A sétima arte na educação

15/02/2023

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A obra Cinema e educação: a emergência do moderno faz um panorama do que foi o cinema educativo no início do século XX e trata da relação entre a sétima arte, a história e a educação no Brasil dos anos 1920 a 1930

Por Fernão Pessoa Ramos*

Este Cinema e educação: a emergência do moderno (anos 1920 e 1930) mostra um panorama consistente da tecnologia emergente do cinema em face das demandas da pedagogia no início do século XX. Em sua amplitude, faz um recorte inédito na produção dos “posados” ficcionais e no cinema documentário. A nova metodologia educacional é bem situada na influência de John Dewey sobre Anísio Teixeira e outros pensadores brasileiros.

A questão democrática e a educação, no horizonte traçado pela filosofia pragmatista norte-americana, não surgem no modo reducionista. As propostas da Escola Nova são apresentadas por meio de um pano de fundo no qual o cinema é um modo conveniente para a práxis de corte pragmático, levada pelo que William James chama de fluxo temporal, potencializando a comunicação no campo pedagógico. As necessidades da Escola Nova podem, então, ser pensadas tendo a cinematografia em seu eixo. Além disso, um cuidadoso levantamento bibliográfico acompanha o panorama da crítica em educação nas revistas de cinema, em particular na maior delas, a Cinearte.

Projeção de filmes em escolas, 1931. Arquivo Lourenço Filho, Acervo CPDOC-FGV

Encontramos, assim, o cruzamento do ensino com as novas tecnologias de comunicação, agora centrado e flexionado por uma arte já madura – o cinema clássico e suas estrelas. Os debates sobre a moral da ficção narrativa são contextualizados em seu modo expositivo inovador, paulatinamente conquistado através das deslumbrantes imagens gigantes que se movem. É necessário se deslocar daí para fazer emergir as qualidades educacionais do meio em um novo horizonte. Esse é um movimento sentido pelos agentes históricos, e este livro traça seu percurso com agilidade. As singularidades entre o cinema instrucional e o educativo aparecem bem delineadas, conforme expostas por fontes primárias de época. Surgem na encruzilhada de uma nova arte, pensada em seu modo ficcional e documentário, e as necessidades cruas do meio para a expansão instrucional, cumprindo a cartilha do pragmatismo norte-americano de Dewey absorvido pela Escola Nova para a realidade brasileira.

Trecho do livro

A dialética do quadro é complexa em suas múltiplas variantes (ficção, instrução, documentário), mas esta obra equilibra bem os pratos da equação sem perder seu foco diferencial – que não é a metodologia da educação em si mesma, mas sua constelação a partir da tradição cinematográfica. Esta última, quando se aproxima da demanda pedagógica, traz consigo a potência do estatuto inaugural do cinema como arte das massas na primeira metade do século XX. Ao vergar a cinematografia que vem da composição estética das imagens em movimento (a forma narrativa fílmica), este livro nos fornece diacronicamente os dilemas sobre sua utilização em sala de aula e as formatações do Estado brasileiro para, mal ou bem, lidar com a questão. Localiza-se, aqui, o seu escopo inovador.

O estatuto do filme nesse período exerce fascínio sobre pesquisadores contemporâneos, com formação historiográfica, que se dedicam ao estudo do cinema no Brasil. Ao abandonar o campo já  percorrido e ligar o  filme de modo mais direto à instrução, a obra da autora Rosana Catelli constrói seu diferencial. Trata-se de uma publicação que certamente se tornará fonte de consulta indispensável para os que querem pensar a história da educação no Brasil interagindo com o meio tecnológico. Se o cinema foi o primeiro deles, a abordagem desse campo exige as mediações devidas para poder relacionar a forma de uma estética com as demandas pedagógicas da ação pragmática instrucional.

*Fernão Pessoa Ramos é professor do Departamento de Cinema do Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e autor e organizador de livros como Enciclopédia do cinema brasileiro e Nova história do cinema brasileiro. Este texto foi originalmente publicado na orelha do livro.

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