Mahmoud Abdul-Rauf usa o basquete para driblar racismo e intolerância

31/08/2023

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CONHECIDO PELAS CORAJOSAS MANIFESTAÇÕES POLÍTICAS, ATLETA NORTE-AMERICANO IMPRIME SUA HISTÓRIA NO BASQUETE COMO ATLETA E ATIVISTA PELA EQUIDADE SOCIAL.

Leia a edição de setembro/23 da Revista E na íntegra

Por Maria Júlia Lledó

Nascido no Mississippi, estado norte-americano onde o racismo é frequentemente manchete na mídia, Mahmoud Abdul-Rauf – nome que Chris Wayne Jackson adotou após se converter ao islamismo –enfrentou a pobreza e o diagnóstico de síndrome de Tourette [transtorno neuropsiquiátrico caracterizado por tiques motores, como atos impulsivos e repetitivos].

Movido pela paixão pelo basquete desde a infância, e pela convicção de que trilhar o caminho do esporte seria a solução para prover melhores condições de vida à sua família, Mahmoud subverteu as estatísticas e consagrou-se como uma das estrelas da NBA (National Basketball Association). Apesar dos obstáculos, o ex-atleta fez história no terceiro esporte mais popular do mundo, dividindo a quadra com outras estrelas como Michael Jordan e Shaquille O’Neal, com a camisa do Denver Nuggets.

Entre treinos e competições ao longo das décadas de 1990 e o início dos anos 2000, Mahmoud abraçou o ativismo contra o preconceito social, racial e religioso. Seus princípios seguem inspirando outros atletas a mudar as regras do jogo. Em 1996, por exemplo, ao recusar-se a cantar o hino nacional norte-americano numa partida – uma reação à opressão e aos crimes cometidos no país contra a população negra–, Mahmoud foi retirado dos torneios.

As corajosas manifestações políticas de Mahmoud Abdul-Rauf são posteriores às reivindicações de outros esportistas, como o pugilista Muhammad Ali-Haj (1942-2016), e inspiraram atletas de gerações mais recentes, como é o caso de Colin Kaepernick, astro do futebol americano que também protestou contra o racismo durante uma competição. O ativismo de Abdul-Rauf soma-se, ainda, a um cenário no qual cada vez mais atletas se posicionam contra injustiças.

Neste ano, o documentário Stand (2023) – ainda inédito no Brasil – traz a público o depoimento do ex-jogador de basquete sobre sua carreira, bem como relatos de outros atletas, técnicos e comentaristas esportivos que o acompanharam nas quadras e no movimento antirracista. “Estou animado para ver e ouvir o que o público brasileiro achou do filme. Depois de assistir ao documentário, gostaria que as pessoas se motivassem pelo que elas sentiram para inspirar suas próprias jornadas de vida. A força da fé e da convicção, o amor à família, o amor à justiça, a importância de lutar contra a tentação e a covardia de se calar sobre os assuntos que importam”, conta Abdul-Rauf, que neste mês vem ao Brasil para participar da Semana Move, compartilhando suas vivências como atleta e ativista, em diversas unidades do Sesc São Paulo.

Nesta Entrevista, o ex-jogador de basquete, hoje com 53 anos, fala sobre os desafios que experimentou ao longo da vida, como o preconceito, o racismo e a intolerância religiosa, além de refletir sobre a importância da saúde física, mental e espiritual dentro e fora das quadras.

Sua mãe criou você e seus irmãos com muitas dificuldades financeiras. Como foi esse período e deque forma você encontrou um caminho para enfrentar essa situação?

Foi muito difícil para mim assistir à minha mãe, dia após dia, forçando um sorriso e, ao mesmo tempo, esforçando-se para lutar contra o cansaço, o estresse e a ansiedade de “viver para trabalhar”, e não “trabalhar para viver”. Ver a minha mãe se sacrificar tanto para que pudéssemos ter abrigo, roupas, comida e educação incutiu em mim o desejo de fazer sacrifícios semelhantes para ter sucesso, me esforçar ainda mais porque eu queria que minha mãe tivesse uma vida melhor.

No Brasil, muitas crianças que nascem em situações de extrema pobreza e em ambientes onde predominam situações de violência têm no esporte a oportunidade de se reinventar e prover melhores oportunidades para si e suas famílias. No seu caso, como surgiu a consciência de que o esporte poderia mudar sua vida?

Eu tinha cerca de 10 anos quando decidi me dedicar ao basquete. Embora eu flertasse com outros esportes, e fosse abençoado por ser bom neles, o basquete parecia se encaixar mais no meu espírito e eu tinha um amor genuíno por esse esporte. Por isso, pensei que, por causa desse amor, aumentariam as minhas chances de ter mais êxito na prática.

