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Importar pneus ou problemas?

Brasil enfrenta europeus e tenta barrar entrada de pneumáticos reformados

MAURÍCIO MONTEIRO FILHO


Manifestação do Fboms / Foto: Esther Neuhaus/Fboms

Em 12 de junho deste ano, um capítulo importante na polêmica sobre a importação pelo Brasil de pneus europeus reformados foi escrito pela Organização Mundial do Comércio (OMC). No relatório final de um painel iniciado em 20 de janeiro de 2006, a pedido da União Européia (UE), a instituição reconheceu o direito brasileiro de barrar a recepção desses bens por se tratar de uma grave ameaça à saúde pública e ao meio ambiente. Como, ainda em 2006, começou a vigorar a proibição de que pneus velhos sejam depositados em aterros nos países da UE, torna-se óbvio o interesse europeu na questão.

O principal argumento do bloco é o fato de que, em 2002, uma decisão do Tribunal Arbitral do Mercosul concedeu ao Uruguai o direito de exportar pneus remoldados ao Brasil. Hoje, o entendimento beneficia também o Paraguai. Somados, os volumes enviados a cada ano pelos dois países ao mercado brasileiro totalizam por volta de 164 mil unidades, número insignificante se comparado à quantidade de pneus usados que os europeus têm que destinar no mesmo período – cerca de 300 milhões.

Alegando, apesar disso, ser injusta a diferenciação entre pneus remoldados provenientes do Mercosul e da União Européia, esta apresentou recurso à OMC no início de agosto. Dessa forma, em 3 de setembro as discussões devem ser retomadas.

Esse, no entanto, é apenas o panorama internacional da disputa, uma vez que, internamente, o desacordo é tanto entre os segmentos envolvidos que não há sequer consenso sobre a decisão da OMC – se significa uma vitória ou uma derrota para o país.

De um lado, estão os fabricantes de pneus novos, segmentos da sociedade civil e o Itamaraty, que defendem a proibição. De outro, um setor da indústria que, à primeira vista, defende com unhas e dentes a manutenção das importações de pneus reformados e que considera barrar os resíduos europeus uma agressão ao mercado brasileiro.

Reformado ou usado?

Entre os ruidosos discursos que polarizam a discussão, a mídia tem se mostrado mais um fator de discórdia. Nas notícias relacionadas ao contencioso entre Brasil e UE sobre a importação de pneus reformados, são raros os textos que compreendem corretamente no que consiste essa disputa. Grande parte das matérias fala na importação de pneus usados. Não é a mesma coisa.

Por meio da portaria 8 de 1991, do então Departamento de Comércio Exterior do Ministério da Economia, Fazenda e Planejamento, a compra de bens usados pelo Brasil foi proibida – incluindo, portanto, a de pneus. Essa restrição não foi questionada em momento algum pelos europeus, na OMC.

O que está em discussão, assim, é apenas a importação dos chamados pneus reformados, que podem chegar ao país em três condições, segundo o grau de conservação: remoldados (os de melhor estado), recauchutados e recapados. Em comum, há o fato de que todos terão um tempo de vida muito menor que um pneu novo. Com isso, a curto prazo se tornarão inservíveis e passarão a ser um problema espinhoso com o qual os órgãos ambientais nacionais terão de lidar. "Importar pneus reformados, por seu ciclo de uso mais curto, é o mesmo que comprar passivo ambiental", declara Flavio Marega, coordenador-geral de contenciosos do Ministério das Relações Exteriores (MRE).

Marega foi o responsável pela elaboração da defesa brasileira no contencioso DS 332, referente a essa questão na OMC. Ele é taxativo quanto à posição adotada pelo Itamaraty na disputa: "A reforma é saudável, desde que feita com pneus nacionais".

Afinal, no Brasil, o problema já é da ordem de 40 milhões de unidades a cada ano. Se o país passar a absorver pneus de outros lugares do mundo, multiplicará um passivo com o qual já tem dificuldade de lidar. Por tudo isso, Marega considerou o Brasil "amplamente bem-sucedido" em relação à decisão da OMC. "Conseguimos comprovar que essa prática causa danos ao meio ambiente e à saúde pública, e o painel reconheceu a necessidade da proibição", relata. Por essa razão, a delegação brasileira acredita também em nova vitória contra o recurso apresentado pela UE.

