Inclusão Produtiva

31/10/2019

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Nascido e criado no Jardim Pantanal, Zona Leste de São Paulo, o engenheiro Matheus Cardoso não pensou duas vezes antes de atuar no bairro de origem. Há pouco mais de três anos, ele criou o Moradigna, um negócio de impacto social na área de habitação. Reconhecido por esse trabalho, o jovem disse: “Empreendedorismo social não existe

só na periferia, mas na periferia ele sempre existiu”. Assim como o Moradigna, iniciativas nas áreas de gastronomia, moda, design, entre outras, vêm brotando em diversas regiões da cidade. Atividades que seguem os preceitos da economia solidária e ganham espaço físico e plataformas digitais.

Para entender esse cenário, a pesquisadora Thais Mascarenhas, colaboradora do Núcleo de Economia Solidária da Universidade de São Paulo (USP), explica a economia solidária como um jeito de produzir ou realizar uma atividade coletivamente, baseado nos princípios da solidariedade, da cooperação e da democracia.

Uma prática que não é tão nova quanto se pensa, a economia solidária existe no mundo há muitos anos. “No Brasil, podemos encontrar na nossa história experiências semelhantes em diversas comunidades indígenas e quilombolas”, exemplifica. Thais também cita um caso mais recente: “Na crise dos anos 1980, com o enorme desemprego, muitos trabalhadores se organizaram para juntos enfrentarem essa situação e criaram o que chamamos de Empreendimentos de Economia Solidária”.

Outra característica que acompanha esse ambiente são os grupos de consumo, iniciativa de consumidores que buscam realizar suas escolhas considerando critérios éticos, políticos, sociais e ambientais. São exemplo grupos que se formam para consumir cestas de hortaliças produzidas sem agrotóxicos por agricultores familiares. “A proposta não é apenas comercializar e os grupos promovem também espaços educativos, de práticas cidadãs e de encontro”, diz a pesquisadora, que também atua no Instituto Kairós, na área de educação para o consumo responsável, e que participará de um bate-papo sobre o assunto no Sesc Campo Limpo, dia 9/11.
 


Alunos da Escola de Jornalismo da ÉNois, turma de 2016. A foto ilustra o primeiro volume de O Prato Firmeza – Guia Gastrônomico das Quebradas de SP

Do local ao global

Hoje a economia solidária está na essência de pequenos empreendimentos como o Moradigna, de Matheus Carvalho, ou o e-Bairro, idealizado pela psicóloga e articuladora cultural Diane Padial e pela jornalista Carla Prates. Inicialmente, o empreendimento surgiu para dar oportunidades a arranjos produtivos locais pela criação de uma Agência de Comunicação. No entanto, entre 2015 e 2016, a proposta se desdobrou em uma plataforma que abrange ações no Jardim São Luís e territórios próximos – Campo Limpo, Capão Redondo e Jardim Ângela, na Zona Sul da cidade.

Em 2018, a plataforma entrou na rede com três pilares: marketplace de produtos e serviços do território com foco na cultura (iniciativas criativas, artistas, artesãos e escritores); agenda cultural; e blog sobre inovações. Atualmente, fazem parte do site 35 realizadores culturais e um total de 280 produtos culturais. “Propomos canais que promovam o fortalecimento de redes e trocas a fim de que a cultura e a economia local possam se desenvolver. Seguimos a premissa de que ‘quando a economia cresce localmente, ela beneficia a sociedade globalmente’”, pondera Carla.

Outro ramo de atuação do e-Bairro, a longo prazo, é criar uma área de mapeamento de projetos culturais no território e uma agência de comunicação para jovens. Além disso, o coletivo – formado ainda por Luciene de Andrade, Gabriel William e Naiara Padial Corso – quer sistematizar a proposta para que ela possa ser replicada para outros bairros periféricos e ganhar escala. Tanto que já houve propostas do litoral paulista, na cidade de Santos, e do Nordeste.

“O mundo do empreendedorismo periférico é um mundo que precisa de muito apoio, precisa de fomento e de ‘fermento’, porque não é fácil dedicar-se à produção em si e, ao mesmo tempo, fazer a administração, a gestão das contas, gerir funcionários, prazos, qualidade etc.”, constata Diane. “Por isso, ideias que fomentem essa prática na periferia são tão importantes. Até porque os negócios periféricos são uma saída já reconhecida para a crise que estamos vivendo.”
 

