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Detalhe de Tome seu Tempo (2008), trabalho de Olafur Eliasson para a PS1 Contemporany Art Center, Nova York.

Foto: Christopher Burke/Courtesy: Studio Olafur Eliasson/2008 Olafur Eliasson

Por meio do vídeo é possível traçar uma cartografia do tempo – imemorial e histórico – inserido no contexto da arte. No início da década de 1960, artistas passaram a negar a autonomia do objeto artístico (pintura, escultura) para incorporar elementos do cotidiano em seus trabalhos, como crítica aos acontecimentos políticos ao redor do mundo e como resistência às instituições culturais.

Para dar conta das transformações sociais por que passavam jovens, em busca da liberdade propagada em maio de 1968, era preciso recorrer a um novo suporte capaz de articular questões como realidade e ficção, imagem e temporalidade: surgiam os primeiros trabalhos ligados à videoarte.

Os experimentos iniciais teciam uma crítica à televisão, que foi inaugurada oficialmente na década de 1930 na Europa e já preconizava a mídia de massa. Em 1963, o coreano Nam June Paik espalhou televisores por todo o espaço de uma galeria e usou ímãs para distorcer as imagens, num trabalho chamado TV Magnet.

Obras iniciais do alemão Wolf Vostell na mesma época também abriram caminho para novos artistas. Um elemento facilitador foi o surgimento da Portapack Sony, em 1965, equipamento portátil capaz de manipular e captar imagens em tempo real, instaurando no campo do vídeo a performance, as ações efêmeras e a desconstrução da imagem, a exemplo de Filz TV (1970), em que aparece Joseph Beuys sentado em frente a um monitor coberto por um pano negro.

Enquanto ele olha fixamente para a tela, é possível ouvir a narração em off de um homem. O artista apenas entrevê o que se passa por trás do pano e o que se vê são linhas de varredura. Após dado momento, Beuys começa a se nocautear com luvas de boxe.


Primeiros passos


O que é uma imagem eletrônica? O doutor em Comunicação e professor do Departamento de Cinema, Rádio e Televisão da Universidade de São Paulo (ECA/USP), Arlindo Machado, escreveu em Made in Brasil: Três Décadas do Vídeo Brasileiro (Iluminuras, 2007) que no universo do vídeo são apenas pontos luminosos. A imagem no vídeo “é uma síntese temporal de um conjunto de formas em mutação”.

É feito de linhas de varredura, pixels e duração. Os artistas pioneiros que se apropriaram dessa linguagem trabalharam na tentativa de deixar presente, por meio de suas intervenções, os elementos constitutivos da imagem eletrônica. No Brasil, Passagens nº 1 (1974), de Anna Bella Geiger, ilustra a preocupação em discutir esses tópicos através da filmagem da artista subindo ad infinitum uma escadaria. A imagem entrecortada dos degraus aparece no monitor como linhas horizontais que remetem ao próprio conceito da origem do meio videográfico.

Ao participar da ação performática, a artista utiliza o suporte também para inscrever-se na obra, ampliando a experiência artística para os limites do próprio corpo ao filmá-lo. “Nos meus primeiros trabalhos me interessavam as más condições oferecidas pelo vídeo: preto e branco, imagem bidimensional e o prolongamento do tempo de exibição que eram características opostas da TV comercial daquela época”, relembra Anna Bella Geiger.

“Eu tinha interesse, na época dos meus vídeos mais longos, em que havia uma lentidão nos meus gestos ao subir escadas ou andar pelas ruas do Rio de Janeiro, em fazer uma espécie de geopolítica humorada da condição do artista brasileiro inserido numa linguagem [o vídeo] que era praticamente desconhecida na América Latina”, afirma a artista, que está com a mostra retrospectiva Circa MMXI, em cartaz, no Rio.

Anna Bella Geiger menciona a condição marginal imposta à videoarte naquele momento, visto que não havia lugar para ela dentro de museus e galerias. Outra obra significativa desse período em solo brasileiro é a videoperformance Marca Registrada, de Letícia Parente, em que a artista borda, com agulha e linha, a frase “made in Brasil” na sola do pé, e a câmera filma a ação em tempo real.

Enquanto o país vivia o período mais violento da ditadura militar, a força política de trabalhos com o vídeo era dada através do registro das ações dos artistas, num duelo entre a subjetividade e a realidade fora das telas.
Ao alcance de todos

A partir dos anos de 1990, o vídeo passa a transitar entre diferentes táticas de elaboração simbólica e ajuda a estabelecer um novo estatuto da arte, com a ajuda da evolução tecnológica. O uso do vídeo ganha força em cenas privadas do cotidiano, o que sugere a capacidade de reorganizar a linguagem artística.