Argumentos

A defesa brasileira perante a OMC reuniu 4,5 mil páginas de documentos, evocando desde entendimentos sobre comércio exterior e direito internacional até os efeitos prejudiciais da acumulação de pneus para o país. Do ponto de vista jurídico, a argüição do Brasil foi bastante ousada. O eixo principal da posição brasileira foi a menção ao artigo 20b, do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (Gatt, na sigla em inglês) de 1994, que permite o estabelecimento de barreiras alfandegárias com vistas à adoção de "medidas necessárias à proteção da vida humana, animal ou vegetal, ou à saúde".

Essa foi a primeira vez que um país em desenvolvimento evocou esse artigo no templo máximo do livre-comércio, a OMC. E isso significou correr um grande risco, uma vez que, nos cerca de 370 contenciosos já arbitrados pela instituição, o artigo 20b foi utilizado somente em cinco casos, obtendo sucesso apenas uma vez.

Para Marega, a importância da disputa transcende a questão específica dos pneus reformados. "Se perdêssemos, grandes exportadores de material usado em geral, como EUA, Japão e UE, poderiam contestar proibições equivalentes de outras nações, como Argentina, México e alguns países asiáticos", afirma. Assim, elas poderiam ser obrigadas a receber televisores, computadores, celulares, pilhas e baterias usados, todos de difícil destinação.

O que levou a OMC a flexibilizar seus princípios de livre-comércio no caso do Brasil versus UE foi, entretanto, o iminente dano à saúde pública e ao meio ambiente. A defesa brasileira lembrou que, ao se tornar inservíveis, os pneus funcionam como perfeitas incubadoras de larvas de mosquitos, como os da dengue, febre amarela e malária. E constatou, ainda, uma possível associação entre o crescimento da importação de pneus reformados e o aumento no número de casos de dengue, na década de 1990. Segundo os documentos apresentados pelo Itamaraty, em 1992, 5.862 toneladas de pneus desse tipo entraram no país, que na época teve 1.658 registros da doença. Até 1998, as importações cresceram seis vezes, e o número de pessoas com dengue chegou a mais de 528 mil.

O risco de incêndio é outra ameaça decorrente do acúmulo indevido de pneus, cuja queima gera substâncias altamente tóxicas. Cada pneu consumido pelo fogo libera cerca de 7,5 litros do chamado "óleo pirolítico", rico em metais pesados e hidrocarbonetos aromáticos policíclicos (PAHs, na sigla em inglês), ambos severamente danosos à saúde humana.

As cinzas e a fumaça provenientes desses incêndios são igualmente nocivas. Para se ter uma idéia, os resíduos da queima de pneus chegam a ser 13 mil vezes mais mutagênicos que os da incineração de carvão, quando realizada em condições seguras.

Além disso, esse tipo de incêndio é muito difícil de ser debelado. Há relatos de casos no Reino Unido e nos EUA que levaram anos para ser extintos, gerando custos altíssimos de limpeza. A ameaça já tem afetado também o Brasil. Desde 2000, foram registrados 338 focos desse gênero no estado de Minas Gerais. Só em 2005, o Paraná teve 63 ocorrências.

O problema se agrava devido ao fato de não haver formas seguras e ambientalmente corretas de armazenamento de pneus velhos. Em território brasileiro, uma forma comum de destinação dos pneus considerados inservíveis é a queima em fornos de cimenteiras. Nesse caso, a borracha entra como substituto do carvão, por apresentar um poder calorífico bem maior. Esse processo é um pouco menos agressivo ao meio ambiente do que a queima a céu aberto, mas ainda assim gera emissões poluentes. Um estudo feito pela Universidade da Califórnia em quatro fornos de cimenteiras que utilizavam pneus como combustível revelou dados alarmantes. Nos testes realizados, houve aumento de mais de 2.000% na emissão de PAHs, 475% na de chumbo e 727% na de cromo, todos altamente tóxicos.

Adequação parcial

O relatório final da OMC mostrou, no entanto, que o Brasil não está totalmente de acordo "com as obrigações que assumiu sob o sistema multilateral de comércio". Isso porque, apesar da proibição taxativa da entrada de pneus usados no país, importadores conseguem trazê-los por meio de liminares judiciais. Essa prática incentiva uma série de atividades ilegais, como a venda dos chamados pneus meia-vida, que são comercializados exatamente como entram no país, sem nenhuma forma de restauração, o que é proibido pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

Além disso, aos olhos da Organização Mundial do Comércio, como o país pretende proibir a entrada de reformados, seria contrário às regras do livre mercado trazer usados para ser remoldados em solo brasileiro.

Esse é também um dos pontos levantados pela UE em seu novo recurso. Para atender completamente às exigências internacionais, portanto, o Brasil precisa extinguir de uma vez por todas o ingresso de pneus usados.

