Ed. 86 – Envelhecimento e Desigualdades Raciais

23/01/2024

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Foto: Helen Salomão

APRESENTAÇÃO

Este documento objetiva apresentar uma síntese dos resultados do estudo Envelhecimento e Desigualdades Raciais, produzido pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) com financiamento do Itaú Viver Mais, e propor alternativas de enfrentamento às desigualdades raciais vividas pelas pessoas idosas.

O estudo analisa as desigualdades raciais com base nos dados da pesquisa Impactos Sociais do Envelhecimento Ativo2, realizada no ano de 2021. A pesquisa foi baseada em um survey conduzido com população de mais de 50 anos em três capitais brasileiras: São Paulo, Salvador e Porto Alegre. A escolha das cidades se justifica pelos altos índices de envelhecimento populacional e em função da diversidade regional. O estudo revelou que existem desigualdades substanciais na experiência de envelhecimento quando se comparam pessoas negras e brancas com mais de 50 anos. É fundamental observarmos esse aspecto para o desenvolvimento de uma sociedade que envelhece com dignidade e equidade.

A pesquisa foi construída com base no conceito de envelhecimento ativo da Organização Mundial de Saúde (OMS) estabelecido em 2005 e desenvolve um Índice de Envelhecimento Ativo multidimensional que contempla 11 indicadores temáticos: saúde, violência, autoestima, mobilidade, capital social, bem-estar, inclusão digital, segurança financeira, inclusão produtiva, atividade física e cultura.

Este documento focará em cinco dimensões que apresentaram os maiores indícios de desigualdades raciais e que demandam intervenções: saúde, inclusão produtiva, segurança financeira, inclusão digital e resgate da memória.

É essencial planejar ações e realizar intervenções que fortaleçam a autonomia e promovam o bem-viver da população idosa. Promover o envelhecimento saudável e digno inclui a integração de diferentes setores e campos de intervenção, como: direitos trabalhistas e previdenciários; mobilidade e acessibilidade; atividades físicas, culturais e sociais; e equipamentos públicos e privados de atenção e cuidado. Trata-se de uma questão complexa que demanda uma abordagem transversal e multidisciplinar. Este relatório tem a finalidade de promover o debate público, sensibilizar a sociedade e subsidiar ações governamentais, do setor privado e da sociedade civil organizada.

DIMENSÃO: SAÚDE

A saúde é um dos principais pilares de promoção do envelhecimento ativo. O indicador de saúde do estudo contempla aspectos como o acesso e uso da rede de serviços de saúde, a qualidade do atendimento e os comportamentos de risco, a exemplo do alcoolismo e tabagismo. A pesquisa evidenciou que, nas três capitais investigadas, homens e mulheres negras apresentam pior desempenho no indicador de saúde. Nas três capitais, o acesso aos serviços de saúde privados por homens e mulheres brancos é maior. Por exemplo, a comparação das duas capitais para o grupo da faixa entre 70 e 79 anos revela que as mulheres negras porto-alegrenses apresentam um indicador de saúde com 9,7 pontos a mais que as negras soteropolitanas. Já entre os homens brancos dessa faixa essa diferença chega a 26,9 pontos. Em Porto Alegre, 47% das pessoas brancas acessam serviços de saúde privados, enquanto entre as pessoas negras esse número é de apenas 24%.

De acordo com dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), a partir dos 15 anos de idade as mortes dos homens negros representam, pelo menos, o dobro dos demais grupos. Em São Paulo, 71% das mortes entre homens negros ocorrem até os 69 anos, enquanto entre os homens brancos esse percentual é de 48%. Os homens negros apresentam os piores indicadores sociais, fruto de inúmeras exposições ao risco longo do ciclo de vida. O estudo Causas de Óbito Segundo Raça/Cor e Gênero no Estado de São Paulo mostra que até os 69 anos os homens negros estão mais expostos a riscos como violência e ambientes de trabalho precários. Além disso, são acometidos por determinadas doenças, como a hipertensão arterial (Ministério da Saúde, 2017).

