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Relações intergeracionais como contribuição para a construção de uma cultura de paz

SANTIAGO PSZEMIAROWER
NORA POCHTAR

O mundo moderno está em mudança permanente e acelerada: “Cultura da velocidade”, que incentiva e toca todas as áreas da vida, da ciência e da tecnologia. A maneira de viver e pensar está em mudança vertiginosa e é simultaneamente causa e efeito das transformações que estão acontecendo hoje nas áreas de educação, indústria, medicina, família, costumes, política, vida social e econômica.

Como resultado do prolongamento da vida, o fenômeno da família tem sido acompanhado por uma prorrogação de duas e três gerações a quatro ou cinco gerações. Não é incomum hoje em dia que os pais de 40 a 50 anos tenham alguns de seus pais de 60 a 70 anos e os avôs de 80 a 90 anos. 

O envelhecimento, portanto, não é apenas um fenômeno individual ou social, mas também está relacionado com a família e sua ampliação. É possível que duas ou até três dessas gerações estejam no que se define como “fases de envelhecimento da vida”. Atualmente, há um maior número de crianças que conhecem seus avôs quando estes ainda estão vivos, e isso por um longo tempo. Portanto, um número maior de pessoas de um século atrás pode manter as relações entre avós e netos.

As crianças agem como “raízes” e tornam-se novas “raízes” desses avós, e, talvez, do país de origem. O avô sente-se vivo, tornando-se “sujeito” das identificações da criança.

É o comportamento dos outros, do ambiente social, que torna alguém consciente de sua idade. Na famosa frase “alguém é tão velho quanto se sente”, Lehr e Puschner (1), de acordo com sua pesquisa, propõem mudá-la, acrescentando: “Alguém é tão velho como se sente, mas à luz da atitude da sociedade ou dos que o rodeiam”. Parece então que estamos lidando com uma ação recíproca, ou seja, a influência cuja imagem que os outros têm de alguém exerce sobre a imagem que esse alguém tem de si próprio e vice-versa, não são apenas os problemas de saúde que os tornam conscientes de sua idade, mas também a atitude do ambiente social sobre o envelhecimento.

A criança só se coloca verdadeiramente no papel e na posição dos pais a partir do momento em que compreende que seus pais sofreram os mesmos efeitos da dinâmica do conflito edipiano que aquela enfrenta. Avós e bisavós também ajudam as crianças a se integrar no tempo.

No plano psicológico, podemos dizer que, quando teve de ceder o lugar de pai ou mãe para o filho, que por sua vez teve um filho, o idoso começa a buscar um lugar, para o qual muitas vezes não tem modelos. A perda de um lugar implica uma ameaça de marginalização: ficar sem lugar é como ficar sem projetos, e não ter projetos é não ter futuro.

As atividades que promovem as relações entre gerações são frequentemente desvalorizadas ou não são valorizadas o suficiente, mas muitos anos de experiências compartilhadas permitem afirmar que, em um mundo violento, individualista, onde reina a anomia, elas devem constituir uma contribuição essencial para a erradicação dos mecanismos violentos.

Vários autores e alguns documentos das Nações Unidas destacam a necessidade de promover o diálogo entre as gerações. O ano de 1999, declarado “Ano Internacional dos Idosos”, com seu lema integrador “Rumo a uma sociedade para todas as idades”, foi o cenário para atividades que tiveram como protagonistas crianças, jovens, adolescentes e idosos em quase todo o mundo. 

Em sintonia com o Ano Internacional, surgiu a Declaração de Quebec (2), da qual transcrevemos alguns artigos:

“Esta Declaração sobre a Solidariedade Intergeracional considera um ideal a ser atingido pelo respeito aos direitos e liberdades das pessoas, tornando-se uma obrigação moral para quem aderir a ela. Isso coloca grandes desafios em diferentes graus, de acordo com as regiões ou os países e as questões consideradas. Além disso, esta Declaração nos faz lembrar sobre a importância de reconhecer que a afirmação dos direitos implica a afirmação dos deveres.”

Artigo 1

Todas as pessoas são chamadas a viver de acordo com os valores humanos fundamentais, como o reconhecimento e o respeito pelo ser humano em suas múltiplas dimensões e no seu próprio desenvolvimento, em conformidade com as responsabilidades sociais que exigem a solidariedade intergeracional.

Artigo 2

Homens e mulheres de todas as gerações são chamados a fundamentar a solidariedade intergeracional no diálogo respeitoso, no senso comum e na abertura a todas as mudanças, que devem conduzir a compreensão recíproca e a transmissão mútua dos valores humanos.

Artigo 3

Homens e mulheres de todas as gerações são chamados a colaborar no desenvolvimento das comunidades que valorizam o ser humano em si mesmo e não o seu nível social, o que reforça a solidariedade em vez do individualismo.

Artigo 4

Para ter acesso a educação básica, ensino profissional e formação contínua, todas as gerações devem trabalhar juntas para encorajar os líderes da sociedade a garantir-lhes o exercício desses direitos.

Artigo 5

Todas as gerações devem se unir para participar no desenvolvimento da cultura, que é a base da identidade das comunidades. Como prova da evolução cultural, os membros de diferentes gerações devem promover suas próprias formas de expressão.