A vida é sobre fluxos e refluxos, altos e baixos, e esses desafios não podem desmoralizá-lo ou desumanizá-lo. Pelo contrário, o destino dos desafios é manter você humilde e elevá-lo.

Mahmoud Abdul-Rauf

E o que levou você a se tornar um atleta profissional do basquete?

Eu tomei a decisão de seguir o basquete como uma escolha de carreira com a intenção de ser o melhor do mundo. Minha mente e meu coração não se contentariam com menos. Eu discutia com meu primo, que dizia que eu poderia ser apenas um dos melhores, mas eu dizia para ele que eu queria ser o melhor. Isso para vocês entenderem o quão sério eu já era aos 10 anos de idade, a ponto de acordar às quatro da manhã e entrar na quadra de basquete às cinco, apesar de trovões e relâmpagos, frio congelante etc.

Quando diagnosticado com a síndrome de Tourette, você sentiu que a sua condição o faria abandonar a carreira no basquete?

Eu estava no 11º ano na época do diagnóstico [1º ou 2º ano do ensino médio, na comparação como Brasil]. Foi aí que eu finalmente descobri que havia um nome para o que estava acontecendo comigo, e isso me deu uma sensação de alívio mental. Porque antes, eu não conseguia explicar exatamente o que estava acontecendo. Foi, e é, muito difícil navegar nesta vida com Tourette, mas eu sabia, antes do diagnóstico, que ele também estava me proporcionando muitas coisas positivas. A síndrome me empurrou para onde eu mesmo não teria ido sem ela.

É comum que atletas se forcem a buscar perfeição em sua atuação esportiva. No entanto, o público raramente sabe das dificuldades atravessadas para atingir as metas – como crises de ansiedade, depressão e outros quadros de saúde mental. Como você lidou com essa pressão?

Buscar a perfeição é como uma droga. Você luta porque nunca está satisfeito e sempre sente que falhou e que poderia fazer mais. Eu tinha que ficar relembrando a todo momento que não sou perfeito e que a vida acontece, e todos nós temos nossos dias, bons e maus. E a vida é sobre fluxos e refluxos, altos e baixos, e esses desafios não podem desmoralizá-lo ou desumanizá-lo. Pelo contrário, o destino dos desafios é manter você humilde e elevá-lo. Todas as dificuldades me ensinaram a aproveitar os momentos em que as coisas não funcionam da maneira que gostaríamos e, em vez de nos afogarmos em tristezas e decepções, devemos nos lembrar sempre de que “estradas retas não produzem motoristas habilidosos”.

Você acredita que hoje os atletas têm mais espaço para falar sobre esse assunto?

São as conversas, a consciência e a compreensão que tornam mais aceitável e fácil para os atletas compartilharem suas dificuldades e fraquezas. E a nossa força aumenta, consequentemente, quando percebemos que mais pessoas estão passando pelas mesmas coisas que nós estamos passando.

Várias pesquisas nos ajudam a entender que a prática regular de atividades físicas e esportivas é um importante remédio para a saúde física e mental. No entanto, as facilidades do mundo digital e aquantidade de horas que dedicamos às telas têm feito com que uma boa parte das pessoascoloquem a atividade física de lado. Como podemos mudar essa situação?

A resposta é simples. Primeiro, educar-se sobre os perigos potenciais que essas atividades extracurriculares têm, não apenas em sua saúde física, mas também em seu bem-estar mental e espiritual. Não é fácil, já que estamos constantemente sendo impactados com todas as distrações, chamados para várias direções. Mas também temos que continuar, repetidamente, a ter essas conversas e nos colocar nesses grupos que estão fisicamente ativos, porque em algum momento, a ficha cai. Muitos estudos [neurológicos e psicológicos] dizem que quando você não está “em forma” [física e mentalmente], ficar perto de pessoas que estão traz benefícios. Ou seja, se você quer se sentir “inteligente”, fique perto de pessoas inteligentes, se você quer ser um ativista, fique perto de ativistas. Essa proximidade aumenta suas chances de aprender essas características. E quanto mais você está associado a essas pessoas, maior a chance de se inspirar.

Você sempre falou publicamente sobre o racismo e a discriminação contra o islamismo, preconceitos que você viveu e ainda vive. Você acredita que no esporte esses preconceitos se perpetuam ou estamos mais conscientes e combativos? Algo mudou desde que você começou sua carreira no basquete?

