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Exposição
Imagens de uma era

Getúlio Vargas ainda hoje é lembrado pelo apoio às leis trabalhistas e pela ditadura que implantou. Cinco décadas após sua morte, livro e exposição revelam as várias faces do polêmico governante

Personagem controvertido, o gaúcho Getúlio Vargas construiu uma carreira que serve como genuína tradução das intempéries da política. Cinqüenta anos após seu suicídio, o Brasil ainda é fascinado pela vida de um dos mais destacados políticos de sua história. E uma série de homenagens está prevista em todo o País. O Sesc Ipiranga preparou a exposição Imagens de Getúlio Vargas, que reúne 150 fotos do período de maior atividade do governante, garimpadas nos arquivos da Biblioteca Nacional e da Fundação Getulio Vargas pelo fotógrafo Cristiano Mascaro, curador da mostra. Segundo ele, as fotos foram selecionadas pelo equilíbrio entre a questão plástica e a informação. Para sua surpresa, revelaram um período especialmente pródigo do fotojornalismo brasileiro. Mascaro considera o gaúcho de São Borja, por pertencer a um passado ainda recente de nossa história, um personagem pouco compreendido. “Não temos uma noção muito clara de sua importância, não só as novas gerações, como também aqueles que hoje têm por volta de 60 anos de idade. Isto é, grande parte dos brasileiros”, diz o curador. A complexidade do personagem chega a afastar até mesmo estudiosos. “Por ser tão complexo e contraditório, até os historiadores têm dificuldade em estudar e decifrar a era Vargas”, afirma Maria Helena Capelato, professora do Departamento de História da USP, especialista nesse período. Além da mostra, a homenagem se completa com o lançamento de uma obra com crônicas inéditas sobre a era Vargas, organizada por Welington Andrade, da qual participaram autores consagrados, como Nélida Piñon e Carlos Heitor Cony.

Várias faces
De 1930, quando liderou a Aliança Liberal - movimento revolucionário que tirou o poder das mãos da oligarquia mineira e paulista -, a 1954, quando enfrentou a pressão da oposição e de parte da população para que renunciasse e acabou tirando a própria vida, Vargas esteve em quase todos os papéis da vida pública. Até sua morte, em 24 de agosto de 1954, exerceu ao máximo uma das principais características da seara política - aquela que, concordemos ou não, permite ao homem público adotar posições nem sempre condizentes com seus ideais, mas sempre convenientes ao jogo do poder. E o poder era a paixão de Getúlio. “Ele representou vários papéis. Foi sem dúvida um dos vultos mais importantes na política nacional. Foi um grande estadista, fez coisas importantes pelo Brasil. Mas também foi um ditador violento, que perseguiu, torturou e matou oponentes”, relata a professora. “Ele tinha um projeto de desenvolvimento econômico para o País voltado principalmente para o mercado interno, cuja principal base era a industrialização. Para isso, era necessário alterar as relações de trabalho, modernizá-las, racionalizá-las. Foi quando ele reconheceu os direitos dos trabalhadores, criou a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que estabeleceu jornada de 44 horas semanais, férias remuneradas etc.” Mas, ao mesmo tempo que reconheceu direitos sociais dos trabalhadores, tirou os direitos políticos. “Os sindicatos passaram a ser ligados ao governo e qualquer movimento trabalhista, como greves, era reprimido. Tratava-se de uma modernização vigiada e muito autoritária”, conclui Maria Helena. As atitudes contraditórias acompanham Vargas desde o momento em que se projetou na vida política nacional até a hora em que se retirou dela. Quando surgiu, era o representante dos que queriam um País moderno, livre do coronelismo mineiro e paulista, que estava no centro do poder. Dois anos depois era achincalhado nas ruas de São Paulo por cidadãos ávidos de mudanças que não chegavam. Um dia antes de morrer, sua figura era novamente hostilizada pelo povo, que exigia sua renúncia diante das suspeitas de envolvimento do Palácio do Catete no crime da Rua Tonelero, no Rio de Janeiro. No local, houve uma tentativa de assassinato do jornalista e deputado Carlos Lacerda, ferrenho opositor do governo. O tiro acabou por matar o major da Aeronáutica Rubens Florentino Vaz, que fazia a segurança do político. Foi uma comoção nacional. E a emoção à flor da pele parecia não ter fim, pois, com a notícia do suicídio, a população - antes empenhada em afastar o dirigente do governo - tomou novamente as ruas do País, agora para chorar a morte de Getúlio.

1930 - A Aliança Liberal e a Revolução de 30
O período posterior à Proclamação da República (1889) que se seguiu até 1930, conhecido como República Velha, é marcado pela política do café-com-leite, em que as oligarquias rurais mineira e paulista alternavam-se no poder. Em 1927, Washington Luís, presidente eleito por São Paulo, muda as regras estabelecidas indicando como seu sucessor, nas eleições de 1930, Júlio Prestes, outro paulista. É nesse momento da política nacional que surge o gaúcho Getúlio Vargas, candidato da Aliança Liberal, formada por Minas e pelos estados que se opunham a São Paulo, O vice de Getúlio, o paraibano João Pessoa, é assassinado (por motivos passionais) logo após a Aliança perder as eleições. Entre suspeitas de fraude e aproveitando-se do clima de agitação com a morte do aliado, Vargas lidera um movimento revolucionário. Em novembro de 1930, assume a Presidência.

