Triângulo da Várzea: futebol, cultura e território

07/11/2025

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*por Alberto Luiz

No chão da metrópole, o jogo não pára. Dá uma olhada na agenda do futebol popular de São Paulo… A gente até se perde de tantos amistosos, copas e festivais. Um circuito que mobiliza as quebradas de todas as regiões de SP.

A certeza é que vai ter jogo e muita gente vai encostar! Das amizades que fundaram os times às pessoas que somaram em suas caminhadas. Sempre que a bola rolar, estarão representados diversos lugares e um território inteiro.

É que a várzea expressa um grande movimento de pessoas, famílias e comunidades. Movimento de quem teve a capital paulista como destino e nela fincou suas raízes. Onde a esperança e as oportunidades contrastaram com a falta de acolhimento à maioria: parcela da população que, ano após ano, teve seus direitos sociais negados, principalmente o de moradia.

Insurgente frente aos imóveis inacessíveis, essa população disputou a cidade. O trabalho diário permitiu erguer os lares, autoconstruídos pelas famílias e comunidades. Nos terrenos possíveis, ora comprados, ora ocupados, emergiram territórios negros, quilombos urbanos, vilas operárias e bairros populares.

Foi suado! Famílias que assentaram vida e proceder nos loteamentos mais apertados, nas margens das ferrovias, nos meandros alagadiços dos córregos, nas vertentes dos morros, nas favelas.

Encruzaram-se, então, suas referências e suas memórias. À revelia dos espaços projetados para o trabalho e o consumo, essa população criou seus espaços de lazer, de festa e de encontro. O futebol não poderia ficar de fora.

Aqueles que forjaram o espaço urbano como mercadoria em seu projeto de poder, negociando seus fragmentos, sempre tiveram na várzea um adversário difícil.

Jogo truncado, daquele jeito.

Na zaga, a organização coletiva e o apoio mútuo tipicamente varzeanos para ocupar os vazios da cidade. No meio campo, as negociações e acordos, seja na raça ou no jogo de cintura. Se não dava de um jeito, ia de outro. Era preciso entender os atalhos.

No ataque, o mais genuíno desejo: jogar!

O futebol popular se embrenhou nas múltiplas disputas por espaço na cidade e garantiu seu lugar. O lugar-campo. Os incontáveis campos de várzea!  

Do lado de dentro do alambrado, boleiros e boleiras realizando o jogo, que se tornou o esporte mais praticado no Brasil. Uma referência marcante de nossa cultura.

À beira dele, dezenas, centenas, milhares… varzeanos e varzeanas que, para além do jogo, demarcaram os campos como espaços de existência, possibilitando o futuro por meio de práticas fundamentadas na memória. Os saberes de quem veio antes.

É a várzea que torce, faz batucada e carnaval. Onde tem baile, salão e fluxo. RAP, funk, samba, pagode, piseiro, samba-rock e balanço. A várzea que se alimenta na churrasqueira, na barraquinha, na estufa de salgado, no sabor mais apurado da panela e do tacho, comida feita com cuidado no fogão do bar.

Onde se aprende os primeiros chutes nas escolinhas, os primeiros versos nos saraus, os primeiros acordes na roda de samba. A várzea das arrecadações, dos projetos sociais, das festas de quebrada.

A várzea de encontros e reencontros, cruzando a cidade de transporte público, moto, carro, busão e caminhão. Um circuito de muitos lugares, identidades, provocações e rivalidades. Porém, pertencente ao mesmo território: o território periférico.

Clique na imagem para ampliar.

No mapa, um fragmento significativo desse caldeirão cultural. São dezenas de campos de futebol nos distritos mais densamente povoados da Zona Sul, demarcando espacialmente a contemporaneidade deste futebol popular que vem de longa data.

Campos resistentes às investidas e contra-ataques do capital, em meio aos resquícios da mata de outrora, aos rios e represas que permeiam a segunda região mais populosa da metrópole.  

Dentre eles, os campos do Triângulo da Várzea nos distritos do Capão Redondo, Jardim Ângela e Jardim São Luís, bem juntinho ao Campo Limpo, respectivamente sedes da Copa Sesc de Futebol de Várzea 2023, 2024 e 2025.

No próximo dia 08 de novembro, às 10 h, diversas equipes nas categorias masculina e feminina iniciam, junto às suas torcidas e entusiastas, mais um capítulo dessa história de realização, compartilhamento e consolidação de referências culturais que é a várzea. Assim como nas edições anteriores, as finais ocorrem 20 de novembro, Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra.

Das quatro linhas – onde ninguém quer perder – irá emanar novamente aquele sentimento que deixa geral com sabor de vitória!

Bem ali, nos campos do Rosana, do Letícia e do Nakamura, onde o projeto excludente de cidade tomou de goleada. Onde o acolhimento, ali sim, emana!  A coletividade é protagonista e a colonialidade é enfrentada a cada toque, a cada gesto, a cada partilha.

Onde a narrativa que se quis permanente é invertida: o Triângulo se faz vida.

Contribuindo para a territorialização permanente da cultura popular e periférica, a 3ª Copa SESC de futebol fortalece um movimento histórico. Uma disputa material e simbólica do chão da metrópole.

Rola a bola na Zona Sul!   

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