Por Jeferson De*
Saudando os ancestrais, neste momento da história, estamos atentos às encruzilhadas que se mostram. Ao falar delas, penso nas possibilidades que oferecem: novos caminhos, encontros, referências, imagens e inspirações.
Na tradição afro-brasileira, a encruzilhada é um território sagrado, ponto de passagem e comunicação entre mundos. Lugar de decisão e transformação, onde forças se cruzam e novas direções são escolhidas. Representa também o acolhimento de oferendas, de pedidos, de agradecimentos – um espaço de movimento e criação.
É exatamente essa força simbólica que constitui a existência negra: celebrar o passado e, a partir dessas intersecções, provocar reflexões sobre identidades e futuros possíveis.
Ao longo da trajetória negra nas Américas, as imagens construídas muitas vezes vieram de olhares externos – pinturas, fotografias e filmes que não correspondiam às realidades vividas, frequentemente distorcendo histórias, gerando frustrações e, não raro, provocando dor e apagamento.
Foi pela própria construção simbólica e artística que novos modos de representação começaram a emergir, apresentando ao mundo a autenticidade das experiências negras.
Na pintura, no cinema e nas artes plásticas, as interpretações são tão diversas quanto as existências que representam. Das vivências afro-latino-americanas, brotam histórias intensas, traduzidas em telas carregadas de cor, ou no impacto do preto e branco. No audiovisual, o silêncio nunca é ausência: é potência e ênfase.
A história negra na moda, na ciência, nas artes visuais brasileiras, embora ainda pouco reconhecida, é rica e pulsante. É urgente a consciência desse legado e o resgate dessas expressões. Nada pode ser construído sobre uma coletividade sem sua presença ativa. Este é o nosso compromisso: evidenciar a pluralidade de talentos e criações, ocupando as encruzilhadas e espalhando imagens e sons que traduzam, com força e beleza, as impressões negras no mundo.
Na encruzilhada: caminhos, memórias e desejos não ditos se intercruzam. Nela, o chão riscado carrega marcas de quem veio antes, a imagem se faz oráculo – espelho rachado onde o tempo se reflete. Na encruzilhada das imagens e referências, encontramos o lugar onde o pertencimento finalmente se revela.
*Jeferson De estudou cinema e foi autor do manifesto Dogma Feijoada. O roteiro do seu filme Bróder (2011) foi selecionado no Laboratório de Roteiros
do Instituto Sundance. Dirigiu a série Pedro e Bianca (2012-2014), ganhadora do Emmy Awards. Em 2019, dirigiu os filmes M-8 – Quando a morte Socorre a Vida e Doutor Gama. Em 2022, integrou a equipe de direção das novelas Além da ilusão, Terra e paixão e Garota do momento.
>>> O Quintal da Imagem acontece no Sesc Campo Limpo.
>>>>> Leia mais sobre os outros quintais do festival aqui.
A segunda edição do Festival Sesc Culturas Negras acontece de 10 a 15 de junho de 2025 nas unidades 14 Bis, Campo Limpo, Casa Verde, Consolação, Interlagos, Pompeia, Santana e Vila Mariana. Cada uma delas se transforma em quintal simbólico celebrando a potência criativa das culturas negras, onde acontecem apresentações, vivências e rodas de conversa em torno das memórias, corporeidades, ensinagens, festejos, ofícios e teatralidades.
Acesse o site sescsp.org.br/culturasnegras para conhecer a programação completa.
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