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Natureza de aprender junto

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São Caetano do Sul, quintal, dia.

Fui uma criança que brincou muito. Morei boa parte da infância em uma casa dos anos 1940, que tinha uma grande área com jardins. Entre as casas, a vizinhança era tudo família, bastava pular os muros baixos e mais um quintal se revelava. A terra, as plantas e os animais domésticos eram parte das brincadeiras: encontrar tatuzinhos de jardim embaixo das pedras, conhecer a textura das folhas com papel e giz de cera, cuidar da horta, subir na nespereira.

Passava horas sozinho, mas não tenho lembrança de solidão; meu pequeno grande espaço de natureza era minha companhia. A relação com a natureza também aparecia nas férias, na casa de praia de meus avós maternos, em Caraguatatuba. Como brinquei livre seguindo a trilha de formigas, encontrando girinos nas poças de água – até casa na árvore tinha, e de lá, do alto do flamboyant com suas flores vermelhas e alaranjadas, eu e minha irmã ficávamos esperando as aves pousarem em seus galhos.

Quando ganhei a primeira bicicleta, percorrer a orla da praia, sentindo o vento bater no rosto, trazia uma sensação de liberdade. Não raro, deixava a bicicleta na areia e começava a expedição: conchas, carcaças de peixes, folhas e gravetos trazidos pelas marés. Com 7 ou 8 anos, saia para pescar com meu avô Nê, uma desculpa para fazer trilhas, me equilibrar nas pedras das corredeiras dos rios, para de novo estarmos juntos, eu e ela, a natureza.

Na adolescência, comecei a me encantar pela biologia, o fenômeno da vida me fascinava. Lembro que acompanhei a ECO 92 pela mídia. Lia muito a respeito, e uma matéria que trazia uma página aromatizada com o cheiro das queimadas na Floresta Amazônica mexeu muito comigo, me fazendo pensar o quão distante eu estava da Amazônia. Qual o meu papel no mundo? Foi a questão que começou a se colocar.

Cursei Ciências Biológicas e meu interesse pela Educação Ambiental e pela potencialidade das pessoas na construção de um mundo mais justo passou a povoar ainda mais meu pensamento. O trabalho no Sesc São Paulo veio após concluir a faculdade e já se vão 22 anos de sensíveis experiências em projetos socioeducativos, dedicados à melhoria da qualidade de vida.

As pessoas e seus territórios foram e ainda são importantes espaços de aprendizagem na minha trajetória. Conheci muita gente engajada em suas comunidades, gente que vive pelo e para o coletivo; o sentido de bem comum rege suas vidas. A percepção de corresponsabilidade e de que a educação pode apresentar novos caminhos para a vida me motivam a cada dia: olho para os indivíduos e os reconheço como profícuos agentes na construção de modos de vida mais justos, éticos e solidários – afinal, é para eles e com eles que os processos educativos ocorrem.

A presença de iniciativas sociais nos territórios revela para mim a sensação de potência e articulação, baseadas na horizontalidade e na valorização dos saberes locais, a partir de pensamentos de existência e coexistência, em uma perspectiva sistêmica e dinâmica.

Convido cada uma e cada um a conhecer seu bairro, sua cidade, pois há sempre oportunidades para trocas. Nesses lugares repletos de símbolos e de afetos é onde as relações humanas se dão.

Estamos diante de um dos maiores desafios da humanidade. Este momento tem nos mostrado que o individualismo não nos fortalece enquanto sociedade; logo, somos chamados a nos reconhecermos habitantes de um mesmo planeta.

Eu me mantenho aberto a novos inícios, celebrando a vida e tendo como horizonte uma reflexão de Paulo Freire: “Ninguém ignora tudo. Ninguém sabe tudo. Todos nós sabemos alguma coisa. Todos nós ignoramos alguma coisa.

Por isso aprendemos sempre”.

Fabio Luiz Vasconcelos é graduado em Ciências Biológicas, especialista em Gestão Ambiental e tem formação em facilitação e desenvolvimento de grupos. Atua como gerente adjunto na Gerência de Educação para a Sustentabilidade e Cidadania do Sesc São Paulo.

 

 

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