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Diego Moraes, o repórter-karateca da Seleção Brasileira, conta como enfrenta a pandemia 

"O esporte pode contribuir para uma sociedade melhor, mais diversa", afirma o karateca Diego Moraes

Para muitos, Diego Moraes. Para outros, Diego San. O repórter e karateca olímpico da Seleção Brasileira, convidado do próximo Rotina de Atleta, programação do Sesc Pompeia, é o número um do país em sua modalidade e está entre os 70 melhores atletas do mundo. Hoje, aos 32 anos, ele conta sobre sua trajetória no esporte e do que sente mais falta durante a pandemia, na hora de treinar, entre outros assuntos.

Como você foi parar no karatê?

O esporte me acompanha desde os seis anos de idade. Eu comecei a praticar natação com três anos. Quando completei seis anos, conheci o karatê através de um amigo da escola. Na verdade, eu queria mesmo era fazer capoeira mas, como não conhecia ninguém que praticava, minha mãe me colocou no Karatê. Pratiquei até completar 18 anos, quando tive a primeira parada no Karatê para seguir com os estudos. Minha retomada se deu 11 anos depois quando consegui chegar na Seleção Brasileira. Hoje, eu sou o número um 1 no ranking do Brasil da minha categoria, que é Karatê de combate, até 84Kgs. Estou entre os 70 melhores atletas do mundo. E sigo nessa corrida olímpica tentando melhorar cada vez mais.

Como tem sido a sua rotina de atleta durante este momento de quarentena?

Neste momento de quarentena e isolamento social, é muito difícil manter a nossa forma física ideal. Principalmente para conseguir manter aqueles treinos com a intensidade gigantesca e exercícios realizados em pares. Para a minha modalidade, combate, eu preciso de um par para me auxiliar. Ele, agregado ao exercício físico, nos ajuda a evoluir muito mais rapidamente. 

Com a quarentena, muito do que se fazia presencialmente passou para o virtual. E não foi muito diferente para quem pratica esportes. O que você acha das iniciativas onlines, como aulas  e alongamentos realizados por profissionais? 

Estas iniciativas onlines, realizadas com profissionais, como as que o Sesc tem realizado, são muito importantes. Quando a gente está isolado, sozinho, tem que cuidar muito do nosso psicológico e parece que você realmente está solitário. Nessas aulas online, vendo outras pessoas praticando, fazendo o exercício, por mais que estejam em suas casas, isso acaba nos ajudando a continuar. Um empolga o outro. Quando eu vejo uma pessoa na telinha fazendo um exercício, dá uma vontade a mais de seguir e praticar atividade. 

Além de karateca, você é jornalista esportivo de uma das maiores emissoras do país, o primeiro jornalista esportivo negro da casa no Rio de Janeiro. Além de outros projetos na área de comunicação que vem realizando, como o jornalismo contribuiu e contribuiu para a sua carreira de atleta?

Eu fui o primeiro jornalista negro esportivo da TV Globo do Rio de Janeiro. Ter vivenciado a rotina de concentração e das competições de base do Karatê até os meus 18 anos foi um diferencial durante a seleção para o processo de estágio da Globo. Como jornalista, pude entender muito como o esporte mudou durante os 11 anos no qual estive mais afastado. Um dos exemplos foi a diferença na preparação física, pensando no esporte individual. Ela não pode ser feita visando apenas um grupo, porque cada indivíduo tem sua particularidade. Tem dia que um está mais forte; no outro, mais fraco. O jornalismo me ajudou a reconhecer o valor de cada profissional que está trabalhando ali. E tantas outras coisas que aprendi durante as reportagens que eu fazia com os atletas. Isso contribuiu muito quando voltei a treinar. 

De que maneira você acha que o esporte pode contribuir para que o Brasil se torne um país mais justo e menos racista?

Penso no racismo estrutural. Quando a gente conseguir reconhecer que, ao entrarmos em lugares de poder, a gente vê poucos negros nos cargos de chefia, médicos, advogados, apresentadores de telejornais, entre outros. O esporte pode ajudar a quebrar esta estrutura, dando oportunidades.  A questão é que são poucos os atletas que conseguem ser o melhor em sua modalidade, ter visibilidade. Eles têm batalhado contra uma estrutura que impede que adquiram acesso à melhor estrutura de treinos, de staffs e etc. Existe essa dificuldade do atleta preto chegar ao topo. 

