CRIANÇA E NATUREZA | Artigos de Jaime Zaplatosch Ehrenberg e Carla Roxo abordam esta relação

29/09/2023

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Todos temos direito a um ambiente ecologicamente equilibrado, sendo responsabilidade do poder público e da coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações, como prevê o artigo 225 da Constituição Federal Brasileira. No entanto, quanto maior a concentração populacional nas cidades – a estimativa da ONU (Organização das Nações Unidas) é de que, até 2050, quase 70% da população mundial seja urbana –, mais precisamos reivindicar esse direito fundamental, principalmente, às infâncias. 

Tendo em vista esse contexto, cresce, no cenário internacional, o número de iniciativas que buscam a criação de mais áreas verdes nas metrópoles, em especial, nos ambientes escolares. Líder de inovação, parcerias e captação de recursos da Children & Nature Network, a pesquisadora estadunidense Jaime Zaplatosch Ehrenberg explica que a prática de agregar e desenvolver áreas verdes nos terrenos escolares é capaz de “melhorar o bem-estar, a aprendizagem e a diversão das crianças, ao mesmo tempo em que contribui para o envolvimento da comunidade e para a resiliência climática” nas cidades. Evidências científicas ainda mostram, de acordo com Ehrenberg, “que áreas verdes em escolas melhoram a saúde física e mental, as habilidades sociais e cognitivas, a criatividade e o desempenho acadêmico dos estudantes”.

No Estado de São Paulo, um exemplo de iniciativa com esse objetivo é o Programa Ribeirão -3 Graus que, em parceria com a Secretaria Municipal de Educação de Ribeirão Preto, almeja tornar a área urbana 30% verde até 2030. Cofundadora e gestora deste programa, a arquiteta e urbanista Carla Roxo acredita que “se desejamos um futuro urbano resiliente e sustentável, precisamos repensar os espaços educativos e trazer a natureza de volta para a rotina das crianças”. Especialista em desenvolvimento urbano sustentável, Roxo conclui: “afinal, se a cidade não oferece esse contato, por que não começar pelos locais onde elas passam a maior parte do dia?”.

Ambas as especialistas participaram da 23ª edição da Conferência Internacional – Espaços Naturalizados para as Infâncias, realizada em setembro deste ano, pela primeira vez na América Latina, no Sesc Vila Mariana, na cidade de São Paulo. Parceria entre a Aliança Internacional de Espaços Escolares (International School Grounds Alliance – Isga), o programa Criança e Natureza, do Instituto Alana, e o Sesc, o encontro reuniu profissionais de diferentes campos – educação, arquitetura, saúde e artes – que acreditam que a natureza colabora na promoção de saúde física, mental e bem-estar de todos. Neste Em Pauta, leia os artigos de Jaime Zaplatosch Ehrenberg e Carla Roxo publicados para o evento.

Meta global

Por Jaime Zaplatosch Ehrenberg
Tradução Lucas Neves

Nós imaginamos um mundo onde cada criança, especialmente as mais vulneráveis, conecte-se de forma significativa com a natureza todos os dias. Isso acontece em um momento em que todo o mundo vê, cada vez mais, o crescimento dos espaços verdes nas escolas como uma abordagem estratégica, econômica e ponderada para aumentar a resiliência climática e melhorar os resultados de saúde e educação, especialmente para aqueles mais afetados por sistemas de desigualdade e injustiças ambientais.

Evidências científicas sugerem que transformar as escolas em ambientes ricos em natureza é um caminho poderoso para alcançar múltiplos benefícios. Os dados mostram que as áreas verdes em escolas melhoram a saúde física e mental, as habilidades sociais e cognitivas, a criatividade e o desempenho acadêmico dos alunos. Elas também contribuem com benefícios ambientais, como maior biodiversidade, redução do calor em locais de clima quente, economia de água e redução do uso de energia. Podem até atuar na retenção de carbono e ajudar a mitigar as mudanças climáticas.

O projeto Áreas Verdes em Escolas e Aprendizado ao Ar Livre reuniu centenas de organizações comprometidas com um mundo onde as escolas verdes são a norma, onde as crianças são educadas na natureza e para ela, onde as escolas se tornam centros ambientais para a comunidade. A implantação de áreas de natureza nas escolas é definida como a prática de agregar e desenvolver áreas verdes nos terrenos escolares para melhorar o bem-estar, a aprendizagem e a diversão das crianças, ao mesmo tempo em que contribui para o envolvimento da comunidade e a resiliência climática.

Embora a natureza e o escopo dos recursos em cada espaço variem significativamente entre as regiões geográficas, o contato direto das crianças com a natureza é um importante fator unificador. A Rede Play, Learn and Teach (PLaTO-Net) [na língua portuguesa, Brinque, Aprenda e Ensine] define a aprendizagem ao ar livre como qualquer aprendizado que ocorra nesse tipo de espaço. Seja por meio de várias atividades de lazer, recreativas, educacionais, ocupacionais e de melhoria da saúde em ambientes externos naturais ou construídos.

