Por Adriana Barbosa*
Todo ofício preto começa antes do gesto.
Antes da mão tocar o barro, antes da agulha atravessar o pano, antes
do corpo dançar, já havia uma reza sussurrada, uma memória acesa, um segredo guardado no tempo.
Ofício, na cultura negra, nunca foi só fazer — é manter acesa a chama de quem veio antes, é ecoar um axé que atravessa séculos.
As nossas mãos sempre souberam.
Souberam bordar o mundo mesmo quando ele nos queria costuradas ao silêncio.
Souberam cozinhar com o que havia, inventando fartura no meio da escassez.
Souberam dançar para espantar o cansaço, cantar para segurar a sanidade.
Cada gesto, cada feitura, cada saber: uma forma de seguir viva. De seguir juntos.
Os ofícios da cultura negra são ferramentas de existência.
E são também tecnologia: inteligência coletiva transmitida por oralidade, afeto e vivência.
A mulher que penteia cabelos e conta histórias.
O mestre de capoeira que ensina estratégia no jogo do corpo.
A cozinheira que cura com dendê e erva-fé.
A costureira que transforma pano em armadura.
O barbeiro que ergue tronos na quebrada.
São saberes que não cabem nos diplomas, mas moldam o mundo.
Residem nos quintais, nas vielas, nos terreiros e nas calçadas.
Ali, entre uma linha e outra, entre uma cabaça e uma colher de pau, pulsa uma filosofia preta — com os pés no chão e os olhos no amanhã.
Nossos ofícios sustentam a travessia.
Transformam exclusão em inventividade.
Fazem da necessidade uma escola.
E da ancestralidade, um projeto de futuro.
As mãos negras não são as únicas que reconstroem o mundo, mas sem elas, o mundo segue incompleto.
No Quintal dos Ofícios, o que se planta é permanência.
E o que se colhe… é liberdade.
*Adriana Barbosa é empreendedora social, idealizadora da Feira Preta e fundadora da PretaHub. Orquestradora de futuros possíveis, atua na criação de ecossistemas para o fortalecimento da economia preta no Brasil e na América Latina.
>>>> O Quintal dos Ofícios ocupa o Sesc Casa Verde.
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A segunda edição do Festival Sesc Culturas Negras acontece de 10 a 15 de junho de 2025 nas unidades 14 Bis, Campo Limpo, Casa Verde, Consolação, Interlagos, Pompeia, Santana e Vila Mariana. Cada uma delas se transforma em quintal simbólico celebrando a potência criativa das culturas negras, onde acontecem apresentações, vivências e rodas de conversa em torno das memórias, corporeidades, ensinagens, festejos, ofícios e teatralidades.
Acesse o site sescsp.org.br/culturasnegras para conhecer a programação completa.
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