Para resolver a questão, o Itamaraty já realizou encontros com a Advocacia-Geral da União para elaborar uma estratégia que casse essas liminares. Essa força-tarefa apresentou, em setembro de 2006, uma ação chamada argüição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) ao Supremo Tribunal Federal (STF). Se deferida, a medida impõe que não sejam mais concedidas liminares desse tipo.

Para Marega, só dessa maneira o Brasil poderá ganhar definitivamente o contencioso na OMC. Mas isso significará, também, confrontar um mercado bastante expressivo. Entre 1990 e 2004, entraram no Brasil, entre pneus usados e reformados, mais de 34 milhões de unidades, de acordo com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.

Dados mais recentes da Associação Nacional da Indústria de Pneumáticos (Anip) dão conta de que, só em 2005, 10,5 milhões de pneus chegaram ao país. Se enfileirados, eles cobririam uma distância maior que a do Oiapoque ao Chuí. No ano seguinte, foram 7,5 milhões. E a projeção para 2007 é de cerca de 5 milhões.

Esse quadro se torna sombrio se tomarmos como base o índice divulgado pelo Ministério do Meio Ambiente, segundo o qual de cada dez pneus que chegam ao país três são completamente inutilizáveis.

Vitória ou derrota?

O parecer da OMC também foi entendido como uma vitória brasileira pela Anip, que representa as empresas fabricantes de pneus novos. "A decisão vem coroar um trabalho muito bem-feito de defesa dos interesses brasileiros", diz Vilien Soares, diretor-geral da entidade.

Outro setor que vibrou com o relatório final do contencioso foi o dos movimentos da sociedade civil contrários às importações. Esther Neuhaus, gerente-executiva do Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (Fboms), conta que a oposição de sua entidade a essa prática comercial se baseia nas agressões que ela causa ao meio ambiente e à saúde pública, mas que também parte de um repúdio à força que a OMC demonstra perante outras instâncias supranacionais, como a própria Organização das Nações Unidas (ONU). Ou seja, caso a OMC se pronunciasse favoravelmente à UE, estaria passando por cima de convenções ambientais multilaterais, como as de Estocolmo, que trata dos chamados poluentes orgânicos persistentes (POPs) – caso dos PAHs –, e de Roterdã, sobre o transporte de substâncias químicas perigosas.

Por isso, em conjunto com outros movimentos, o Fboms acompanhou de perto as discussões do contencioso. A entidade chegou até a fazer um protesto em frente à sede da OMC, em Genebra, num dos encontros do painel. Além de ter convocado manifestações no Congresso Nacional sobre o tema, o Fboms vem exercendo pressão na Câmara dos Deputados e no Senado Federal para que projetos de lei que favoreçam as importações de pneus reformados não sejam aprovados.

"Realizamos também uma ação na internet, junto com outras redes de movimentos, pedindo que os parlamentares cancelem a entrada desses resíduos", diz Esther. Ela concorda, no entanto, com a visão do Itamaraty, segundo o qual ainda há muito a fazer. "Tivemos uma vitória na OMC, mas a batalha continua", acrescenta.

O comércio varejista de pneus foi outro setor que recebeu com satisfação a decisão do contencioso. Márcio Olívio Fernandes da Costa, presidente da Associação Brasileira dos Revendedores de Pneus (Abrapneus), conta que há mais de 15 anos participa da vanguarda contra a importação de pneus usados ou remoldados. Segundo ele, que é também vice-presidente da Federação do Comércio do Estado de São Paulo (Fecomercio), a própria distinção entre esses dois tipos de pneus é indevida. "Para nós, remoldado é usado", afirma. E sustenta que, por mais que seja favorável à remoldagem no Brasil, é uma temeridade utilizar pneus remanufaturados a partir de carcaças vindas de fora, já que seu estado de conservação é desconhecido. Márcio Olívio explica que o mercado nacional perde muito com a entrada desse material, que acaba exercendo concorrência desleal com os produtos brasileiros. "Apesar de a frota de veículos do Brasil continuar aumentando, estamos faturando muito menos", conclui.

Enquanto o relatório provocou satisfação em Soares, da Anip, Esther, do Fboms, e os segmentos por eles representados, causa discursos inflamados – e bastante contrariados – por parte de Francisco Simeão, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Pneus Remoldados (Abip) e da BS Colway, grande empresa paranaense do setor de remoldagem.