Observando as causas das mortes, nota-se também que os homens negros são mais acometidos por transtornos mentais e comportamentais (número três vezes maior em comparação aos homens brancos), além de sofrerem mais com doenças infecciosas e parasitárias (1,9 vezes mais que os homens brancos). Os dados da pesquisa vão de encontro a outros estudos que verificam uma tendência maior dos homens em negligenciar a sua própria saúde devido aos papéis de gênero culturalmente estabelecidos em nossa sociedade (MINAYO, 2011; SEPARAVICH & CANESQUI, 2020). Esse diagnóstico revela que o envelhecimento saudável da população negra, especialmente da população negra masculina, enfrenta mais desafios.

Deste modo, os serviços de saúde devem estimular campanhas de sensibilização voltadas ao público masculino, com foco no acolhimen- to inclusivo de promoção do autocuidado (COSTA, 2013). Os serviços de saúde devem elaborar iniciativas para aproximar os homens do universo dos cuidados, criando estratégias de comunicação que busquem desconstruir os estereótipos de masculinidade e ofertar serviços inclusivos para esse público. As ações devem reiterar que o cuidado com a saúde é um tema masculino e deve ser valorizado na esfera pública. A parcela idosa e negra da população sofre com a falta de serviços básicos de saúde, como saneamento, acesso à água potável e segurança habitacional, sobretudo após o evento da pandemia de Covid-19 (GÓES, RAMOS, FERREIRA, 2020). Nesse sentido, é importante tratar a saúde a partir de uma perspectiva interdisciplinar e coletiva, que contemple a melhoria de políticas de habitação, saneamento básico e mobilidade urbana (MOURA, 2021).

Incentivam-se iniciativas de segurança alimentar para todas as faixas etárias, mas com uma atenção especial à população idosa e negra. São fundamentais ações e programas que promovam o acesso à alimentação saudável, apontada como fator de controle e prevenção de doenças crônico-degenerativas. Além desse aspecto, defende-se a disseminação do campo da gerontologia aplicada e o fortalecimento dos cursos profissionais de terapia ocupacional recentemente criados nas universidades públicas. Esta profissão visa atender populações que têm sua participação ocupacional ameaçada pelas desigualdades sociais, a exemplo da população negra e idosa. Profissionais deste campo podem ser excelentes facilitadores de atividades emancipadoras, grupais ou individuais, na busca de conscientização e empoderamento da questão racial, promovendo a participação social e diminuindo a exclusão social deste grupo.

Outras áreas da saúde com potencial de aprimoramento no envelhecimento ativo dizem respeito ao campo da saúde mental, reabilitação e fisioterapia, com foco na formação de profissionais da saúde qualificados nas temáticas da questão racial e geracional. Destacamos que a população negra e idosa pode se beneficiar de iniciativas de promoção de cuidado em saúde mental integrada à dimensão cultural e territorial por meio da criação de espaços que promovam atividades de educação, cultura e lazer com envolvimento comunitário (FREITAS, JÚNIOR e COSTA, 2018).

Incentivamos a disseminação de práticas de saúde inspiradas na medicina afro-brasileira, a exemplo do fortalecimento da atuação de mulheres negras e idosas que atuam como erveiras, benzedeiras e curandeiras em diferentes territórios. Essas experiências podem envolver grupos de artesanato, arteterapia e práticas de autocuidado, com especial atenção para mulheres negras e idosas (VIDAL, 2012).

As empresas e o setor público podem fortalecer o investimento nas Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPI) com foco na população negra e idosa. Esses espaços necessitam da provisão de equipe integrada por diferentes profissionais, devendo ser composta de: assistente social, educador físico, enfermeiro, técnico de enfermagem, nutricionista, médico, fisioterapeuta, cuidadores de idosos e responsáveis pelos serviços gerais. Além deles, também podem compor a equipe profissionais farmacêuticos, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais e musicoterapeutas, como forma de ampliar a atenção e a manutenção do bom estado de saúde dos residentes, contribuindo para sua autonomia e sua independência física, psíquica e social (SANTOS, 2018).

