
*por Alberto Luiz
No chão da metrópole, o jogo não pára. Dá uma olhada na agenda do futebol popular de São Paulo… A gente até se perde de tantos amistosos, copas e festivais. Um circuito que mobiliza as quebradas de todas as regiões de SP.
A certeza é que vai ter jogo e muita gente vai encostar! Das amizades que fundaram os times às pessoas que somaram em suas caminhadas. Sempre que a bola rolar, estarão representados diversos lugares e um território inteiro.
É que a várzea expressa um grande movimento de pessoas, famílias e comunidades. Movimento de quem teve a capital paulista como destino e nela fincou suas raízes. Onde a esperança e as oportunidades contrastaram com a falta de acolhimento à maioria: parcela da população que, ano após ano, teve seus direitos sociais negados, principalmente o de moradia.
Insurgente frente aos imóveis inacessíveis, essa população disputou a cidade. O trabalho diário permitiu erguer os lares, autoconstruídos pelas famílias e comunidades. Nos terrenos possíveis, ora comprados, ora ocupados, emergiram territórios negros, quilombos urbanos, vilas operárias e bairros populares.
Foi suado! Famílias que assentaram vida e proceder nos loteamentos mais apertados, nas margens das ferrovias, nos meandros alagadiços dos córregos, nas vertentes dos morros, nas favelas.
Encruzaram-se, então, suas referências e suas memórias. À revelia dos espaços projetados para o trabalho e o consumo, essa população criou seus espaços de lazer, de festa e de encontro. O futebol não poderia ficar de fora.
Aqueles que forjaram o espaço urbano como mercadoria em seu projeto de poder, negociando seus fragmentos, sempre tiveram na várzea um adversário difícil.
Jogo truncado, daquele jeito.
Na zaga, a organização coletiva e o apoio mútuo tipicamente varzeanos para ocupar os vazios da cidade. No meio campo, as negociações e acordos, seja na raça ou no jogo de cintura. Se não dava de um jeito, ia de outro. Era preciso entender os atalhos.
No ataque, o mais genuíno desejo: jogar!
O futebol popular se embrenhou nas múltiplas disputas por espaço na cidade e garantiu seu lugar. O lugar-campo. Os incontáveis campos de várzea!
Do lado de dentro do alambrado, boleiros e boleiras realizando o jogo, que se tornou o esporte mais praticado no Brasil. Uma referência marcante de nossa cultura.
À beira dele, dezenas, centenas, milhares… varzeanos e varzeanas que, para além do jogo, demarcaram os campos como espaços de existência, possibilitando o futuro por meio de práticas fundamentadas na memória. Os saberes de quem veio antes.
É a várzea que torce, faz batucada e carnaval. Onde tem baile, salão e fluxo. RAP, funk, samba, pagode, piseiro, samba-rock e balanço. A várzea que se alimenta na churrasqueira, na barraquinha, na estufa de salgado, no sabor mais apurado da panela e do tacho, comida feita com cuidado no fogão do bar.
Onde se aprende os primeiros chutes nas escolinhas, os primeiros versos nos saraus, os primeiros acordes na roda de samba. A várzea das arrecadações, dos projetos sociais, das festas de quebrada.
A várzea de encontros e reencontros, cruzando a cidade de transporte público, moto, carro, busão e caminhão. Um circuito de muitos lugares, identidades, provocações e rivalidades. Porém, pertencente ao mesmo território: o território periférico.

No mapa, um fragmento significativo desse caldeirão cultural. São dezenas de campos de futebol nos distritos mais densamente povoados da Zona Sul, demarcando espacialmente a contemporaneidade deste futebol popular que vem de longa data.
Campos resistentes às investidas e contra-ataques do capital, em meio aos resquícios da mata de outrora, aos rios e represas que permeiam a segunda região mais populosa da metrópole.
Dentre eles, os campos do Triângulo da Várzea nos distritos do Capão Redondo, Jardim Ângela e Jardim São Luís, bem juntinho ao Campo Limpo, respectivamente sedes da Copa Sesc de Futebol de Várzea 2023, 2024 e 2025.
No próximo dia 08 de novembro, às 10 h, diversas equipes nas categorias masculina e feminina iniciam, junto às suas torcidas e entusiastas, mais um capítulo dessa história de realização, compartilhamento e consolidação de referências culturais que é a várzea. Assim como nas edições anteriores, as finais ocorrem 20 de novembro, Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra.
Das quatro linhas – onde ninguém quer perder – irá emanar novamente aquele sentimento que deixa geral com sabor de vitória!
Bem ali, nos campos do Rosana, do Letícia e do Nakamura, onde o projeto excludente de cidade tomou de goleada. Onde o acolhimento, ali sim, emana! A coletividade é protagonista e a colonialidade é enfrentada a cada toque, a cada gesto, a cada partilha.
Onde a narrativa que se quis permanente é invertida: o Triângulo se faz vida.
Contribuindo para a territorialização permanente da cultura popular e periférica, a 3ª Copa SESC de futebol fortalece um movimento histórico. Uma disputa material e simbólica do chão da metrópole.
Rola a bola na Zona Sul!
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