O segredo da ilusão e a ilusão do segredo 

23/07/2025

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Por Alê Primo 

Era 2015, ​e ​o Tihany, um dos últimos grandes circos a fazer turnês mundiais, se apresentava pelo Brasil. O espetáculo tinha o título de ​​​AbraKdabra​, que já indicava o destaque para ​a ​mágica. A imprensa alardeava que o circo trazia a grandiosidade dos shows de mágica de Las Vegas. Fui assistir ao espetáculo em 3 cidades da região ​S​ul. O ponto alto da noite era o aparecimento de um helicóptero por detrás de um grande pano branco. A plateia, ​que em su​​a​ maioria filmava a grande ilusão, não conseguia conter ​​a emoção quando as longas hélices toma​ram o palco​,​ vindas do vazio. Palmas e gritos confundiam-se com o som do helicóptero e da música majestosa. Nas três vezes ​em ​que assisti ao espetáculo, ​por três vezes ​meu encantamento foi o​​​mesmo​. ​Ainda​​ ​que eu conhecesse​​ o segredo, o profissionalismo dos artistas, da coreografia, da iluminação e da trilha ​​fazia​ da ilusão um desafio à racionalidade. O aparecimento surpresa de um grande e pesado sólido no palco iluminado com fortes luzes brancas causava um deleite que lembrava à plateia, que ​chegara​ das aulas e do trabalho, que a magia ainda traz encanto e alívio à vida. 

O Tihany foi embora do Brasil e eu ainda aguardo seu retorno triunfal. Temo, no entanto, que​,​ com as mudanças nas formas de entretenimento da contemporaneidade, o Tihany tenha o mesmo fim de outros grandes circos itinerantes. Da mesma forma, podemos questionar qual é o futuro das artes mágicas diante do consumo febril de vídeos curtos no TikTok e do desinteresse por ilusões presenciais em tempos de efeitos digitais 3D e inteligência artificial. 

A mágica, diferente de outras expressões artísticas, depende do segredo. Claro, o mágico não é mero operador de um dispositivo automático a cujo funcionamento secreto apenas ele teve acesso. ​​O que há de arte é tudo o que extravasa a​o dispositivo manipulado (em inglês, prop). 

A questão que emerge é: como podem as artes mágicas se desenvolverem, como novas mágicas e mágicos pode​ se formar​,​ quando tal comunidade se esconde no sigilo? Clubes e sociedades secretas não permitem a participação de não mágicos. Novos membros precisam fazer seus cursos ou ​​provar​     ​ domínio da técnica. Com essa dinâmica​,​ é preocupante observar que muitas associações de mágicos têm poucos jovens. Os associados estão envelhecendo. 

Lembro​-me​ de um debate online entre mágicos​,​ no qual um participante da velha guarda praguejou, após compartilhar o vídeo de um artista de rua executando (muito bem, diga-se de passagem) efeitos clássicos: “Quem é este vagabundo fazendo mágicas?”​.​ Quando se questiona quem tem ​o ​mérito de conhecer os segredos de uma arte ​de ​domínio de poucos, a própria arte perde seu sentido. ​Arte é para ser livre. A arte liberta. A mágica é para o público, não para os mágicos. O ancião também esquecia que a mágica não nasceu nos palcos de teatros glamurosos (onde aquele artista de rua certamente sonharia em se apresentar e teria todas as condições para tanto). Os mágicos nem sempre usaram fraque e cartola. Aliás, a street magic (que deve muito a David Blaine) é ​um gênero importantíssimo. Será que só se pode aprender mágica de rua dentro das quatro paredes de uma sociedade secreta? Que curioso paradoxo! 

A mágica não tem como preocupação crescer. É uma arte para poucos. É uma prática seleta. Cogita-se que quanto mais pessoas conhecerem os segredos, menos interesse haverá nos shows. Curiosamente, as mídias sociais não têm esse prurido. Vídeos curtos de números sendo performados e logo desvelados correm pela internet.  

Não há dúvida ​de ​que o segredo da ilusão é fundamental para o deleite. Mas é preciso refletir com prudência. Vamos discutir como a mágica realiza o impossível e a importância do segredo. Permita-me filosofar um pouco. 

O potencial é aquilo que pode acontecer, mas ​ainda ​lhe ​falta o acontecimento. Já o impossível não pode jamais acontecer, pois ​a ele lhe ​falta​m​ a possibilidade, as condições de realização. As artes mágicas subvertem os limites do que é factível. O assombro e o encantamento com a mágica emergem quando o impossível se realiza diante de nossos olhos ou até mesmo em nossas mãos. O maravilhamento é tal que a plateia não raro grita, se levanta, se movimenta de forma abrupta, aplaude efusivamente. Minha hipótese é que, como vivemos no registro do potencial, atuando nos limites estreitos do possível — cumprindo tarefas, buscando atingir metas, pagando contas, seguindo a rotina previsível do dia a dia —, quando o impossível se revela possível o deslumbramento vem à tona como alívio, como esperança, como deleite e fôlego em um mundo repetitivo. A surpresa do efeito mágico causa espanto e satisfação em um real no qual as surpresas costumam ser reve​s​es. 

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