Nesse sentido, apostamos na disseminação das Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (Pics) na atenção à saúde das pessoas negras e idosas. As práticas dizem respeito à oferta de ações partícipes do campo da Medicina Tradicional Chinesa (MTC), como acupuntura, homeopatia, fitoterapia, medicina antroposófica e termalismo. Em alguns municípios brasileiros, os serviços de saúde incluem procedimentos como: arteterapia, ayurveda, biodança, dança circular, meditação, musicoterapia, naturopatia, osteopatia, quiropraxia, reflexoterapia, reiki, shantala, terapia comunitária integrativa e yoga (NUNES, 2021).

Essas iniciativas podem ser estimuladas por meio de programas de intervenção comunitários, voltados ao exercício e à prática da atividade física. Esses programas já existem em alguns municípios do país, ainda que sejam necessários alguns ajustes para sua utilização nas diferentes regiões do Brasil. Exemplos podem ser vistos através de iniciativas desenvolvidas pela Fundação Britânica de Beneficência (FBB) e Fundação Julita, em São Paulo. No Rio de Janeiro, em algumas clínicas da família. No Programa de Incentivo à Atividade Física para Idosos (Piafi), promovido pelo Instituto de Geriatria e Gerontologia (IGG) do Hospital São Lucas (HSL), no Rio Grande do Sul. Os centros podem atuar também com oficinas da chamada estimulação cognitiva para idosos com ênfase em memória, diante da quantidade de idosos acometidos por demências e sua consequente perda de autonomia.

DIMENSÃO: INCLUSÃO PRODUTIVA

O indicador de inclusão produtiva apresenta a situação de indivíduos idosos em relação aos meios de subsistência e à renda. Mulheres e homens entrevistados foram inquiridos sobre trabalho, qualificação, fontes de rendimentos e segurança em relação ao recebimento de proventos financeiros.

Em São Paulo e Salvador, mulheres negras apresentam pior desempenho em relação à inclusão produtiva quando comparadas às mulheres brancas. Os homens negros nas capitais paulista e gaúcha possuem indicadores inferiores quando comparados aos homens brancos.

Do ponto de vista da aposentadoria, as mulheres brancas de São Paulo acessam mais esse benefício quando comparadas às mulheres negras, com dados que mostram que enquanto 83% das mulheres brancas acessam esse direito, apenas 73% das mulheres negras têm esse acesso. Os proventos se mostram significativos apenas para pessoas brancas com 70 anos ou mais – e mesmo assim, apenas em alguns grupos, como mulheres brancas de São Paulo e homens brancos de Porto Alegre. A previdência privada constitui um privilégio ainda muito localizado e residual.

De acordo com os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Es- tatística (IBGE), homens e mulheres negros estão primordialmente inseridos economicamente em trabalhos manuais, sujeitos a baixos rendimentos e muita informalidade e, pelo esforço físico, o trabalho é reduzido ao longo da vida conforme as condições de saúde decaem. Esses aspectos revelam as desigualdades raciais na inclusão produtiva.

O cenário atual demanda um ambiente produtivo inclusivo e diversificado que acolha e invista na inserção da população idosa e negra. Na esfera governamental, o poder público pode organizar feiras internacionais de promoção da população negra e idosa, a exemplo da iniciativa Longevidade Expo+Fórum, que agrega milhares de pessoas em atividades de palestras, rodas de conversas e shows5. Essas iniciativas auxiliam na formação de redes de trabalho entre a população negra e idosa, além de fortalecer a compra de produtos no campo do empreendedorismo negro e idoso devido à exposição em estandes realizada por editoras, confecções e demais atividades comerciais e de serviços.

No âmbito das empresas, temos exemplos de plataformas que atuam com a seleção de profissionais a partir de critérios de diversidade, a exemplo de plataformas como EmpregueAfro, HerForce, Vagas PCD e Contrate uma Mãe, que auxiliam candidatos a empregos a encontrarem ocupações profissionais. Essas iniciativas também atuam com consultorias para corporações que necessitam diversificar a equipe de recursos humanos das empresas. Destacamos também iniciativas focadas na população idosa, como a University of Third Age, que é focada na formação e integração comunitária de idosos.

