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Desde menina, aprendi que construir é mais do que erguer paredes: é inventar mundos. Nas tardes de infância, ao lado das minhas irmãs, transformávamos a casa em cidade. Uma saladeira roxa acrílica virava lago, talheres se convertiam em pontes, e cada objeto ganhava voz na narrativa que criávamos juntas. Não brincávamos de boneca, mas de criar universos – talvez ali, sem perceber, já estivesse nascendo em mim a arquiteta.
Ainda tentei um caminho diferente, no direito, seduzida pelo entusiasmo da irmã mais velha. Mas o coração pressentia outro destino. Bastou um semestre para entender que minha intuição – e a da minha mãe, que sempre me apontou para a arte e para a cultura – estava certa: meu lugar era na arquitetura, esse ofício que une cálculo e poesia, técnica e imaginação.
No Sesc São Paulo, onde estou há mais de duas décadas, a arquitetura se desdobra em espaços de convivência, cultura e aprendizado. Não construí casas, mas criei lugares de encontro, onde o lazer dialoga com a educação e a natureza se faz presença viva. Em cada unidade que percorri – Pompeia, Vila Mariana, Ipiranga e Interlagos (cujo projeto, segundo o próprio arquiteto Alberto Botti, se orientou a partir de uma árvore na alameda) –, aprendi que projetar é, sobretudo, preparar o terreno para que as pessoas construam a si mesmas, umas com as outras.
Entre as experiências de caminhada, a exposição Pedaços da Terra, realizada no Sesc Vila Mariana, em 2011, foi especialmente marcante. A montagem, feita com quatro domos geodésicos, revelava mais que uma solução espacial: trazia um princípio ético. A geodésica é uma forma precisa e essencial, na qual leveza e economia se traduzem em eficiência – o menor volume de material para abranger a maior área possível. Nessa simplicidade geométrica, há uma lição de sustentabilidade: criar mais com menos, pensar a forma como extensão do cuidado. Dentro daqueles domos, o público conheceu cidades que responderam com sabedoria ao desafio ambiental, unindo urbanidade e respeito à natureza.
Esse conceito, agora em 2025, voltou a se manifestar no Sesc Mogi das Cruzes, que passou a abrigar uma belíssima geodésica construída para acolher atividades socioeducativas, culturais, espetáculos musicais, de teatro e de dança, reafirmando a potência dessa estrutura como espaço vivo, versátil e simbólico. O círculo que se fecha em si mesmo, aberto ao mesmo tempo, traduz o sentido de uma arquitetura que respira junto com o público e se renova a cada uso, como instrumento de transformação.
Hoje, sigo acreditando que sustentabilidade – o conjunto de práticas e escolhas conscientes que busca reduzir os impactos ambientais – é uma forma de compreender o mundo e está no gesto de partilhar, no cuidado com os espaços comuns, na escuta atenta de quem os habita. É um modo de estabelecer relações mais equilibradas entre o humano e a natureza, de projetar com respeito. Assim como nas brincadeiras da infância, em que cada objeto adquiria novas funções, aprendi que viver de modo sustentável é reinventar usos, criar vínculos, valorizar o simples.
Seja no planejamento de uma nova unidade, seja na observação do público que ocupa as áreas verdes ou as salas de atividades, sigo como uma arquiteta inquieta: desejo que cada espaço seja educador e que cada encontro se torne semente de consciência. Porque a arquitetura, quando se abre ao humano, nos lembra que construir é sempre um ato coletivo, e que o futuro se ergue na delicada harmonia entre terra, corpo e memória.
Giuliana Pereira Agnelli Estrella é arquiteta e urbanista pela Universidade Mackenzie, pós-‑graduada em crítica de cinema pela Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), mestra em educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Atua na Assessoria Técnica e de Planejamento do Sesc São Paulo.
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