“À medida que esse equipamento, assim como o computador, torna-se mais acessível, no campo da arte vemos surgir a necessidade das narrativas pessoais. As câmeras ficam menores e o processo digital decodifica os meios analógicos em formato digital”, declara a pesquisadora e crítica de arte Christine Mello, autora de Extremidades do Vídeo (Senac SP, 2008).

Ocorre a convergência das mídias, fenômeno que irá expandir o setor audiovisual alargando as fronteiras entre o cinema, a fotografia e o vídeo. “É importante perceber o vídeo em contato com outras estratégias de produção artística. Ele criou um espaço de liberdade em que artistas podem trabalhar com uma gama maior de elementos”, ressalta Christine.

Haverá o desenvolvimento de poéticas ligadas ao conceito de campo expandido, em que a videoinstalação será uma das formas de pôr o “corpo em diálogo com a obra, a ideia da obra de arte como processo e do ato artístico como abandono do objeto”, define a autora em Extremidades do Vídeo.

O público passa a ter papel importante na complementação da obra, e o ambiente imersivo surge como proposta estética. As grandes projeções nas paredes, objetos dispostos lado a lado dos filmes nas galerias permitem ao espectador vivenciar o local de maneira sensória, em que a imagem ganha força fora da tela.

Eder Santos, um dos mais representativos videoartistas brasileiros, considerado por muitos neobarroco pela temática e modo como trata a imagem fílmica, desenvolve trabalhos dentro dessa linha de ação. “Procuro trabalhar com objetos junto a projeções num ambiente tridimensional para construir novas narrativas”, afirma o artista a propósito da exposição Roteiro Amarrado na qual utiliza cristaleiras, gaiolas de pássaros e objetos familiares para falar da memória e do tempo.

O artista mineiro estará este mês no 17 º Festival Internacional de Arte Contemporânea Sesc_Videobrasil (veja boxe Olhares ao sul). “A imagem em movimento passa a ser tratada como presença. Ela não é mais representação.

Está corporificada no espaço expositivo junto ao público”, explica Christine Mello. Trabalhar em campo expandido – liberar a imagem para além da tela do monitor ou da moldura – gera novos discursos, inclusive políticos, em que artistas passam a discutir a relação com a cidade e o meio em que vivem. Proposições ultrapassam os muros das instituições culturais para alcançarem a via pública e o espaço virtual.

“Percebemos a movimentação dos artistas nessa direção, que é criar uma noção de espaço que permita novas estéticas de transmissão, visualização e compartilhamento de dados, até mesmo sem a necessidade de deslocamento físico, como ocorre com aqueles que trabalham no ciberespaço”, afirma a curadora Daniela Bousso.


Novos enredos, velhas engrenagens


Obras monumentais como as do dinamarquês Olafur Eliasson operam entre tensões: suas ocupações são políticas porque confrontam a paisagem e exigem a presença do espectador. Não apenas pela visualidade exacerbada que imprimem a quem quer que passe por elas – caso da cascata artificial sob a ponte do Rio Hudson em Nova York –, mas porque questionam o espaço que as cerca.

A primeira mostra individual do artista na América Latina, Seu Corpo da Obra, virá a São Paulo este mês por meio do 17º Festival Sesc_Videobrasil. A exposição de Olafur ocorre em meio a mudanças estruturais do festival, que pela primeira vez exibirá diversas linguagens artísticas junto ao vídeo.

“As fronteiras estão cada vez mais diluídas. Não faz mais sentido dividir a arte entre fotografia, cinema, vídeo, escultura ou pintura. Nosso reposicionamento dialoga com essas questões”, afirma a curadora do evento, Solange Farkas.

O vídeo sempre foi um suporte híbrido, capaz de dialogar com outros meios. Atualmente, ele atua como interface com a realidade. “Os artistas sempre assumiram a fronteira que é atuar entre o campo da arte e o campo da vida, pois sempre colocaram a dimensão do conflito em suas construções”, diz Christine Mello.

“Um trabalho como de Olafur Eliasson tem um interesse político, porque coloca o público em contato com esse espaço que borra os limites entre o real e a ficção, já que traz à luz o ambiente de relações onde as coisas ocorrem.” O dinamarquês passou por um período na capital paulista para mapeá-la e estudar os hábitos de seus moradores.

O artista contemporâneo vive na recusa de se autodefinir. Não é mais apenas videoartista. Muito menos apenas fotógrafo. Ou escultor. Ou pintor. O próprio cinema amplia sua linguagem ao utilizar outros recursos para construir seu enredo. Cao Guimarães imprime questionamentos semelhantes em seus filmes, que transitam entre o documentário, a ficção, as artes plásticas numa relação que potencializa a própria experiência cinematográfica.

“Quando as pessoas perguntam de videoarte, fico sem saber o que falo: será que é meu último longa-metragem, Ex Isto, que foi filmado em vídeo? A videoarte ficou numa espécie de limbo, num lugar que é um não lugar. Categorizar é muito chato”, afirma o diretor de, entre outros, Rua de Mão Dupla; Andarilho e Acidente.

