na sua frente, e tomaram a cidade” (Êxodo, 6:20).

 

O EXÉRCITO DOS METAIS

 

Todos os instrumentos da família dos metais são construídos com base em uma série harmônica. A série compõe-se de uma sobreposição de parciais harmônicas resultantes de uma nota fundamental (por exemplo, no Dó como nota fundamental, o primeiro harmônico seria a nota Dó, uma oitava acima; o segundo harmônico, a nota Sol, seguida do Dó, duas oitavas acima do som fundamental. A cada oitava, o número de harmônicos dobra em relação à oitava inferior).

Até meados do século 15, os instrumentos de metal trabalhavam somente com uma série harmônica. Isso significa que eles tocavam apenas um uma tonalidade, uma vez que as notas dos instrumentos correspondiam a uma série harmônica determinada. Os músicos precisavam trocar os tubos para tocar em outra tonalidade. Os trompetes mudavam de comprimento, maior ou menor, conforme a série harmônica necessária a uma determinada obra musical.

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Detalhe da Coluna de Trajano, século 2 d.C.: partida das tropas para a Guerra Dácia Museu Nacional de História da Romênia, Bucareste. Imagem: ALBUM / ALBUM / FOTOARENA

 

Família Metais

Imagem: AUTOR DESCONHECIDO. EXTRAÍDO DO LIVRO DE WALTER HOUGHT (1922). DOMÍNIO PÚBLICO

1. Concha de Fiji com “bocal” na região da espiral.
2. Trompa birmanesa feita de chifre de búfalo.
3. Trompa com acabamento de madeira (soitto torbi), em forma de garrafa. Feita com duas partes de madeira, com grande “pescoço”, unidas por casca de bétula.
4. Trompa de bambu das Filipinas, aberta de um lado, fechada do outro. O bocal é um cilindro de bambu encaixado em um dos lados; partes de bambu dobradas imitam os ganchos e válvulas dos cornets europeus. 5. Trompete utilizado para a execução de comandos do exército dos EUA. Tubo dobrado sobre si mesmo, em duas partes.
6. Trompa. Tubo de latão dobrado três vezes sobre si mesmo.
7. Trompete com acabamento de chifre de carneiro (soitto sarvi).
8. Cornet de chaves com orifícios laterais (sete chaves).
9. O cleide: tubo cônico dobrado sobre si mesmo com orifícios laterais com chaves.
10. Sacabuxa de origem inglesa.
11. Cornet com três válvulas Périnet, datado de 1922.

 

O primeiro instrumento da família dos metais capaz de tocar a série cromática de notas foi a sacabuxa, avó do trombone moderno, em meados do século 15. As constantes trocas e/ou aumentos dos tubos dos trompetes e trombones antigos resultaram na adoção de um sistema duplo, muito próximo daquele que existe no trombone atual. Com sete posições diferentes, a sacabuxa do século 15 conseguia tocar em sete séries harmônicas diferentes, ou seja, podia tocar em qualquer tonalidade sem precisar trocar os tubos.

Um aperfeiçoamento importante aconteceu no século 18: descobriu-se e, disseminou-se, a prática de o músico colocar sua mão direita dentro da campana das trompas, alterando o volume de ar e, por consequência, a altura das séries harmônicas.

No caso do trompete, isso aconteceu apenas no final do século 18, por meio do surgimento das chaves. Devemos o trompete de chaves mais promissor ao lutiê [a palavra francesa luthier, que qualifica os fabricantes artesanais de instrumentos musicais, foi aportuguesada para lutiê] e trompetista Anton Weidinger (1767-1852) que trabalhou na corte dos Esterházy, nobres de destaque no Império Austro-Húngaro. Os experimentos de Weidinger passaram com louvor quando testados em duas obras-primas do repertório para trompete de todos os tempos: o Concerto em Mi bemol maior de Franz Joseph Haydn (1732-1809), e o Concerto em Mi maior de Johann Nepomuk Hummel (1778-1837).

Em 1818, Heirich Stölzel (1777-1844) e Friedrich Blühmel (1777- 1845), trompistas de origem alemã, desenvolveram e patentearam o primeiro sistema de válvulas para instrumentos de metal, as chama- das "válvulas-caixa" ou "válvulas Stöelzel". Outro sistema, inven- tado pelo austríaco Leopold Uhlmann (1806-1878), em 1830, leva o nome de "válvulas de Viena" e ainda é utilizado na trompa vienense. Cinco anos depois, em 1835, Joseph Riedl (c. 1786-1840) patenteou o sistema de válvulas rotativas, bastante utilizado em instrumentos de metal na Alemanha, Áustria e em alguns países da Europa Oriental.

Os anos 1830, década revolucionária para os instrumentos de metal, assistiram à invenção do sistema tubular de válvulas (as válvulas Périnet), por François Périnet (1839), que resultou nos "pistões", o mecanismo de válvulas mais utilizado até hoje. Périnet otimizou
os tubos e válvulas, fazendo com que o ar passasse com maior facilidade dentro dos instrumentos de metal. Dali por diante, aperfeiçoamentos melhoraram a performance do sistema de válvulas rotativas e dos pistões.

A tuba, o mais grave instrumento do exército dos metais, foi inventada no século 19. O sistema de cinco válvulas foi patenteado por Wilhelm Wieprecht (1802-1872) e Johann Moritz (1777-1840), de Berlim. A partir da tuba, surgiram variações como os saxhorns (por volta de 1843-45, criados por Adolphe Sax [1814-1894]); o bombardino ou eufônio (também por volta de 1843, por Ferdinand Sommer); o hélicon, predecessor do sousafone, patenteado em 1848 pelo austríaco Ignaz Stowasser (1811-1892); a tuba wagneriana, que nasceu, em 1861, a pedido do compositor Richard Wagner para seu ciclo de quatro óperas O Anel do Nibelungo; e o sousafone, criado em 1893 por J. W. Pepper (1853-1919), assim chamado em homenagem ao compositor norte-americano John Philip Sousa, um dos maiores criadores de música para banda.

A família dos instrumentos de metal tem como uma das características principais a constante evolução, sempre buscando maior conforto e qualidade sonora para o instrumentista. Mesmo após a introdução de válvulas nos instrumentos de metal no século 19, fato bastante revolucionário para o cenário musical da época, houve um grande desenvolvimento na utilização desses mecanismos. Com exceção da tuba, os outros instrumentos, como trompete, cornet, trompa, etc., possuíam três válvulas, fossem elas rotativas ou pistões. Em 1897, foi criado um protótipo de trompa dupla com quatro válvulas. A quarta válvula funcionava como um mecanismo para deixar o instrumento em outra a nação, ou seja, tratava-se de duas trompas em um único instrumento. A trompa dupla é o modelo mais utilizado até os dias de hoje, e é a nada em Fá e em Si bemol. Há também a trompa tripla com cinco ou seis válvulas, onde é inserida uma terceira a nação (Mi bemol ou Fá agudo) para maior facilidade no registro agudo do instrumento.

Recentemente, um fabricante espanhol, Stomvi, desenvolveu trompetes e instrumentos relacionados (cornet, flugelhorn, por exemplo) com quatro válvulas, com a finalidade de expandir o registro grave do instrumento. Tais modi cações mostram que, mesmo depois de séculos de desenvolvimento dos instrumentos de metal, ainda existem fabricantes buscando melhorar e expandir sua capacidade.

Excerto do livreto que acompanha o DVD "O Exército dos Metais", organizado pelo jornalista e crítico musical João Marcos Coelho

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