Empresas devem criar mecanismos para admissão de idosos nas instituições, a exemplo dos programas de profissionalização especializada voltados a essa população. O setor privado deve atentar para políticas de formação, qualificação e atualização profissional, além de ampliar o acesso ao crédito para essa parcela da população. As empresas podem desenvolver iniciativas de fortalecimento da agricultura familiar voltadas para esse público, com o objetivo de beneficiar o desenvolvi mento agrário desenvolvido pela população idosa de baixa renda. O setor privado também pode assumir o desafio de melhorar a inclusão produtiva dos idosos negros brasileiros de menor renda elaborando políticas de fomento ao crédito e investimento com juros baixos.

Portanto, as empresas podem promover a diversidade racial no campo do empreendedorismo brasileiro, estimulando a criação de iniciativas lideradas por pessoas negras, em ambientes que possuem padrões de desigualdade, sobretudo entre pretos e pardos. Setores privados também podem investir em linhas de crédito focadas nos diferentes perfis de público, que possam auxiliar a população negra e idosa nos desafios da criação e manutenção de negócios, procurando proporcionar um investimento financeiro voltado ao desenvolvimento individual e organizacional.

DIMENSÃO: SEGURANÇA FINANCEIRA

Este indicador contempla informações sobre rendimentos e gastos mensais, incluindo o sentimento de confiança com as finanças até o fim da vida. Esse aspecto envolve a percepção das pessoas sobre possibilidades e dificuldades para pagar as despesas mensais, expectativas sobre o futuro e esperança de melhoria da situação financeira ao longo da vida. A insegurança financeira é motivo de especial preocupação em um momento da vida em que há grande necessidade de investimento em saúde, remédios e terapias. Os dados da pesquisa apresentam uma desigualdade racial bem demarcada. Nas três cidades, as pessoas brancas têm indicadores superiores às negras na maioria das faixas etárias. Essa diferença chega a 15,8 pontos de vantagem de mulheres brancas em comparação com mulheres negras entre 60 a 69 anos na cidade de Salvador. Na capital baiana, os homens brancos atingem o índice de 44,8 pontos nesse indicador comparados a 31 pontos dos homens negros.

Os dados mostram que os idosos negros enfrentam maior dificuldade em pagar as contas mensais com a renda disponível.

A temática da segurança financeira está intrinsecamente articulada à inclusão produtiva e à trajetória profissional. Logo, as recomendações voltadas à inclusão produtiva têm como consequência a melhoria da segurança financeira. Mas outras ações podem ser desenvolvidas.

O acesso à previdência social permite a cobertura de riscos sociais inerentes à condição humana em casos de doença ou morte de familiares, sendo um recurso fundamental na provisão de bem-estar na velhice. A permanência de pessoas negras em trabalhos inferiorizados, com baixos salários, e sobretudo no desemprego, dificultam o acesso ao benefício previdenciário.

Uma desvantagem da população negra no acesso à aposentadoria foi observada. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) aponta que as principais fontes de renda para a população acima dos 65 anos são as aposentadorias e as pensões do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS). Na população negra, 79% entre quem tem 65 e 79 anos, e 88% daqueles com 80 anos ou mais recebem proventos dessas fontes. Entre brancos, no entanto, esses percentuais são ainda mais altos e atingem, respectivamente, 82% e 91% da população. As mulheres brancas de São Paulo acessam mais a aposentadoria quando comparadas às mulheres negras; com diferença entre 69% de acesso para mulheres negras e 86% para mulheres brancas na faixa de 60 anos a 69 anos. A situação dos homens idosos brancos também é especialmente vantajosa no que se refere à aposentadoria, chegando a 85% da população entre 70 a 79 anos de idade em contraposição a 75% para homens negros na mesma faixa etária.

No caso da previdência privada, o estudo indica que este é um recurso acessado por grupos muito específicos, especialmente homens brancos. A pesquisa mostra que, de maneira geral, os idosos brancos têm maior acesso à aposentadoria via INSS e previdência privada, enquanto as pessoas negras acessam mais o Benefício de Prestação Continuada (BPC). Hoje o BPC é fixado em um salário-mínimo e chega a 7% da população negra acima de 65 anos e a cerca de 3% da população branca da mesma idade, reforçando a desigualdade racial nos indicadores da pesquisa.