A comida transforma

Movido por essa visão de atuação local, o chef Edson Leite, morador do Jardim São Luís, Zona Sul de São Paulo, irradia novas possibilidades de aprendizado e de formação na região. Para que isso fosse possível, criou em 2017, com a sócia e terapeuta Adélia Rodrigues, o Gastronomia Periférica, iniciativa cujo foco é a gastronomia como ferramenta de transformação social. O “chef da quebrada” se formou na Europa e voltou ao Brasil para difundir uma visão mais ampla da gastronomia por meio de cursos nas periferias de São Paulo e de outros estados. Ainda neste ano, o Gastronomia chegará às periferias de Salvador e a Minas Gerais.

“O resultado de estar em várias áreas e construir recortes diversos é que a gente constrói uma nova relação ou pelo menos plantamos sementes e fomentamos novas relações da periferia com o alimento. A gente vê as pessoas modificando hábitos de casa, hábitos dentro do trabalho e isso vai fazendo com que elas construam outra relação com o trabalho na área da cozinha”, observa Adélia.

Dessa nova ligação surgem também desafios para os jovens que participam dos cursos do Gastronomia Periférica. “Vejo muita gente fazendo coisas incríveis, mas que não sabe precificar seu trabalho ou o quanto precisa para viver”, destaca a terapeuta.

Mesmo assim, cada passo à frente é uma conquista. “Estamos incentivando as relações em cadeia em termos de laços entre as pessoas. A gente percebe que existe, desde o início do Gastronomia, algumas bandeiras que nossos alunos começaram a levantar, como respeito e coletividade”, complementa. “Percebemos também uma melhoria de autoestima nas pessoas, no gostar de si para fazer as melhores escolhas, no fato de confiarem no poder que elas têm. Um poder revolucionário.”

Esse mesmo olhar positivo para a valorização do trabalho e cultura locais foi constatado por Diane Padial, do e-Bairro. “Sentimos que alguns empreendedores se fortaleceram porque precisavam de algo que pudesse dar esse ‘sopro de incentivo’ para continuarem acreditando que seria possível levar adiante seu negócio”, diz. “Alguns também se perceberam mais fortes no coletivo ao vivenciarem o formato da contribuição em vez da competição.”
 

SIGA O MAPA

CONFIRA ALGUMAS INICIATIVAS QUE APONTAM PARA O

EMPREENDEDORISMO NAS CINCO REGIÕES DE SÃO PAULO:
 

ZONA OESTE

Instituto Chão

No bairro da Vila Madalena, o Instituto Chão é um espaço de convivência e economia solidária para experimentação de novas formas de relação. Associação sem fins lucrativos, o instituto é composto por uma feira, uma mercearia e um café com produtos orgânicos e artesanais. O lugar é financiado coletivamente por quem o frequenta, trabalhando com os princípios da Economia Solidária.

ZONA NORTE

Preto Império

Com sede na Brasilândia, a Preto Império é uma empresa social que busca viabilizar e materializar sonhos da população negra e periférica, combinando geração de renda e retorno socioambiental para as pessoas e para o território. Para isso, sua sede abriga ações em cinco eixos: coworking, coaprendizagem, eventos culturais, espaço terapêutico e restaurante.

ZONA LESTE

Projeto Lerato

Idealizado pela assistente social Raquel Barbosa, o projeto Lerato é voltado para mulheres submetidas a relações abusivas na família e no trabalho. Para isso, Raquel e sua equipe mobilizam e potencializam o protagonismo feminino. A partir do reaproveitamento de resíduos têxteis, nas oficinas do Lerato, as participantes transformam uma calça jeans em outras peças exclusivas, gerando renda para as envolvidas. Dessa forma, o projeto visa capacitar e dar espaço a empreendedoras.

CENTRO

Prato Firmeza

O Prato Firmeza – Guia Gastronômico das Quebradas de SP é o primeiro guia a mapear os melhores restaurantes, bares, lanchonetes e carrinhos de comida das periferias de São Paulo. É fruto de um trabalho de mapeamento jornalístico realizado por alunos de 17 a 21 anos da Escola de Jornalismo da Énois. Com sede no Bom Retiro, a Énois apoia o desenvolvimento de jovens das periferias na produção e reflexão de jornalismo aêmio Jabuti na categoria Gastronomia e está indo para o terceiro volume.

ZONA SUL

Empreende Aí

Criada em 2015, no Jardim São Luís, por Jennifer Rodrigues ae Luis Coelho, a Empreende Aí é uma escola de negócios voltada para a capacitação de novos nanos, micros e pequenos empreendedores(as) de territórios populares, comunidades e favelas. A formação tem como pilar o curso Despertando o Empreendedor (presencial e online), cuja metodologia foi desenvolvida pelo Empreende Aí. Já são 250 negócios impactados.