1932 - A Revolução Constitucionalista de 32
Getúlio Vargas assume a Presidência de um governo provisório. Porém, em vez de restabelecer rapidamente a normalidade democrática, adota uma postura autoritária, o que faz surgir em São Paulo, em 1932, um movimento que reivindicava uma nova Constituição e a realização de eleições. Em maio de 1932, na capital paulista, termina em conflito um comício no qual se reivindicava a volta à normalidade democrática. Os manifestantes são recebidos a bala e morrem quatro estudantes: Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo. O Exército venceu, porém a luta de São Paulo não foi em vão. Em 1934, uma Assembléia Constituinte promulga uma nova Constituição e elege, ainda que indiretamente, Getúlio Vargas presidente da República.

1935 - O levante comunista
A eleição indireta de Getúlio Vargas não pôs fim às manifestações populares que desafiavam o governo em todo o País. Em 1935, reunindo todas as correntes de esquerda, surge a Aliança Nacional Libertadora (ANL), liderada pelo comunista Luís Carlos Prestes, que pregava a luta armada como forma de conquista das liberdades democráticas. O enfrentamento entre os comunistas e a Ação Integralista Brasileira (AIB) - movimento criado em 1932 por Plínio Salgado que divulgava ideais nacionalistas e anti-semitas - dá margem a Getúlio Vargas de obter do Congresso poderes cada vez maiores para conter os extremistas de direita e de esquerda. A ANL é posta na ilegalidade. Luís Carlos Prestes é preso e sua companheira, Olga Benário, de origem judia, é deportada grávida para a Alemanha nazista, onde morre em um campo de concentração.

1937 - Estado Novo
A Constituição de 1937 determina a realização de eleições livres para o ano seguinte. No entanto, mais uma vez Getúlio Vargas, apoiado em medidas repressivas - havia implantado o estado de sítio no País -, persegue e cala os adversários. Dessa forma, as resistências a seu mandato vão desaparecendo. Ele se aproveita da situação para preparar o golpe, que culmina com a divulgação pelo Ministério da Guerra do Plano Cohen, um documento falso que anunciava a iminência de um ataque comunista para a tomada do poder. O Congresso é cercado e fechado pelo Exército, os partidos políticos são extintos e uma nova Constituição de feitio fascista é anunciada. Estava instalado o Estado Novo, regime ditatorial que durou de 1937 a 1945.

1945 - O fim do Estado Novo
Nos anos iniciais, o Estado Novo obteve apoio popular e político. No entanto, a excessiva centralização do poder ao longo dos anos gera insatisfações, e, a partir de 1943, os oposicionistas passam a agir ostensivamente desafiando a censura. Lideranças de Minas Gerais lançam o Manifesto dos Mineiros criticando o governo; a União Nacional dos Estudantes (UNE) faz passeatas exigindo liberdade de expressão; e os intelectuais, reunidos no I Congresso Brasileiro de Escritores, exigem a volta imediata do estado de direito. Getúlio abranda as medidas repressoras do governo e posiciona-se a favor da redemocratização. O general Eurico Gaspar Dutra, seu ex-ministro da Guerra, ganha as eleições presidenciais.

1950 - A eleição democrática de Getúlio Vargas
Mesmo longe do centro do poder, Getúlio continuou sua empreitada política e aguardou o momento certo para voltar à cena, nas eleições de 1950. Após se assegurar de que estava amparado por grande apoio popular, deu uma entrevista ao jornalista Samuel Wainer na qual assumiu sua condição de candidato. A apuração dos votos revelou a consagração nas urnas. Mais uma vez iniciou seu mandato cercado de expectativas. Implanta uma série de medidas de impacto que inicialmente repercutem positivamente até na imprensa internacional, como a criação da Petrobrás, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e do Ministério da Saúde.

1954 - O suicídio
Getúlio Vargas governa com relativa tranqüilidade durante a primeira metade do mandato. Com o passar do tempo, sofre oposição pesada, sobretudo do deputado e jornalista Carlos Lacerda. A situação agravou-se no dia 5 de agosto de 1954, quando Carlos Lacerda sofre um atentado na volta de um comício. O jornalista escapa, mas o incidente acaba matando o major da Aeronáutica Rubens Florentino Vaz, responsável por sua segurança. Acaba-se descobrindo que o verdadeiro mandante do crime era Gregório Fortunato, chefe da guarda pessoal do presidente e que teria agido por conta própria. Diante da perspectiva de uma renúncia ou de uma deposição imposta, na madrugada de 23 para 24 de agosto, o presidente disparou contra si o tiro que o fez entrar para a história. A notícia de sua a morte provoca enorme comoção. Encerrava-se assim, há 50 anos, a passagem de Getúlio Vargas pelo poder.