O acesso à aposentadoria é fruto de uma trajetória profissional no mercado formal com contribuição previdenciária. Já o BPC é um benefício assistencial não contributivo, que é fundamental para o orçamento de públicos vulneráveis. Garantir e ampliar o acesso e o valor do BPC pode ser uma estratégia para aumentar a segurança financeira da população idosa negra. É bem-vinda a discussão sobre outras políticas de transferência de renda voltadas às pessoas idosas, a exemplo da Renda Básica do Idoso ou iniciativas similares alinhadas com a temática racial. Nesse sentido, sugerimos a disseminação de experiências como a Central Judicial do Idoso (CJI)7, realizada na cidade de Brasília. Trata-se de um serviço destinado a pessoas idosas que se encontram com seus direitos violados. A central oferece orientação jurídica, acesso à justiça e inclusão na rede de assistência social local.

No âmbito das políticas de assistência social, destacamos que as unidades do Centro de Referência de Assistência Social (Cras) realizam o atendimento de um quantitativo considerável de pessoas idosas e racializadas. Pesquisas mostram que o público do Cras é constituído majoritariamente de mulheres negras, pessoas idosas que nunca participaram de ações relacionadas às questões de gênero e raça (ANDRADE & PEREIRA, 2019). Por esse motivo, as ações no campo das políticas públicas devem ser pautadas de modo transversal e interseccional. Recomendamos ações de busca ativa para inserção em programas sociais, como acesso ao programa Bolsa Família, previdência social e BPC.

Sugerimos a organização de debates sobre igualdade racial e envelhecimento nos equipamentos públicos; Cras, Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas) e Centro de Acolhimento, incluindo ações de articulação de projetos que tratem da transversalidade étnico-racial e geracional na política de assistência social. Indicamos a instrumentalização das equipes técnicas para uma intervenção voltada às questões de envelhecimento e raça com o objetivo de proporcionar o acesso aos serviços socioassistenciais à população negra, idosa e oriunda de comunidades tradicionais de matrizes africanas. As instituições públicas e privadas podem se beneficiar com a promoção do debate e fomento de oficinas sobre igualdade racial e envelhecimento nas secretarias municipais ou organizações do terceiro setor a fim de combater o racismo em âmbito institucional (CARDOSO, DIETRICH, PERES, 2021). Iniciativas privadas também podem estimular a criação de espaços de proteção social e cuidado em territórios vulneráveis, a exemplo de centros de arte, dança, bibliotecas, centro de jogos e atividades recreativas ou espaços de lazer. Estudos mostram que essas ações no campo da cultura e do lazer são fortes promotoras de bem-estar fí- sico e mental dos sujeitos idosos e negros (RABELO & SANTOS, 2022).

DIMENSÃO: INCLUSÃO DIGITAL

Este indicador analisa o acesso e a frequência de uso da internet; o domínio e o uso das tecnologias de informação; a posse de diferentes dispositivos para acessar a internet; as habilidades e os tipos de atividade realizados na rede. As condições de inclusão digital favorecem radicalmente a inserção no mercado de trabalho bem como a manutenção das relações profissionais e de amizade para a população idosa.

A análise do indicador revela que existem diferenças entre grupos raciais e entre faixas etárias. No geral, homens e mulheres negras possuem, em todas as capitais analisadas, piores indicadores de inclusão digital quando comparados aos homens e mulheres brancos. Conforme avançam as faixas etárias, a inclusão digital diminui para todos os grupos; entretanto, as desigualdades raciais persistem. Quanto mais jovem, maior o desempenho. A primeira faixa etária do estudo (50 a 59 anos) tem maior domínio e faz melhor uso dessas tecnologias que as demais. Ainda assim, em todas as capitais, homens e mulheres negros nessa faixa etária possuem os piores índices de inclusão digital. Contudo, observam-se diferenças no resultado dos indicadores em cada um dos três municípios analisados. Na cidade de São Paulo, os maiores indicadores de inclusão digital estão entre as mulheres brancas de 60 a 69 anos (77,2% contra 54,7% das mulheres negras) e os homens brancos de 50 a 59 anos (72,8% contra 58,8% dos homens negros). Em Porto Alegre, as mulheres negras possuem indicadores de inclusão digital ligeiramente mais baixos que as mulheres brancas, sendo que a diferença aumenta nas faixas acima dos 70 anos. Esse padrão de aumento da diferença também é notado entre os homens: brancos apresentam quase 30 pontos a mais que negros na faixa acima dos 80 anos de idade.