E, ao perderem-se nessas definições, corre-se o risco de esvaziarem o sentido da própria matéria bruta a ser trabalhada. “É fácil o ser humano ficar seduzido pela novidade tecnológica. Acho que é bom a gente apertar o freio de vez em quando para não se esquecer da ontologia da imagem, de sua essência”, conclui Cao Guimarães.


No olho do furacão

Com poéticas distintas, artistas utilizam o vídeo para questionar o establishment

Joseph Beuys (1921–1986) – a experiência inicial nos anos de 1960 no Fluxus deu ao artista alemão o caráter afirmador de seus happenings. Beuys trabalhava com múltiplos suportes. Os elementos mais utilizados eram feltro, gordura e animais enquanto filmava suas performances. Recentemente, os paulistanos puderam ver alguns de seus trabalhos na exposição A revolução somos nós, no Sesc Pompéia.


Bruce Nauman – o artista norte-americano utiliza circuitos de câmaras de vídeo fechado – o mesmo procedimento usado em estabelecimentos comerciais quando nos deparamos com o “sorria, você está sendo filmado” – para dar ao espectador a sensação de ocupar outro espaço, tal qual o virtual. Gravava suas performances para materializá-las em contraponto a ações efêmeras, como caminhar lentamente em Caminhada Lenta em Ângulo (1968).


Peter Greenaway – o britânico trabalha com dança, música, pintura, literatura para realizar um cinema em retalhos, fragmentado, que exige a construção de outra temporalidade ao ser visto. Em 2007, o artista participou do 16º Festival Internacional de Linguagem Eletrônica Videobrasil, em que trouxe As Maletas de Tulse Luper, um conjunto de filmes, instalação, livros e ações na internet.


Arthur Omar – os vídeos de artistas produzidos pelo brasileiro estão entre o documentário e a ficção. Trabalhos como O Nervo de Prata (1987), sobre Tunga, e Derrapagem no Éden (1997), sobre Cildo Meireles, mostram a versatilidade de Omar, que também atua com música, desenho, fotografia. É conhecido por suas viagens em que leva a câmera para retratar paisagens e diferentes contextos sociais.


Olhares ao Sul

Exposições organizadas pela Associação Videobrasil e Sesc São Paulo apresentam em São Paulo um panorama da arte contemporânea mundial

Qual a força da arte produzida em países da América Latina, Oriente Médio, África, Ásia e Leste Europeu? Todos se situam ao sul geográfico e foram marcados por políticas excludentes da grande roda de prosperidade que acompanhou os países desenvolvidos por décadas.

A mostra Panoramas do Sul, realizada pelo 17º Festival Internacional de Arte Contemporânea Sesc_Videobrasil, em exibição no Sesc Belenzinho a partir de 30 de setembro, mapeia a produção de artistas vindos desses continentes por meio de 130 trabalhos dos mais diversos: objetos, cadernos de artistas, pinturas, performances, instalações, fotografia e, claro, muitos vídeos.

“Nesta edição,  percebemos nas obras inscritas a recorrência de temáticas como o deslocamento, o pertencimento, e a discussão sobre territorialidade, que evidenciam as tensões e reflexões  de quem produz arte neste Sul geopolítico”, revela a assistente de artes visuais da Gerência de Ação Cultural (GEAC) do Sesc São Paulo, Nilva Luz.

Em paralelo, ocorre a exposição Seu Corpo da Obra, com dez instalações site-specific do dinamarquês Olafur Eliasson, que estarão espalhadas pelo Sesc Pompéia, Sesc Belenzinho e Pinacoteca do Estado. Esta será a primeira exposição individual do artista na América Latina, com trabalhos que dialogam com o espaço público.

“A escolha do Olafur é estratégica nesse momento de ampliação do festival, porque seus trabalhos não comportam nenhum tipo de limitação por linguagem”, afirma Solange Farkas, curadora geral do festival. De renome internacional, dialogará com jovens e consagrados artistas do Sul geopolítico, tais como Gisela Motta e Leandro Lima (Brasil-SP); Cinthia Marcelle (Brasil-MG); Eder Santos (Brasil-MG); José Villalobos Romero (México); Federico Lamas (Argentina); Moran Shavit (Israel); Gianfranco Foschino (Chile). Ao todo, são 98 participantes.

As ações educativas também marcam a 17ª edição, com o ciclo de seis oficinas para formação em Arte Contemporânea que ocorre desde agosto, no Sesc Pinheiros, e tem como foco a formação de educadores para as questões relacionadas à arte e sua inserção no ambiente escolar. Esta ação educativa será reforçada nas duas unidades durante todo o festival, que contará ainda com uma extensão da programação no Sesc TV. Mais informações no Em Cartaz.