Quintal das ensinagens: Da alegria vivenciar ensinagens afro-brasileiras 

02/06/2025

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Por Sandra Petit*

Cada vez que tenho a oportunidade de vivenciar as oralidades afro-brasileiras em algum lugar do país, fico muito feliz porque são uma inesgotável fonte de conexões culturais ancestrais super empoderadoras. Não é à toa, afinal, o Brasil possui a segunda maior população negra do mundo, descendente do continente africano: 56% do povo brasileiro tem esse pertencimento étnico-racial.

Mas a influência cultural afro vai muito além desse aspecto, pois as africanidades fazem parte da brasilidade, junto das matrizes indígenas e europeias. No entanto, não se trata somente da importância populacional. Sabemos também que a dimensão cultural afro perpassa nosso Corpo-Memória coletivo, esse que adora se juntar comunitariamente, por isso escolhe o quintal como seu lugar de confraternização e júbilo.

Lembremos que na Costa Oeste africana, por exemplo, as casas eram tradicionalmente construídas em torno de um quintal comum, onde aconteciam todas as festividades e convivências comunitárias. Deste lado do Atlântico, diz o líder quilombola Nego Bispo (1959-2023), o quintal é o espaço mais importante da casa, é onde as diferentes gerações convivem e aprendem trocando conhecimentos e afetos. Essa forma de ser comunidade percorre as nossas culturas negras que reverenciam e vivenciam intensamente as oralidades, sem se separar do sagrado e da compreensão encantada do mundo.

No Brasil, a presença das africanidades foi extremamente fértil na recriação dessas oralidades herdadas do continente africano. Elas se instalaram com tamanha força de resistência em solo brasileiro, ao ponto de produzir uma riqueza incrível de manifestações de enorme diversidade: Boi, Caixeiras do Divino, maracatu, capoeira, maculelê, samba, rap, afoxé, reisado, batalhas da quebrada, ciranda, batuque, afoxé e toda uma miríade de folguedos distintos, segundo cada região do país.

Mas as oralidades africanas não são somente arte musical, teatral, poética cantante e dançante, o que já seria imenso. Envolvem muitas outras tecnologias: fabricação de instrumentos, arquiteturas e engenharias de casas e igrejas, artes da cozinha (dos ingredientes aos utensílios), ciências agrícolas, panos, estampas e vestuários, práticas de cura (rezas, chás, folhas, alimentos, práticas corporais preventivas/restaurativas e demais ciências espiritualizadas), fabricações artesanais, minerais (daí o nome Minas Gerais, com seus ouros e diamantes), artes figurativas e esculturais, práticas ambientais relativas a chão e água, com seus conhecimentos cosmológicos (ex: profetas da chuva no Nordeste), construção de artefatos marítimos e… Paramos por aqui por falta de espaço!

A africanidade está em tudo. Só falta identificar as suas ensinagens, pois elas são aprendidas pelas (con)vivências realizadas de modo impressionante por Mestras e Mestres, de todas as regiões do Brasil, quer seja de modo tradicional ou tecno-moderno, mas sempre com a conexão ancestral de pertencimento à Mãe África. Tenhamos orgulho das nossas oralidades e ensinagens afro-brasileiras, essa experiência repleta de POTÊNCIA que é sua, nossa, de todas, todos!

*Sandra Haydée Petit é negra, de origem caribenha, e mora há 30 anos no Ceará. Mãe e professora na Universidade Federal do Ceará (UFC), onde coordena o Núcleo das Africanidades Cearenses (Nace) e ensina sobre africanidades, pretagogia e educação popular. É também das águas de Oxum, adora dançar, correr, cozinhar e alimentar a afroancestralidade de todas as formas.

>>> O Quintal das Ensinagens do Festival Sesc Culturas Negras 2025 acontece no Sesc Santana.

O podcast +PRETA transcende o digital e ganha vida nos palcos do Sesc para celebrar a música negra brasileira na vida da gente.
O Podcast +Preta com Didi Couto e Salgadinho, no Sesc Santana. Foto: Divulgação

>>>>> Leia mais sobre os outros quintais do festival aqui.

Festival Sesc Culturas Negras

A segunda edição do Festival Sesc Culturas Negras acontece de 10 a 15 de junho de 2025 nas unidades 14 Bis, Campo Limpo, Casa Verde, Consolação, Interlagos, Pompeia, Santana e Vila Mariana. Cada uma delas se transforma em quintal simbólico celebrando a potência criativa das culturas negras, onde acontecem apresentações, vivências e rodas de conversa em torno das memórias, corporeidades, ensinagens, festejos, ofícios e teatralidades. 
Acesse o site sescsp.org.br/culturasnegras para conhecer a programação completa.

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