A inclusão digital é um fator que influencia nas oportunidades de inserção produtiva e autonomia financeira, além de promover laços de convívio e gerar conhecimento.

São fundamentais iniciativas para a inserção de idosos no mundo digital por meio de projetos e oficinas de educação digital, manejo de aplicativos, celulares, computadores e demais tecnologias da comunicação e informação, tais como uso de GPS, pesquisas na internet, jogos on-line, acesso a filmes e serviços de consumo. São necessários projetos de intervenção que promovam a inclusão social de populações excluídas digitalmente, com foco em pessoas negras, utilizando as tecnologias da informação como instrumento de construção e exercício da cidadania. Iniciativas que proporcionem ferramentas e conteúdos teóricos e práticos sobre gestão e segurança da informação e de dados para idosos de periferias e das regiões Norte e Nordeste, contribuindo para sua formação integral e inserção no mundo da tecnologia. Essas ações são essenciais na promoção da autoestima, autonomia e empoderamento de pessoas idosas.

DIMENSÃO: CULTURA, MEMÓRIA E AUTOESTIMA

O estudo mostra a perpetuação da desigualdade racial que acomete as pessoas idosas das grandes cidades, reproduzindo exclusão e vulnerabilidade social no envelhecimento. O racismo se reproduz com base em ideologias socialmente dominantes que reforçam a desigualdade racial, um fenômeno estrutural e característico da sociedade brasileira. O estudo indicou a centralidade de iniciativas que promovem a garantia, a circulação e o resgate da memória, com ênfase em múltiplas trajetórias de vida de pessoas negras no enfrentamento às dificuldades sociais. A recuperação da memória histórica auxilia na promoção de sentimentos positivos e nos vínculos sociais e culturais entre os membros de uma determinada comunidade.

Os laços de amizade e solidariedade proporcionados pelo compartilhamento de uma memória comum possuem consequências relevantes para o fortalecimento da autoestima das pessoas idosas. Essa dimensão é de suma importância para um envelhecimento ativo, uma vez que é nessa faixa etária que observamos o afastamento do mercado de trabalho e, muitas vezes, também do círculo de amizades para além da vida doméstica e familiar. Vimos a importância de cultivar e honrar a ancestralidade negra a partir da criação de ações e espaços que celebrem as pessoas mais velhas, a sabedoria e o aprendizado proporcionado pela velhice.

Nesse sentido, propomos a elaboração de ações e espaços culturais de promoção da ancestralidade negra, com incentivo à leitura e ao consumo de bens culturais, como filmes e passeios em cinemas, museus e salas de arte. Isso pode ser realizado com o fortalecimento de casas de cultura, bem como com a preservação de manifestações religiosas afro-brasileiras, tais como festivais e eventos voltados ao tema.

No âmbito das políticas públicas, estimulamos as práticas de humanização dos serviços voltados aos idosos, com respeito à diversidade de experiências e histórias de vida. Destacamos a importância de estudos e iniciativas artísticas que procurem promover o resgate da memória histórica e a desconstrução de imagens de inferioridade racial com o objetivo de promover a autoestima de sujeitos negros.

Essas ações podem ser estimuladas por meio da criação de políticas públicas e iniciativas privadas que busquem propiciar o resgate da memória histórica da cultura negra com a veiculação de histórias, valorizando novas narrativas que promovam a construção de uma rede de diálogos e ações comunitárias criativas e reflexivas. As empresas devem investir em ações de letramento racial e antirracismo nos quadros de direção e gestão. Assim, estimulamos a promoção da diversidade em posições de alto escalão, com o objetivo de criar uma cultura empresarial atenta e sensível às desigualdades de gênero, raça e geração.

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