do caminho um rezo  

15/05/2025

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Sorocaba é terra de Frestas. Com suas fronteiras diluídas, é nesse chão batido por matrizes afluentes de mútua solidariedade, que o projeto curatorial adota a ideia de fazer germinar práticas artísticas, educacionais e textuais territorializadas com o conhecimento que estão e sempre estiveram nas aldeias, nos quilombos, nas comunidades e nos agrupamentos dos entornos.  

Somos feitos de caminhos e assim também foi feita Sorocaba, sendo parte importante da rota do Peabiru, um longo trajeto indígena que conecta a cordilheira dos Andes ao oceano Atlântico, estradas que adentravam o interior do Brasil, conectando o sudeste com o atual sul e centro-oeste do país, como regiões de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraná e Goiás, abertas por populações indígenas mas depois usurpadas por agentes da colonização. Um caminho sagrado que segue a trajetória do sol, mas que também unia aldeias, promovia a troca e o intercâmbio, entre outras tecnologias existentes antes da invasão.  

Essa prática de fazer o caminho mais do que uma forma de pensar o território, é um modo de existir no mundo comum a muitos povos em toda Abya Yala e que se reafirma no projeto dessa exposição inspirada pelo conceito difundido pelo Professor Doutor Tadeu Tãn Nó, de origem Kaingang, que nos diz que caminhar é mais do que deslocar-se: é uma forma de oração; uma maneira de assentar-se, de perceber o intangível, de fortalecer o espírito diante das armadilhas do viver. Com ideias próximas, a ativista boliviana de origem aimará, Silvia Rivera Cusicanqui, em suas reflexões retoma o Thaki. Um conceito-prática da cosmologia indigena andina que é carregado de um sentido complexo, nele se combina o próprio ato de caminhar às ações ritualísticas, como festas e peregrinações a lugares sagrados, que vem embalada por uma relação cosmo-epistemológica de produção da vida e da memória.  

do caminho um rezo é a nossa proposta para a 4ª Frestas. Desejamos aproximar tais movimentos sem afirmar o vínculo de um com o outro, tão pouco em separá-los. Em vista disso, nos apoiamos no conceito de Tadeu Tãn Nó (o caminho é um rezo) sem a inserção do verbo “é” e sem a possível presença de pontuação gramatical que a frase pode requerer. Desejamos desafiar tais normativas, possibilitando a experimentação que o conjunto dessas palavras nos dão, lidando com suas solturas e amarrações.  

Queremos também propor uma retomada de conhecimentos que se desdobram nas Confluências afropindorâmicas do escritor e quilombola Antônio Bispo dos Santos (1959-2023), conhecido por Nêgo Bispo. Com ele, queremos evocar o território Sorocaba como o lugar onde somos caminhos confluentes. Com Tãn Nó, Dos Santos, Cusicanqui e as demais mestras e mestres dos saberes, buscaremos  reavivar a historicidade e a memória de um território para o qual convergiram e foi construído pelas mais diversas sociedades. 

Nessa nossa tarefa, tomaremos a educação como um ponto focal. Aqui ela será um campo de aproximações para se repensar conceitos, extrapolar noções vigentes, dessacralizar discursos e propor a ocupação de espaços e possibilidades para as linguagens artísticas e educacionais que tragam os debates necessários para abrir outros caminhos.  

É nesse sentido que esse projeto quer repensar o próprio território de Sorocaba sob a noção de fronteiras e aberturas, como local propício para o diálogo. Um lugar onde é possível expandir as marcas já latentes da sociabilidade, da solidariedade e que, nessa lógica, são capazes de ressoar, recontar, reconectar e interrelacionar tecnologias, processos educacionais e a produção artística. Queremos nutrir os caminhos que se mantiveram firme nas confluências, nos rezos, nos trânsitos entre as coletividades, na contramão do processo de exclusão e subalternização de cosmovisões, ancestralidades, ritualidades e vivências que não deixam de estar próximas das experiências de outras terras, nacionais e estrangeiras.  

Khadyg Fares, Luciara Ribeiro e Naine Terena

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