Projetar o amanhã 

30/10/2025

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Arquiteta, urbanista e articuladora ambiental em Belém do Pará, Eduarda Batista defende a justiça climática como um direito a ser reivindicado por toda a sociedade 

Leia a edição de NOVEMBRO/25 da Revista E na íntegra

POR RACHEL SCIRÉ 

Eduarda Gonçalves Batista decidiu ser arquiteta ao testemunhar a luta do pai para construir a própria casa, na periferia de Belém (PA). Ao ingressar na faculdade, no entanto, se deparou com uma carreira elitizada, já que somente uma minoria da população da cidade conseguia pagar por um projeto de arquitetura. Em meio a isso, passou a estudar a sustentabilidade das edificações e a pesquisar como essa diretriz respondia aos efeitos do clima. Ela constatou não só o alto gasto energético dos moradores de Belém com ar-condicionado e ventiladores, diante de altas temperaturas, mas também a insalubridade das habitações sociais e periféricas. “Comecei a me questionar por quê os mesmos arquitetos que projetam edifícios de alto padrão fazem coisas de tão baixa qualidade ambiental para a população mais pobre”, conta. 

Esses incômodos levaram a arquiteta a se identificar com a luta pela justiça climática e pelo fim da pobreza energética. Ela também constatou como as mulheres são empobrecidas, de forma particular, em relação à crise climática e às injustiças ambientais e sociais. Mestre em arquitetura e urbanismo com foco em eficiência energética e membro do Centro de Excelência em Eficiência Energética da Amazônia (Ceamazon), desde 2021, Eduarda ainda é uma das articuladoras ambientais da Rede Jandyras, que busca fortalecer e ampliar a participação de mulheres no debate político das agendas ambientais. A rede também foi responsável por criar a Agenda Climática para Belém (2021) e por articular, por meio de campanhas, a implementação do Fórum Municipal de Mudanças Climáticas no Plano Plurianual (PPA) de Belém (2022-2025). 

Neste Encontros, a arquiteta e articuladora ambiental defende o direito à moradia e fala sobre planejamento de cidades sustentáveis, transição energética e expectativas em torno da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025 (COP30), realizada neste mês, em Belém.  

CIDADE SUSTENTÁVEL 
Uma edificação construída sob os princípios da sustentabilidade vai consumir menos energia e recursos, o que é importante, mas em Belém (PA) ainda é preciso investir em infraestrutura para dar saneamento básico para as pessoas. A maior parte das habitações no Brasil é autoconstruída, não tem arquiteto, nem engenheiro, são apenas pessoas construindo as próprias casas com o que é possível. Então, antes de tudo, é preciso ter acesso à habitação digna. Nesse processo, infelizmente, obras de infraestrutura urbana não têm como não emitir carbono ou não gerar impacto ambiental – no Brasil a gente ainda precisa do básico. A cidade inteira deveria estar baseada na natureza. Você pode fazer a casa mais sustentável do mundo, mas se o morador estiver a duas horas do trabalho, terá que pegar transporte, que emite carbono. A gente precisa de cidades mais resilientes, ruas caminháveis. Brasília, por exemplo, é extremamente arborizada, mas de uma rua para outra, às vezes, você tem que passar por um túnel escuro. A gente precisa fazer com que as ruas, os espaços públicos, sejam confortáveis, acessíveis, que as cidades sejam para as pessoas. A sustentabilidade caminha ao lado da cidadania. 

TRANSIÇÃO ENERGÉTICA 
O desafio é barrar a emissão de gás carbono, responsável pelo aquecimento terrestre. A gente precisa de uma transição energética justa e equitativa, novas formas de energia mais econômicas para a nossa região. Várias organizações estão lutando contra a exploração de petróleo na foz do Amazonas, que é algo que precisa muito ser combatido. A gente não pode mais continuar com essa ideia retrógrada de explorar combustíveis fósseis. Eu estive em comunidade indígena onde já estão com sistema de geração de energia solar. A transição energética alinhada com o desenvolvimento urbano mais sustentável não é uma ação individual. Claro que cada um tem a sua responsabilidade, mas essas grandes viradas acontecem no âmbito político e econômico. A população precisa se engajar. 