O racismo e a discriminação são tóxicos por natureza e, portanto, sempre serão difíceis de lidar, e impossíveis de aceitar se você for um ser humano pensante, compassivo e atencioso. Infelizmente, sempre haverá pessoas neste mundo que destilarão a ignorância que produz o racismo e a discriminação doentia. Eu não acho que muita coisa mudou, mas talvez tenha assumido uma faceta distinta. No entanto, o racismo e a discriminação estão aqui para ficar. Assim como a morte – sabemos que não podemos evitá-la. Isso não significa que tenhamos que parar de viver.

No documentário Stand (2023), com direção de Joslyn Rose Lyons, você conta a sua história e desfaz nós provocados pela mídia. O que você gostaria que os espectadores deste filme compreendessem sobre sua trajetória?

Estou animado para ver e ouvir o que o público brasileiro achou do filme. Depois de assistir ao documentário, gostaria que as pessoas se motivassem pelo que elas sentiram para inspirar suas próprias jornadas de vida. A força da fé e da convicção, o amor à família, o amor à justiça, a importância de lutar contra a tentação e a covardia de se calar sobre os assuntos que importam. Ser um pouco altruísta ao se colocarem a serviço dos outros. Que sentissem a importância de lutar arduamente para que se eduquem e que não permitam que a percepção negativa de outros sobre você torne-se sua realidade.

CONVITE AO MOVIMENTO

Com mais de 250 atividades gratuitas, Semana Move, que começa dia 23/9, estimula a prática de atividades físicas para a conquista de uma vida mais ativa e saudável

Mahmoud Abdul-Rauf, Daniel Dias, Rogerinho R9, Sandro Dias, Antônio Tenório, Terezinha Silva, Evelyn Larissa. Esses e outros nomes dos esportes vêm a São Paulo para participar da 11ª edição da Semana Move, que entre os dias 23 de setembro e 1º de outubro, ocupa todas as unidades do Sesc ao redor do estado com mais de 250 atividades gratuitas.

A campanha, iniciativa da dinamarquesa Isca (International Sport and Culture Association) e coordenada pelo Sesc São Paulo no continente americano, surgiu para promover a prática de esportes e atividades físicas em busca de uma rotina mais saudável para públicos de diversas faixas etárias e estratos sociais. Com o lema Faça desse movimento um hábito, a edição 2023 da Semana Move mira estimular reflexões e estratégias para que cada indivíduo, considerando seu contexto social, crie o hábito da prática de atividades físicas.

A campanha, cuja programação abrange seis blocos temáticos – Move Academia, Move Esportes, Move Água, Move Criança, Move Zen e Move Empresa – busca, ainda, promover a saúde física e mental dos participantes. Outra entidade apoiadora da Semana Move é a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) que, junto ao Sesc, estimula o engajamento de uma rede de países, cidades, instituições, escolas e clubes nas atividades da campanha. Por conta desse apoio, as atividades da Semana Move devem ocupar, nesta e nas próximas duas edições (2024 e 2025), outros espaços para além das unidades do Sesc São Paulo. Com isso, a ideia é criar experiências que possibilitem a continuidade, na prática cotidiana, da missão da Semana Move, e assim estimular o estreitamento das relações da campanha com outras instituições públicas e privadas.

Para marcar o lançamento desta edição da Semana Move, o Sesc São Paulo realiza, em 16/9, a Pedalada Noturna, num percurso de 20 quilômetros com largada e chegada em frente ao Sesc Pinheiros. Voltada a praticantes de ciclismo e interessados na modalidade, o objetivo da atividade é dar o pontapé inicial à Semana Move, além de apresentar a capital paulista como uma possibilidade de lazer e cultura a partir da perspectiva do ciclista.

Confira destaque da programação:

Mahmoud Abdul-Rauf
Clínica esportiva em que o ex-atleta de basquete, que foi jogador da NBA nos anos 1990, conta sua trajetória no esporte e na militância contra o racismo, a discriminação e a intolerância religiosa.
Dia 23/9. Sábado, das 10h30 às 12h30 (Sesc Ipiranga) e das 14h45 às 17h (Sesc Itaquera).
Dia 24/9. Domingo, das 10h30 às 12h30 (Sesc Rio Preto) e das 15h às 17h (Sesc Catanduva).
Dia 26/9. Terça, das 18h30 às 21h (Sesc Araraquara).
Dia 27/9. Quarta, das 19h às 21h30 (Ginásio Poliesportivo Pedro Morilla Fuentes, em Franca).
Dia 28/9. Quinta, das 19h às 21h30 (Sesc Pinheiros).
Dia 29/9. Sexta, das 19h30 às 21h20 (Sesc Consolação).
GRÁTIS.

Programação completa da Semana Move 2023

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