Abordagens e resultados

Desde novembro de 2021, com o apoio financeiro da Robert Wood Johnson Foundation, Children & Nature Network, em parceria com o Salzburg Global Seminar, International School Grounds Alliance, International Union for Conservation of Nature, #NatureForAll e a National League of Cities, Institute for Youth, Education and Families, foi realizada uma avaliação global abrangente sobre o status das áreas verdes nos terrenos escolares e da aprendizagem ao ar livre. O processo identificou e disseminou abordagens bem-sucedidas em todo o mundo para influenciar e nos ajudar, como sociedade, a fazer progressos significativos na abordagem de problemas complexos e inter-relacionados, e lidar com desafios como infraestrutura escolar, bem-estar dos estudantes, perda de biodiversidade e mudança climática.

Os resultados incluem a Declaração de Salzburg, a Agenda de Ação Global, estudos de caso em todo o mundo e um grupo cada vez maior de parceiros para desenvolver e ampliar a implementação e uso desta intervenção. Desde o início do projeto, outros parceiros se juntaram às ações estruturantes do movimento: Unesco, Learning through Landscapes, Learning Planet Alliance e o Instituto Alana.

Para atender aos nossos objetivos, lançamos uma pesquisa online sobre a situação atual, a fim de compreender o estado e a escala das áreas verdes nas escolas e da aprendizagem ao ar livre em todo o mundo – incluindo equidade, políticas e alavancas de sustentabilidade. Desde novembro de 2021, recebemos 300 respostas de organizações de diferentes países. Antes desta avaliação global, não havia um entendimento completo do alcance dos terrenos escolares verdes e da aprendizagem ao ar livre. Pela primeira vez, existe um mapa para mostrar onde eles existem e onde há lacunas.

A coorte [grupo de pessoas], composta por 60 representantes globais dos respondentes da pesquisa, reuniu-se ao longo de 2022 para compartilhar experiências, pesquisas e práticas recomendadas, além de estabelecer as bases para uma agenda global de aprendizado ecológico e ao ar livre. Essa coorte escreveu a Declaração de Salzburg sobre Áreas Verdes em Escolas e o posicionamento sobre a importância da aprendizagem ao ar livre para demonstrar a necessidade dessas intervenções. Também categorizou os benefícios de acordo com suas perspectivas únicas em escala, equidade e sustentabilidade.

Os parceiros do programa trabalharam juntos para identificar, documentar e traduzir o impacto de 13 estudos de caso destacando cada um desses benefícios, para inspirar distritos escolares e cidades nos Estados Unidos e no exterior, demonstrando a simplicidade e a eficácia de tornar as áreas escolares mais verdes e o aprendizado ao ar livre. Estamos muito orgulhosos dos 13 estudos de caso que representam diversas geografias e abordagens para integrar o verde e a aprendizagem ao ar livre às áreas escolares.

O projeto Florescer do Movimento, que está na Fase III, fortalecerá e expandirá, até 2025, o movimento internacional emergente pelo espaço escolar verde e o aprendizado ao ar livre, usando os novos recursos desenvolvidos na Fase II. O trabalho se concentrará na criação de ambientes propícios, ao mesmo tempo em que vai encorajar um movimento de baixo para cima, amplamente impulsionado por educadores e escolas. O Comitê Diretor orientará este trabalho com um pequeno secretariado. Estamos estruturando a Fase III com três áreas prioritárias inter-relacionadas: a Construção de Parcerias, o Desenvolvimento de Capacidades e a Atuação Onipresente.

Movimentos precisam de incentivo e cuidado, bem como de uma combinação de comunicações estratégicas, reuniões virtuais e presenciais, defesa de políticas, treinamento customizado e compartilhamento de programas. Juntas, essas atividades e outras ajudam a inspirar, engajar e apoiar o crescimento das escolas verdes. As abordagens estão enraizadas na escuta, no aprendizado e na abertura para colaborações. Isso exige a construção de relacionamentos e senso de comunidade.

  • Jaime Zaplatosch Ehrenberg é líder de inovação, parcerias e captação de recursos da Children & Nature  Network e co-coordenadora do comitê de liderança sobre Espaços Escolares Naturalizados e Educação ao Ar Livre.

Escolas mais verdes

Por Carla Roxo

A cidade de Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, assim como inúmeras outras cidades pelo Brasil e pelo mundo, já enfrenta os impactos das mudanças climáticas. As ilhas de calor estão mais intensas, os alagamentos se tornaram rotineiros, os índices de qualidade do ar atingem níveis alarmantes e os períodos de estiagem estão se prolongando. Nesse cenário, observamos os efeitos dos ventos, de terra e fogo.

