
Em 2025, o Sesc São Paulo completa 30 anos de trabalho social com pessoas refugiadas. Para celebrar e trazer diferentes pontos de vista sobre o tema, convidamos 13 pessoas impactadas por estas ações, além de 3 instituições parceiras, para relatar suas relações de cooperação e protagonismo no contexto do Sesc. Leia na sequência o depoimento de Leonor González.
**
Introdução: 30 Anos de Sesc, 22 Anos de Acompanhamento
O Sesc comemora 30 anos de trabalho com pessoas em situação de refúgio e direitos humanos, dos quais 22 anos tenho acompanhado e participado das mais diversas e criativas maneiras.
Pensar na abordagem desse trabalho a partir da sociedade civil é pensar no Sesc como uma referência. É sinônimo de acolhimento, é trabalho prático e concreto, é garantir o protagonismo das pessoas refugiadas e é, sobretudo, promover a integração social e cultural. É um modelo que, ao longo das décadas, soube evoluir e expandir o seu alcance.
Os primeiros passos: acolhimento e dignidade no Sesc Carmo
Minha experiência com o SESC começou no centro de São Paulo. Pensar no Sesc e no refúgio é lembrar de Denise Orlandi Collus nos recebendo no Sesc Carmo com amabilidade e carinho, entregando-nos a carteirinha e os tickets para o almoço. Inicialmente era gratuito, e depois o almoço custava R$2,00. Foi um apoio fundamental.
Com Denise, estabeleceu-se um intercâmbio e aprendizado mútuo. Ela, sempre curiosa, buscava conhecer e saber mais sobre as problemáticas e a diversidade cultural que cada pessoa refugiada representava.
O apoio tangível do Sesc se estendeu a necessidades básicas que fizeram toda a diferença. Pudemos usar o Sesc Odontologia para toda a família, um serviço muito necessário e espacial.
Minhas quatro filhas, particularmente as duas adolescentes, puderam participar das atividades esportivas oferecidas no Sesc Consolação. Isso foi crucial naquele momento inicial de chegada, pois conseguiram formar um grupo de referência, de amigos, fundamental para a sua adaptação.
Além disso, tivemos a oportunidade de estudar no Sesc, fazendo cursos pontuais e outros mais extensos, como o meu de designer de interiores.
Evolução do Programa
Nos primeiros anos, a relação com as atividades do Sesc era diferente. O programa ainda não tinha a bagagem, o conhecimento e a experiência que exigiria anos mais tarde. No entanto, o Sesc demonstrou a sua capacidade de compreender e se adaptar ao processo de integração.
Nesse caminho, o Sesc entendeu que a participação da pessoa refugiada em diversas atividades podia ser compreendida e remunerada como um trabalho. Esse elemento tem sido fundamental, pois devolve a dignidade às pessoas, reconhece o seu valor, a sua capacidade e contribui significativamente para a sua autoestima.
Expansão e incidência social: um espaço para a diversidade
Não me lembro do ano exato, talvez 2015, mas devido à crescente demanda por refúgio e à sua expansão para diferentes cidades do estado, o Sesc demonstrou a sua importância social ao convocar uma reunião com representantes de todas as unidades do Sesc no estado para tratar do tema. Foi uma grande oportunidade participar como palestrante e fazer um apelo à empatia, à compaixão que leva à ação, ao acolhimento e a atos concretos.
Essa abertura se traduziu em múltiplas oportunidades de expressão e integração ao longo dos anos. Além de ter participado em inúmeras conferências coletivas e outras atividades pontuais de apoio, o Sesc se revelou um espaço essencial para abordar temas de gênero e orientação sexual dentro da comunidade de refúgio, promovendo a desconstrução de estereótipos e a inclusão de pessoas LGTBQ+ em seus programas de direitos humanos.
Estas são algumas das minhas colaborações mais notáveis, que refletem essa visão ampla e inclusiva:
Anedota de grande valor: o projeto UTOPIA.DOC
Uma anedota de grande valor que ilustra o poder transformador da participação foi o meu envolvimento no projeto UTOPIA.DOC (2013), concebido pela diretora teatral e cineasta Christiane Jatahy. Foi um momento muito importante nessa fase da minha vida.
Participamos 10 pessoas de diferentes partes do mundo, com diferentes vivências. Formularam-nos 7 perguntas que tínhamos que responder em forma de carta, dirigida a outro participante desconhecido, que abriria sua casa para que eu o visitasse. Eu faria o mesmo, abriria a minha casa para quem me escreveu uma carta (em francés). As perguntas me fizeram refletir bastante e me permitiram rever a minha trajetória, entendendo que eu era protagonista da minha própria vida, do meu poder interior e da minha capacidade de me reinventar.
Lembro-me especialmente da pergunta número 2: Descreva sua casa. Minha resposta foi: “Minha casa é feita de elementos de muitas outras casas, que transformamos na nossa casa”. Com essa resposta, compreendi dez anos após a minha chegada (2002-2013) por que eu não colocava quadros, nem tinha plantas: porque estava sempre pensando no regresso, no retorno. Levei cinco anos para aceitar que essa não era uma opção viável. (2002-2007).
Gostaria muito, doze anos depois, de reler essa carta. Talvez a conservem nos arquivos de dispositivos de vídeo no Sesc Carmo, onde foram expostas. As gravações foram exibidas nas telas de cinema no Sesc Santo Amaro.
Conclusão: O Valor do Testemunho Vivo e a Importância Social
Esta anedota, juntamente com todos os exemplos e vivências relatadas, mostra a profunda incidência do Sesc na vida das pessoas refugiadas ao nos envolver, nos reconhecer e entender o grande valor que possui um testemunho vivo. Ninguém melhor do que nós mesmos para falar a partir do coração do refúgio.
O trabalho do Sesc, que se estende a programas como “Culturas em Trânsito”, a oferta de cursos de português e projetos de empregabilidade e formação com o Senac, demonstra uma visão integral que vai além da assistência, apostando na autonomia, no empoderamento e na desconstrução da xenofobia.
Ao facilitar o acesso à cultura, arte, esporte e educação, e ao promover o protagonismo das pessoas migrantes e refugiadas, o Sesc consolida o seu papel como um ator fundamental na garantia dos direitos humanos e na construção de uma sociedade brasileira verdadeiramente acolhedora, respeitosa da diversidade de gênero e da orientação sexual.
Neste 30º aniversário, o meu mais sincero reconhecimento e gratidão à trajetória, à contribuição e à imensa importância social deste programa.
Leonor Solano González
Refugiada da Colômbia, fugindo da violência e conflitos armados. Reconstruiu a vida em São Paulo, criando quatro filhas e atuando em educação e visibilidade cultural. Participou de eventos e Projetos no Sesc São Paulo sobre refúgio, migração e direitos humanos, compartilhando sua experiência de reinvenção.
**
Saiba mais sobre os 30 anos de trabalho social com pessoas refugiadas e leia os outros relatos aqui.
Utilizamos cookies essenciais para personalizar e aprimorar sua experiência neste site. Ao continuar navegando você concorda com estas condições, detalhadas na nossa Política de Cookies de acordo com a nossa Política de Privacidade.