Sua opinião sobre o contencioso é categórica: "Muito se mentiu nessa disputa", dispara ele. Defensor ferrenho da importação de pneus usados – não reformados –, Simeão justifica sua postura rejeitando os números. "Dizer que no Brasil há por ano 40 milhões de pneus disponíveis para reforma é uma mentira deslavada. Não existe essa matéria-prima no país", dispara.

Guerra pessoal

Para fazer valer seus interesses, Simeão vem empreendendo uma verdadeira guerra. Segundo ele, a Anip representa empresas multinacionais que querem acabar com a indústria brasileira. Por isso, tem cerrado fileiras contra a associação.

Em 1999, foi elaborada a resolução 258 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). Em linhas gerais, a medida exige que as empresas fabricantes ou importadoras coletem e destinem adequadamente pneus velhos. Essa obrigação é proporcional ao número de novas unidades que elas colocassem no mercado. Assim, desde 2005, para cada quatro novos pneus, as empresas têm de dispor adequadamente de cinco inservíveis.

O atendimento dessa condição dá às empresas o direito de receber um certificado do Ibama. No caso das importadoras, esse documento é necessário para que a Secretaria de Comércio Exterior (Secex) libere o ingresso de novas unidades.

Através da Abip, em 2005, Simeão entrou com uma representação criminal contra as fabricantes Goodyear, Pirelli e Bridgestone-Firestone, associadas da Anip, acusando-as de não ter cumprido as exigências da resolução 258/99 e incluindo o Ibama como co-responsável. "O órgão correu e multou as empresas, que já tinham deixado de coletar 70 milhões de pneus", declara Simeão.

A Anip se defende dizendo que, na época da criação da 258/99, não havia estudos conclusivos sobre a quantidade de pneus inservíveis gerada anualmente no Brasil. Por isso, um ano e meio depois da publicação da resolução, a entidade se deu conta de que não encontraria pneus usados em número suficiente. Atualmente, a Anip consegue cumprir apenas de 30% a 35% do que foi imposto pela 258/99. Mas, segundo Soares, recorreu da multa, por acreditar que não atingiu uma meta criada sem fundamento técnico.

De toda forma, ainda em 1999, a associação implantou o Programa Nacional de Coleta e Destinação de Pneus Inservíveis. Desde essa data, a Anip afirma ter destinado corretamente 137 milhões de pneus. Também investiu na ampliação dos chamados ecopontos – locais de coleta –, que hoje chegam a 220 em todo o país. E, em março, criou a Reciclanip, entidade voltada exclusivamente para a coleta e destinação de pneus inservíveis.

A batalha de Simeão, no entanto, não se encerra aí. Ele também é radicalmente contra a ADPF proposta pelo Executivo a pedido do MRE. "Vamos vencer no STF. Essa ação não vai ter desenlace tão fácil quanto eles pensam", prevê. O fervor de Simeão na defesa de sua causa é justificado por interesses econômicos, segundo Soares, da Anip. "A lucratividade das importações é muito grande, por isso a Abip quer que elas continuem", explica.

Em números, esse lucro se confirma. Enquanto uma carcaça importada de pneu chega ao Brasil por US$ 1, o custo para coletar uma nacional, variando de local para local, pode oscilar entre R$ 18 e R$ 25.

O próprio Simeão concorda que seu argumento está baseado na rentabilidade. "Confesso que, do ponto de vista comercial, gostaria que a importação de reformados fosse proibida. Ficaria mais fácil minha vida", declara.

Marega, do MRE, percebe claramente esse objetivo na postura de Simeão. "A Abip está criando polêmica para formar uma cortina de fumaça. Sua vontade é continuar importando usados, na esperança de que se proíba mesmo a entrada dos reformados."

É essa a sinalização que Simeão dá ao dizer que não há matéria-prima em quantidade e qualidade suficientes no país e quando defende a derrota da ADPF. "Rejeição contra pneu usado é puro preconceito. Já dizem que é lixo, sem nem analisar", afirma o presidente da Abip.

Em nome da bandeira de liberação da compra de usados, Simeão tem inclusive ameaçado encerrar as atividades de sua empresa no Brasil e transferi-la para o Paraguai, que já teria oficializado o convite para que a companhia se estabeleça ali.

Márcio Olívio, da Abrapneus, desmente que a motivação da mudança de Simeão seja a proibição da importação de usados. De acordo com ele, a desvalorização do dólar facilitou a entrada de pneus asiáticos novos de baixo custo. "Esses produtos vieram concorrer diretamente com os remoldados produzidos por Simeão", explica. Por isso, o mercado de remanufaturados como um todo sofreu prejuízos.