O Relatório Mundial das Cidades, lançado pelo Programa das Nações Unidas para Assentamentos Humanos (ONU-Habitat), aponta que o futuro da humanidade é “inegavelmente urbano” e estima que, até 2050, 68% da população mundial será urbana. Considerando essa previsão de crescimento e o atual padrão de urbanização caracterizado pelo concreto e pelo uso excessivo de automóveis, como ficará a saúde física e mental da população, especialmente das crianças inseridas nesse cenário insustentável?

Hoje são amplamente conhecidos na comunidade acadêmica os inúmeros impactos do ambiente urbano “desértico” na saúde pública. Sabe-se, por exemplo, que níveis mais altos de poluição do ar prejudicam a inteligência e o desenvolvimento infantil. Um estudo realizado pela Universidade de Hasselt, na Bélgica, indica que crianças que crescem em áreas mais verdes apresentam QI mais alto. O professor de epidemiologia ambiental da universidade, Tim Nawrot, destacou para o jornal The Guardian que “há cada vez mais evidências de que os ambientes verdes estão associados à nossa função cognitiva, como habilidades de memória e atenção”.

Resiliência climática

As cidades e seus habitantes estão adoecendo à medida em que os extremos climáticos se intensificam. No entanto, existem soluções urbanas e caminhos para a resiliência climática. Podemos reverter essa paisagem árida por meio do “verdejamento” das cidades, e as escolas desempenham um papel fundamental nessa transformação – a revolução verde. As escolas são espaços públicos educativos onde plantamos as sementes do futuro.

No entanto, esses locais acompanharam a lógica de desenvolvimento urbano cinza, com muros altos, áreas pavimentadas e jardins limitados. Isso significa que as sementes não estão germinando em seu potencial máximo, pois falta terra e sombra para seu crescimento adequado. Portanto, se desejamos um futuro urbano resiliente e sustentável, precisamos repensar os espaços educativos e trazer a natureza de volta para a rotina das crianças. Afinal, se a cidade não oferece esse contato, por que não começar pelos locais onde elas passam a maior parte do dia?

Foi assim que surgiu, em Ribeirão Preto, o projeto Verdejamento das Escolas, resultado de uma parceria entre o Programa Ribeirão -3 Graus e a Secretaria Municipal de Educação. O programa tem como objetivo tornar a área urbana 30% verde até 2030, visando melhorar a questão climática da cidade.

Ribeirão Preto, assim como diversas cidades brasileiras, apresenta uma cobertura vegetal urbana muito baixa, com média de apenas 12%. Poucas ações estão sendo tomadas para liderar pelo exemplo e expandir o esverdeamento urbano em áreas públicas e privadas. Nesse contexto, o programa propõe soluções para iniciar a transformação urbana, incluindo o verdejamento das escolas e a conscientização sobre as questões climáticas na comunidade escolar.

Em 21 de setembro de 2021, Dia da Árvore, a Prefeitura de Ribeirão Preto assumiu oficialmente o compromisso de verdejar as escolas. Em outubro do mesmo ano, foi anunciado um investimento de R$ 2 milhões para iniciar o projeto em 40 unidades escolares, seguido de um aporte de R$ 3,4 milhões em janeiro de 2022 para outras 68 escolas. Atualmente, a maioria das escolas públicas já implementou ou está em processo de implementação dos projetos de verdejamento.

Em entrevista à revista Painel, da AEAARP [Associação de Engenharia, Arquitetura e Agronomia de Ribeirão Preto], a diretora do CEI [Centro de Educação Infantil] de Ribeirão Preto, Sônia Eurípedes da Costa Castro, relata que o verdejamento do espaço físico trouxe benefícios tanto para os alunos quanto para os professores. “Quando a criança está confinada em um espaço fechado, o educador precisa, a cada 20 minutos, criar situações lúdicas que a faça aprender, movimentar-se e não se sentir triste por estar confinada. A liberdade do espaço aberto, por si só, já proporciona isso. Então, conseguimos passar 50 minutos ou até mais com as crianças explorando a natureza”, disse a diretora.

Por meio da experiência do verdejamento das escolas municipais de Ribeirão Preto, podemos ter esperança na busca pela resiliência climática urbana e na promoção da saúde e bem-estar para a população e crianças. Iniciamos nas escolas a promoção de espaços mais frescos, com biodiversidade, incentivamos a mobilidade ativa e melhoramos a drenagem urbana. Assim, difundimos para o restante da cidade os impactos positivos e saudáveis da revolução verde! 

  • Carla Roxo é arquiteta e urbanista, especialista em desenvolvimento urbano sustentável e em desenvolvimento e implementação de projetos/programas socioambientais. É cofundadora e gestora do Programa Ribeirão -3 Graus.

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