Quando ele consegue chegar, ele pode, através não só do status que ele alcançou, contribuir para uma estrutura menos racista. O esporte, juntamente com a educação. Um dos exemplos que temos é o Lewis Hamilton. Em 70 anos de Fórmula-1, ele é o único piloto preto na modalidade. Ele chegou ao topo com educação e suporte. Hoje, ele consegue passar a mensagem  de que é preciso proporcionar mais oportunidades para jovens pretos, porque capacidade eles têm, o que falta é oportunidade e suporte.  

Ou seja, o esporte pode contribuir, a partir do momento que ele não puna o atleta que se posicione,  que queira contribuir para uma sociedade melhor, mais diversa. Uma sociedade em que você consiga ver pretos e brancos no poder e não apenas homens, brancos e héteros.  Mas mulheres também, para que a gente consiga ver a diversidade no topo, em cargos de poder, de liderança. 

Em outras entrevistas, você sempre fala da admiração e gratidão que tem pela sua mãe e a sua avó. Quais os conselhos que você ouviu e escuta até hoje das suas ancestrais e que você diria a tantas crianças que têm o sonho de seguir a carreira de atleta profissional?

Eu falo bastante da minha mãe e da minha avó, porque são grandes exemplos de perseverança que eu tenho dentro de casa. Que a gente cai, mas a gente levanta. Elas sempre me falam e reforçam o quanto é importante a gente seguir em frente e ter forças para levantar toda hora que cair.

Elas também falam muito em fé e sobre acreditar. Acreditar em Deus e que a gente pode conseguir. E não é na questão da meritocracia que estou falando não. É na questão de que você pode ter apenas uma oportunidade na vida. E elas sempre me dizem para agarrar da melhor maneira possível. Eu tive poucas oportunidades, umas eu não consegui agarrar, outras fazia do limão uma grande limonada. Mas nem sempre a gente vai conseguir fazer isso.

Não é simples e nem fácil, engloba várias questões. Eu, inclusive, tive acesso a uma educação de qualidade, tanto na educação de base, quanto na universidade. Eu fui bolsista praticamente todo o meu período quando estava no ensino de base, porque a minha mãe dava aula na escola onde estudei até o terceiro ano do Ensino Médio. Na universidade, consegui uma bolsa de 90 %. Se eu não tivesse sido bolsista, eu não teria tido acesso a essa educação. E nós sabemos que a escola pública não dá condições para o preto chegar com consciência e com conteúdo no topo.

Um dos seus recentes trabalhos é o podcast "Ubuntu Esporte Clube" - O esporte contado na visão de jornalistas negros e negras da Globo, no qual cinco profissionais negros se reúnem para refletir sobre o ambiente esportivo. Qual é a sua expectativa sobre o podcast? Você acredita que estamos vivenciando um marco histórico voltado às conquistas da população negra no Brasil? 

A expectativa sobre o podcat é maravilhosa. Hoje, temos 44 podcasts esportivos, mas apenas um é feito por jornalistas pretos. Eu tenho muito orgulho em estar ao lado de Rafaelle Seraphim, Marcos Luca Valetim, Pedro Moreno e Thales Ramos. Somos um quinteto que quer se multiplicar cada vez mais, dando mais visibilidade a vozes pretas. A gente tem gravado e tem se preocupado não apenas em colocar homens pretos, mas também mulheres e especialistas pretas falando de esporte. Acabamos de fazer um podcast especial dedicado às mulheres pretas, por conta do dia 25 de julho - Dia Internacional da Mulher Negra Latino Americana e Caribenha -, no qual citamos várias mulheres pretas que foram pioneiras na história do esporte do Brasil. Temos a Daiane dos Santos, Aline Silva, Soraia André, Fabizona do vôlei e tantas outras mulheres pretas gigantes dentro do esporte. Este é objetivo do Ubuntu Esporte Clube: partilhar conhecimento e trocar ideias para que os pretos e pretas do Brasil sejam ouvidos - porque voz eles já têm. 

Para saber mais: Diego Moraes participa da live Rotina de Atleta, do Sesc Pompeia, no dia 31/7, sexta, às 18h, contando mais detalhes de sua rotina do karatê.