Conhecimento compartilhado

PALESTRAS, OFICINAS E OUTRAS ATIVIDADES

FOMENTAM A PROSPERIDADE COMUNITÁRIA

Presente no Sesc desde sua criação, a área de Valorização Social atua no campo da educação, visando à inclusão de pessoas e grupos a partir da descoberta e aprimoramento de capacidades. Para isso, fomentam-se alternativas de inserção no universo do trabalho, orientadas por relações sociais mais justas. Com esse objetivo, de 8 a 17 de novembro, o Sesc realiza uma ação em rede com o projeto Nós – Criação, Trabalho e Cidadania.

Na programação, palestras, conversas, oficinas e outras atividades buscam visibilizar projetos, pesquisas e experiências com foco na inclusão produtiva. A ideia é mostrar a potência do trabalho coletivo e fortalecer atividades sociais voltadas à inclusão produtiva, geração de renda e desenvolvimento comunitário.

“A curadoria do projeto foi realizada pelos técnicos e técnicas das Unidades Operacionais do Sesc São Paulo em conjunto com a equipe da Gerência de Educação para a Sustentabilidade e Cidadania (GESC), reforçando o conceito de trabalho coletivo (Nós). O ponto de partida foi a leitura do território e a aproximação com as diversas iniciativas sociais, convidadas a fazer parte da programação para apresentar experiências e compartilhar conhecimentos”, explica Midiã Claudio Silva, assistente da GESC.

A abertura do Nós será em 8 de novembro, no Sesc Campo Limpo, com uma fala sobre Economia Criativa e Desenvolvimento Social realizada por Cláudia Leitão, doutora em Sociologia pela Universidade Sorbonne (Paris, França) e professora da Universidade Estadual do Ceará. Confira outros destaques da programação:

CENTRO DE PESQUISA E FORMAÇÃO

Práticas do Comum e do Cuidado

Neste encontro, a importância do cuidado é apresentada por meio de projetos no campo social que produzem interface entre as artes, a saúde e a acessibilidade com a geração de renda, temas que serão debatidos a partir da apresentação de três ações: a Feira de Culturas do Cuidado; a Feira de Saúde Mental e Economia Solidária; e o Coletivo Tem Sentimento. (Dia 12/11)
 

FLORÊNCIO DE ABREU

Florêncio em Ebulição: Potencializando Grupos Produtivos

Nesta imersão de grupos produtivos de impacto social positivo localizados na região do Sesc Florêncio de Abreu haverá palestras, oficinas e discussões sobre temas relacionados ao empreendedorismo. O objetivo é potencializar iniciativas e dar início à formação de uma rede de economia solidária. (De 11 a 14/11)
 

GUARULHOS

Olhar e Comunidade: Um Panorama sobre a Mobilização Comunitária em Guarulhos

Um bate-papo sobre a experiência com mobilização comunitária e desenvolvimento local nos 17 anos de atuação da Ecoficina em Guarulhos. A Ecoficina é uma Oscip fundada em 2002 e já atendeu cerca de 80 mil pessoas, entre crianças, jovens e adultos, em atividades de educação ambiental, oficinas lúdicas pedagógicas, capacitação profissional e desenvolvimento sustentável. (Dia 14/11)
 

POMPEIA

Bordado: Fauna e Flora Brasileira

Neste curso com as bordadeiras do Jardim Conceição, os participantes vão aprender os principais pontos de bordado para a construção dos símbolos marcantes de sua identidade. Inspiradas na fauna e flora brasileira, as bordadeiras de Osasco criam suas peças com mini pássaros, flores e folhas bordadas, cheios de sofisticação e simplicidade. (Dias 15 e 16/11)
 

24 DE MAIO

Tem Passagem? A Marca de Quem Sobreviveu ao Sistema Prisional

Roda de conversa com mulheres da Cooperativa Libertas, que passaram pelo sistema prisional e vão compartilhar dificuldades e perspectivas. Essa cooperativa é um projeto que nasceu no presídio feminino do Butantã para atender às necessidades de acolhimento e busca de autonomia financeira de egressas prisionais. (Dia 13/11)
 

ITAQUERA

Desconstrução, Costura e Transformação

O público terá a oportunidade de conhecer o trabalho do Projeto Lerato, grupo de mulheres do Jardim XV de Novembro, situado na Zona Leste de São Paulo, que atua em prol de mulheres em situação de vulnerabilidade social tendo como ferramenta a costura e a criatividade no reaproveitamento de resíduos têxteis. (Dia 16/11)

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Este artigo foi originalmente publicado na edição Nº 277 de novembro de 2019 da Revista E

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