POLINIZAR MUDANÇAS 
A Rede Jandyras nasceu em 5 de setembro de 2021, Dia da Amazônia, a partir de uma formação para articuladoras ambientais, mulheres que lutam pela pauta ambiental no legislativo da cidade de Belém. “Jandyras” vem do Tupi e significa “abelha de mel”, ou seja, abelhas polinizadoras que sinalizam o quão saudável está um ambiente. Recebemos o convite para fazer parte deste enxame, hoje estamos em seis jandyras que trabalham diretamente na rede, em suas áreas de atuação. Realizamos um trabalho de base, com mulheres, população periférica e negra, e tentamos levar propostas até espaços de tomada de decisão, como a Câmara dos Vereadores, o poder público. A gente trabalha nessa articulação que leva o nome de advocacy, que é um processo de “convencimento” dos atores políticos em relação às pautas ambientais da cidade. Lutamos pela justiça climática na cidade de Belém, entendendo que as mudanças do clima não afetam todos da mesma maneira. Então, justiça climática é tentar balancear o ônus e os ganhos do próprio desenvolvimento. É lutar contra o racismo ambiental, muito presente, e para que nossa cidade seja mais resiliente e adaptada às mudanças do clima. 

LEGADO COP30 
Quando a gente recebeu a notícia de que a COP seria em Belém, foi uma alegria enorme. É importante que as pessoas venham e vejam a realidade da Amazônia – não dá para mascarar que somos uma das capitais com menor saneamento básico, menor abastecimento de água e, mesmo na Amazônia, uma das cidades menos arborizadas do Brasil. Os investimentos de infraestrutura para a COP30 estão muito centralizados em áreas que já estão bastante gentrificadas, bem urbanizadas e ocupadas por pessoas de alta renda. Há também a questão da abertura de novas vias, que cortam áreas de preservação ambiental e outro projeto polêmico, no qual o esgoto de bairro de alta renda é levado para uma região pobre, a Vila da Barca, maior comunidade de palafitas de Belém: um clássico caso de racismo ambiental. No desenvolvimento predatório, sempre vai existir uma área de sacrifício para levar aquilo que os outros não querem, como esgoto e lixo. Em Belém, isso fica evidente, e nas obras da COP30 há um grande montante de dinheiro que vai beneficiar certas áreas. Mas, como um todo, a cidade não se vê como beneficiada. 

Eduarda Batista acredita que a conexão entre pessoas que atua na pauta ambiental é importante para fortalecer as lutas (foto: Edme Neto).

PARTICIPAÇÃO POPULAR 
O panorama que faço, como moradora, é de que a população de Belém não tem uma grande expectativa de mudança e não sabe sobre o evento. A COP30 não é festa, é luta. As outras COPs, no Egito, no Azerbaijão, no Catar, aconteceram em países muito autoritários, que restringiram a manifestação popular. Uma coisa benéfica da COP em Belém é que o pessoal realmente vai para a rua ocupar espaços. Vai ser uma COP com muita participação popular, não só na zona azul [restrita às negociações oficiais, delegações de governos e imprensa credenciada] ou na zona verde [aberta ao público], mas em outros espaços da cidade, cheios de programação. Muitas organizações de base estão fazendo esse trabalho de letramento climático para ajudar a população a entender o que é a COP e para se apropriar dela. Entender as negociações e as pautas é difícil até mesmo para as pessoas do ativismo, quanto mais para leigos. O desejo é de que a população se apodere da pauta ambiental e entenda a necessidade da COP30 na Amazônia, de proteger tudo o que está ameaçado: nosso clima e região.  

ESPERANÇAR JUNTOS 
A gente fica muito desanimada ao ouvir o que os líderes dos países desenvolvidos estão falando sobre sustentabilidade, e no cenário político brasileiro, estamos diante da PL da Devastação [PL 2.159/2021]. Mas, se a gente ficar olhando só para isso, desistimos muito fácil, porque parece que estamos sozinhos. Por ser ativista, tive que parar de seguir algumas páginas ambientais porque não conseguia ter saúde mental para continuar trabalhando. Por um tempo, precisei dar uma pausa nas redes sociais em meio a tantas notícias ruins, e comecei a olhar ao redor, para a minha família, colegas de trabalho, pessoas do território. Quando a gente tem quem olhe para a gente como referência e inspiração, entende que não pode enlouquecer. É claro que a gente se revolta. Estamos no meio do furacão, vendo todas as questões de falta de acesso e exclusão das populações da cidade de Belém, o que é grave e precisa ser dito. No entanto, o pessimismo é estratégico, quer dizer, acreditar que não tem mais jeito é bom para quem está explorando. Ser otimista demais também não é bom porque você vai ignorar toda a emergência climática e as injustiças que estão acontecendo. Acho que você precisa ser realista com esperança. Na Rede Jandyras, todos os materiais que a gente produz são realistas, mas trazem propostas. A conexão entre pessoas que estão caminhando juntas é muito boa para se fortalecer.  

Articuladora ambiental da Rede Jandyras, Eduarda Batista participou da reunião do Conselho Editorial da Revista E, no dia 24 de setembro de 2025. A mediação do bate-papo foi de Alessandra Gonçalves, que integra a equipe da Gerência de Educação para Sustentabilidade e Cidadania do Sesc São Paulo. 

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