Quintal dos Festejos – Festas e folias na beira

02/06/2025

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Por Salloma Salomão*

Os Quintais dos Festejos atuais já são quase todos segredos de beira. Nesses lados que margeiam as águas represadas, há pontos iluminados no breu da urbe. De vez em quando, fogueiras. Acreditamos muito mais agora nas potencialidades de celebrações coletivas e miúdas. Alguns dizem que são nossas forças motrizes. Não sei bem o que querem dizer teoricamente com isso. As festas acontecem, ainda que a violência real e simbólica impere. Parece contraditório, eu sei, mas é assim que é. Talvez nem queiramos, por medo e zelo, evidenciar as experiências e os territórios que se intercruzam entre o passado, presente e futuro. Opa-cidade. Escrevem como etnólogos sobre nós, como se fossem sombras dos antigos zoos humanos coloniais. Há vezes se recusam a receber nossas letras como se fossem eruditas demais. Mas, de fato, são hermenêuticas negras. Insistimos na relação com os predadores, sabendo sobre nossas fraquezas, franquezas envoltas em fugas e mistérios. Ritos públicos de sacríficios. Sabemos ser descendentes de africanos e, por vezes, utilizamos a palavra Negra. Palavra obscura que ressurgiu das nossas bocas crivadas de mistérios. Fomos, somos e projetamos seres. Já não é mais necessário saltar ou ressaltar nossas ancestralidades discursivamente. Os inimigos ao menos conseguem ler os estandartes rotos que empunhamos livros. Nigras orquestras subindo e descendo morros entre lagos. Regra livro, negra livre. Há uma quantidade infinda de terreiros segredosos, quintais não catalogados ainda, digo, ajuntamentos. Não vamos mapeá-los displicentes. Sambas e Bambas, Sambós e Massembas, mulheres líquidos e Yalodes, seguras no interior de quintais murados, versando poesias e rimas livres, teatralidades. Recolheram rápido as crianças e as preservam do mercado livre. Brinquedos de adultos ludos, loucos desvairados na pauliceia, adultos lúdicos, adultos que festejam, que ainda buscam prazer no mundo, na vida. No Brasil, os teóricos passaram a considerar a festa o lugar do encontro social entre os antagônicos, lá no Rio de Janeiro do carnaval industrializado. Artistas negros contestaram o domínio e tentaram formar sua própria liga de livres brincadeiras, Grêmio Recreativo Gran Quilombo, Lélia González estava lá, ao lado de Nei Lopes e outros bambas, mas a memória do protesto foi quase apagada pelo lucro. Leia com outros olhos a fotografia aérea de Salvador, a diversidade cromática dos foliões e dos trabalhadores na folia. Na sociedade paulista modernizada e contemporânea, há todo tipo de festa; é, a maioria comércio voraz. Mas nas bordas ainda tem terreiros de festa barata ou franca, franqueada. Clariô resistente, Saraus, blocos do beco etc. No entanto, nós que andamos pelas quebradas, qual seja pelas ruas tortas das beiras, sabemos como criar em segredos terreiros de brilho em meio aos escombros. Eles não nos podem ver, não porque nos escondemos, mas porque não têm olhos para tanto, nem ouvidos e nem sistemas de decifração. Entra e curte, dance em silêncio. Tem, mas está acabando.

* Salloma Salomão é artista-educador público, com trajetória no ensino, pesquisa e práticas criativas no teatro, cinema e na música. Nascido em uma família de trabalhadores rurais com pendores para as artes, desde a infância se envolveu com saberes musicais e performáticos na escola, na rua e em casa.

>>> O Quintal dos Festejos acontece no Sesc Interlagos.

Culturas Negras Música show Jongo da Serrinha e suas histórias
Jongo da Serrinha se apresenta no Sesc Interlagos. Foto: Mateus Jose Maria

>>>>> Leia mais sobre os outros quintais do festival aqui.

Festival Sesc Culturas Negras

A segunda edição do Festival Sesc Culturas Negras acontece de 10 a 15 de junho de 2025 nas unidades 14 Bis, Campo Limpo, Casa Verde, Consolação, Interlagos, Pompeia, Santana e Vila Mariana. Cada uma delas se transforma em quintal simbólico celebrando a potência criativa das culturas negras, onde acontecem apresentações, vivências e rodas de conversa em torno das memórias, corporeidades, ensinagens, festejos, ofícios e teatralidades. 
Acesse o site sescsp.org.br/culturasnegras para conhecer a programação completa.

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