Passageiro de relâmpagos

29/05/2023

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Organizado por Joyce Moreno, livro reúne textos inéditos de Hermínio Bello de Carvalho, nos quais ele compartilha lembranças de sua convivência com grandes expoentes da cultura brasileira

Por Ruy Castro*

Hermínio Bello de Carvalho mora dentro de uma caixa de surpresas. Ao abrir casualmente um armário ou gaveta em seu apartamento, em Botafogo, descobre uma partitura de Pixinguinha, um poema de Drummond, um desenho de Oscar Nie-meyer, uma letra de samba de Tom Jobim, um bilhete de Elizeth Cardoso, uma carta de Sidney Miller, tudo à mão, dirigido a ele, com amorosas dedicatórias. Ou pode encontrar a certidão de casamento de Zica e Cartola, de quem foi, aliás, padrinho. Ou se lembrar de que a xícara em que toma café lhe foi dada por Aracy de Almeida.

Nada demais nisso. Eram apenas seus amigos, pessoas para quem criou grandes discos, programas de TV e shows, tudo às dezenas, ou com quem tomou muitos chopes pela vida. Shows? Um deles, Rosa de Ouro, em 1965, revelou Clementina de Jesus, ressuscitou Aracy Cortes e consagrou Paulinho da Viola e Elton Medeiros. Dali resultou o LP Elizeth sobe o morro, produzido por ele e talvez o melhor dela. E de onde saiu o Hermínio poeta, parceiro de Paulinho em “Sei lá, Mangueira”, de Elton em “Pressentimento”, de Maurício Tapajós em “Mudando de conversa”?


Da esquerda para direita: Cartola, João Gilberto, Elis Regina, Chico Buarque, Elizeth Cardoso e Alaíde Costa nas ilustracões de Eduardo Baptistão.

Uma coisa foi levando a outra sem ele perceber até que, outro dia, Hermínio se deu conta de que tudo começou há setenta anos. E só porque achou um recorte da revista Rádio Entrevista, datado de 1951 e assinado “Hermínio B. de Carvalho” – sua primeira colaboração na imprensa. Ele tinha 16 anos. Pouco depois, estava subindo a serra com Linda Batista para visitar Getúlio Vargas no Palácio Rio Negro, sendo convidado a um drinque com Ava Gardner no Hotel Glória e saindo numa foto com Carmen Miranda na boate Sacha’s. Nunca mais parou.

Parou, sim. Com a crise que já vem de anos e pelas trevas que nos envolvem hoje em dia. Hermínio está com mil projetos parados ou em sonho.

Ele já fez muita coisa sem dinheiro. Sem amor, não. E os dois estão em falta no Brasil.

*Ruy Castro é jornalista, biógrafo e escritor. Este texto foi originalmente publicado na orelha do livro.

Trecho do livro

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