Como forte opositor dessa visão puramente material do presidente da Abip, Marega considera que o interesse primordial é o da nação. "O que é mais importante: a vantagem empresarial ou a de todo o país?"

E Soares, da Anip, endossa: "O pneu que chega, com baixo preço, gerou recursos e empregos lá fora e vem concorrer com os novos nacionais, que deixam de ser comprados, o que é ruim para o mercado brasileiro".

Novas matérias-primas

Enquanto toda a polêmica sobre a importação de pneus reformados não tem uma solução definitiva, cresce no país a indústria da reciclagem.

Na realidade, o próprio diretor executivo da Associação Nacional das Empresas de Reciclagem de Pneus e Artefatos de Borrachas (Arebop), José Carlos Arnaldi, discorda do termo "reciclagem" para sua atividade. "Reciclar seria fazer voltar a ser o mesmo que novo", explica. O que as associadas da Arebop fazem é gerar uma série de novas matérias-primas a partir de pneus inservíveis. Entre elas, borracha triturada ou em pó, aço e nylon. Com isso, resolvem uma parte do problema da destinação.

Constituída em 2006, a associação tem 12 filiadas, entre empresas dos estados de São Paulo, Minas Gerais, Paraná e até Amazonas. Ao todo, a capacidade de destinação de inservíveis pelas associadas gira em torno de 280 mil toneladas. A Arebop estima que, entre 2000 e 2006, R$ 45 milhões tenham sido investidos no setor.

Arnaldi conta que esse mercado começou a se formar na década de 1990, com a mudança de perfil dos pneus utilizados no país. Até os anos 1980, cerca de três quartos eram convencionais. O restante era do tipo radial – que leva aço em sua composição. Na década seguinte, esse panorama se inverteu, e os pneus convencionais começaram a ser deixados de lado.

"Nessa época, nossa atividade era muito marginalizada. O setor precisava de organização", relembra. Um fator que trouxe essa unidade foi a resolução 258/99. "A medida fez com que tivéssemos de nos adequar", diz Arnaldi. A partir daí, ocorreu um boom para as recicladoras, que passaram a ser acionadas pelas grandes empresas do setor para lidar com os pneus coletados. Ainda assim, Arnaldi vê muitos obstáculos à reciclagem e à destinação adequada de pneus no Brasil. "Precisamos convencer o Ibama de que geramos matéria-prima e não mais resíduo", declara.

Outro entrave é o excesso de tributos que incide sobre os pneus, mesmo depois de considerados inservíveis. Alguns estados chegam a cobrar pelo transporte desses resíduos.

Com todos os encargos, no trajeto entre coleta, trituração e transporte para a queima nas cimenteiras, por exemplo, o preço por tonelada varia entre R$ 220 e R$ 270, valor bastante alto. Por isso, a Arebop anuncia para breve a publicação de um pacote de propostas para normatizar o setor e, principalmente, desestimular a informalidade.

Para Sílvio Zambello, diretor-gerente comercial da Utep, uma dessas recicladoras, a resolução significou uma mudança radical de ramo. Ele tinha uma importadora de pneus, mas, por volta de 1997, o dólar alto estava inviabilizando seus negócios. Com a medida do Conama, viu surgir a oportunidade de investir em reciclagem e, em 2003, abriu uma unidade de trituração de pneus. E está bastante satisfeito: "A reciclagem é mais vantajosa, por ser menos vulnerável às oscilações do câmbio", justifica.

Uma parceria entre a Utep e a Anip transformou a fábrica de Zambello em um ecoponto, o que aumentou em 600 toneladas a carga de pneus que chega à unidade por mês. Ele ainda tem acordos com prefeituras do vale do Paraíba, Guarulhos e Taboão da Serra, que também enviam inservíveis.

Assim, na Utep, a partir dos cerca de 160 mil pneus processados por mês, são fabricados tapetes, mantas para utilização em pisos, bancos e tijolos. Todos eles usam grânulos de borracha obtidos na trituração dos inservíveis.

Zambello se considera hoje um apaixonado pelo negócio e defende a inclusão da educação ambiental nas escolas, nas quais ele pretende ver seus bancos ecológicos num futuro próximo. "O meio ambiente é nossa garantia de subsistência no futuro", afirma.

E talvez essa consciência seja a única capaz de lidar com os cerca de 1 bilhão de pneus que a cada ano são descartados no mundo e que levarão pelo menos um século cada um para se decompor. 

 

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