Saúde e Cultura: fronteiras e intersecções

06/04/2022

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Saúde e cultura são campos que, cada vez mais, se revelam entrelaçados. A superação de uma visão reducionista e estritamente biológica, que
considera a saúde como mero estado de “ausência de doença”, abre espaço
para um conceito ampliado, que incorpora parâmetros sociais e políticos
à noção de saúde. Explorando pontos de contato entre domínios historicamente constituídos como distintos e delimitados, esta edição busca romper
tais fronteiras, trazendo reflexões situadas na intersecção entre saúde e
cultura.

A saúde da população é influenciada por estilos de vida distintos, marcados por diferentes práticas, tecnologias e estratégias, formando uma
complexa rede, o que nos coloca a necessidade de uma discussão mais
abrangente e capaz de englobar a dimensão cultural da questão.

Valendo-nos de referências que valorizam as práticas culturais e suas
intervenções – abrangendo conhecimentos, emoções, relações e comportamentos –, adentramos em discussões que servem de base para o entendimento e apropriação de conceitos relacionados com a produção de saúde.

Nesse sentido, o dossiê desta edição aproxima pesquisadores que discutem, através de seus textos, as relações entre saúde e cultura em diversas dimensões e áreas de conhecimento, compondo, assim, um panorama
sobre o tema.

Iniciamos com uma discussão sobre o conceito de saúde, na qual Marco Akerman e Ana Claudia Germani, professores da Universidade de São
Paulo, propõem um diálogo orientado pela seguinte pergunta: “A ampliação do conceito de saúde é um capricho acadêmico ou uma necessidade
política?”.

Aurea Ianni, professora da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, também discute o conceito de saúde, tomando por referência uma concepção crítica formulada no Brasil entre as décadas de
1970–1980. Destacam-se aí dimensões da desigualdade social, incluindo
tanto a defesa do direito à saúde como a reflexão acerca do modelo de medicina preventiva, que em lugar da doença deveria enfatizar a produção
social da saúde.

Já Ricardo Rodrigues Teixeira, professor da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo, discute especificamente a noção de produção
de saúde, partindo de um combate duplo aos reducionismos medicalizantes e economicistas que a cercam. Por um lado, sustenta a ideia ampliada
de saúde e, por outro, propõe a leitura do trabalho na contemporaneidade
enquanto atividade de produção de si e do mundo.

As relações entre cultura e saúde mental guiam o artigo de Vitor Pordeus, professor da McGill University, no Canadá. Apontando a ocorrência
de um erro conceitual no paradigma médico-científico balizador de políticas públicas, o autor discute os efeitos de uma compreensão que toma o
corpo por máquina, quando em realidade suas dinâmicas dependem da
emoção e da mente humanas. Recorrendo à história da ciência, Pordeus
situa os momentos em que a ideia de corpo-máquina adquire influência.

Jair de Souza Moreira Júnior trata de aspectos conceituais aplicados a
um programa socioeducativo do Sesc SP para a saúde e a qualidade de vida.
A partir da experiência com os Laboratórios do Comum, entendido
como prática experimental de investigação coletiva voltada à produção de
conhecimento e outros modos de existência, os professores Henrique Parra
e Alana Moraes discorrem sobre a experiência que estão vivenciando com
o laboratório, no bairro de Campos Elíseos, em São Paulo.

Emiliano David Camargo discute de que modo as questões estruturais da sociedade, com foco no racismo, interferem na saúde da população
negra da cidade de São Paulo. Trabalhando com a perspectiva do comum,
o autor propõe uma ética aquilombada para a metrópole paulistana, visando o combate às iniquidades em saúde, numa abordagem antirracista.

Aluízio de Azevedo Silva Júnior e Marcos Toyansk abordam o universo cigano no Brasil pela ótica da saúde pública, considerando os contextos
históricos e culturais que delineiam as relações entre os ciganos e o mundo exterior, bem como a crescente busca por inclusão social e atendimento
equitativo em saúde.

O professor Rogério da Costa examina o conceito de inteligência coletiva, discutindo como o avanço tecnológico e os dispositivos de comunicação remota operam de modo ambivalente: ao mesmo tempo que servem à
inteligência coletiva, funcionam como mecanismos de controle da sinergia entre indivíduos, influindo de maneira questionável em suas opções
de saúde.

Marisol Marini propõe reflexão sobre a materialidade do corpo humano, com vistas à produção de políticas alternativas, como a política ontológica. A autora problematiza proposições de teóricas feministas a respeito
da materialidade, repondo debates a respeito do corpo e da chamada “virada linguística”, relativa ao privilégio do significado nas teorias sociais.
A discussão sobre os corpos é fundamental para pensarmos outros paradigmas de saúde.

Nelson Filice completa o dossiê com discussão em torno do conceito de
cuidado, trazendo uma perspectiva emancipatória para o termo, tendo em
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conta que, hoje, a maior parte do cuidado realizado pelos profissionais de
saúde produz assimetrias de poder entre os cuidadores e os experientes –
aqueles que experimentam o processo saúde-doença-cuidado.
Na seção Gestão Cultural, ex-alunos do Curso Sesc de Gestão Cultural apresentam artigos relacionados aos seus trabalhos de conclusão
de curso.
Dialogando com o tema do dossiê, o médico José Ricardo Ayres é o entrevistado desta edição, expondo sua visão a respeito da saúde ampliada e
das relações entre a promoção de saúde e as experiências culturais.

O geógrafo Adilson Prizmic Momce resenha o livro Identidades das
nações: uma breve história, organizado por Peter Furtado. Publicado pelas
Edições Sesc, em 2019, o livro reúne ensaios críticos de diversos autores
sobre as ditas identidades de suas respectivas nações.

Esta edição conta, ainda, com quatro artigos inéditos sobre temas
relacionados ao campo da cultura, além de um conto da escritora Carol
Bensimon.

A reflexão sobre a saúde se encerra com imagens produzidas pelo fotógrafo André François, registrando histórias de saúde e acesso à saúde
com olhar humanizador.

Para o Sesc, enquanto instituição promotora de ações socioeducativas,
o entendimento desses fatores se mostra de suma importância, na medida
em que possibilita discutir e ampliar suas ações no campo da saúde.

Para ler a revista na íntegra, é só acessar:

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