Artigo 6

Os idosos, que representam uma história viva, têm o dever de preservar o patrimônio cultural e de transmiti-lo, por todos os meios de comunicação que estejam a sua disposição, para outras gerações, que, por sua vez, ajudarão a proteger e desenvolver esse patrimônio. As diversas instituições, como família, instituições de ensino, meios de comunicação e empresas, devem contribuir para o desenvolvimento e a transmissão desse patrimônio cultural.

Artigo 7

Os governos, os formadores de opinião e a sociedade em geral devem incentivar as consultas das gerações, a fim de desenvolver um sentido de participação na coletividade. Todas as gerações têm o dever de promover interações sociais para criar e manter fortes laços intergeracionais.

Artigo 8

Os jovens e os idosos têm o direito e o dever de contribuir para o desenvolvimento da sociedade, e esta, em contrapartida, deverá oferecer os meios necessários para que possam assumir o seu próprio destino e participar ativamente na vida social.

Artigo 10

Toda sociedade, por intermédio de seus governantes e de suas instituições, deverá oferecer aos seus membros mais vulneráveis, quer por suas capacidades restritas ou por sua pobreza, a ajuda e todo o serviço adequado às suas necessidades específicas. As famílias que assumirem a custódia de dependentes devem poder contar com os diferentes tipos de auxílio estatais e outros recursos da sociedade, conforme necessário.

Artigo 18

Os grupos intergeracionais devem trabalhar juntos para encorajar os governantes a dar preferência, em suas escolhas econômicas, aos setores da educação, saúde e proteção social, assim como à proteção do meio ambiente para as gerações futuras.

A partir da literatura, também há contribuições feitas à essência do fortalecimento intergeracional.

“A transmissão de uma cultura, uma crença, uma genealogia, uma história, por um longo tempo parecia trabalhar por si. Pais, avós, família, o estilo de vida semirrural ou da cidade, o sedentarismo finalmente permitiram que não houvesse necessidade de levantar a questão com a acuidade que se exige hoje em dia. Em suma, parecia natural... Uma geração reproduzia as crenças, o estilo de vida, o dialeto ou a língua das que a haviam precedido... integrando lentamente as novas aquisições da técnica.”

“Ninguém duvida de que o desejo dos pais para preservar a história da família, que é uma tradição, responda a uma ilusão: continuarei vivendo os principais eventos dos meus filhos, quando eles cantarem, serei ainda eu o que canta; quando comerem este ou aquele prato, nesta ou naquela ocasião, estarei no alimento, e me alimentarei; quando, em momentos de tristeza ou de júbilo, eles utilizarem as palavras, as interjeições que eu costumava usar, eu ainda estarei lá...”

Em suma, transmitir uma tradição, uma história, apresenta-se como uma construção, em última análise porque o desejo de assegurar a continuidade na sucessão das gerações é apresentado como uma necessidade interior. A recepção de palavras e ações que são os veículos de herança não representa, de forma alguma, uma manifestação de passividade da criança, mas sim um ato de reconhecimento para com aqueles que fizeram a transmissão.” (3)

Por sua vez, o escritor espanhol Fernando Savater (4) afirma: 

“Aprender, por meio da comunicação com os semelhantes e da transmissão deliberada de padrões, técnicas, valores e memórias, é um processo necessário para adquirir a estatura humana plena. Para ser homem não basta nascer, mas há também de se aprender.”

Desde 1982 temos desenvolvido programas, tais como Encuentros Porteños en Plaza Dorrego; Los Abuelos cuentan nuestra historia; Rescate de oficios; Abuelas Relatoras (Asociación Abuelas de Plaza de Mayo), Experiencias con la Universidad de Buenos Aires, os quais confirmam que quanto antes se começa com crianças e adolescentes a trabalhar a intergeracionalidade, com aqueles que estão na fase idosa, etapa normal do desenvolvimento da vida, utilizando a Educação como ferramenta fundamental, os objetivos propostos serão refletidos em benefício de ambos os grupos sociais vulneráveis.

Relatos de algumas experiências

Em julho de 1982, foram feitos esboços gerais de uma proposta aos Grupos de Aposentados e Pensionistas, correspondentes à área, o que foi denominado Encuentros Porteños en Plaza Dorrego (5) 

A filosofia da proposta era realizar uma atividade para a comunidade, em que os idosos fossem os protagonistas. A Praça Dorrego, situada em um bairro populoso e acessível, San Telmo, Buenos Aires, Argentina, reúne características que a tornam adequada para essa atividade, já que está cercada por prédios baixos os quais lhe dão um clima de intimidade e calor. Ela foi totalmente ocupada.

É interessante notar que isso começou em 1982, em um contexto sociopolítico muito particular na Argentina, mesmo sob uma ditadura militar e um mês após o final da Guerra das Malvinas. No âmbito internacional, ocorreu a “Primeira Assembléia Mundial sobre o Envelhecimento”, em Viena.

Nas reuniões de trabalho, atividades diversas foram propostas a fim de selecionar as mais adequadas para atingir os objetivos, dando prioridade àquelas que permitiram a participação e integração de pessoas de todas as idades.

As tarefas eram distribuídas de modo que cada uma delas fosse de responsabilidade de dois aposentados, com destaque para o fato de que o grupo etário de idosos era composto de pessoas entre 65 e 80 anos. Além disso, a avaliação do andamento do projeto foi responsabilidade do grupo: em cada sessão se analisava criticamente o que fora feito, e os próximos encontros eram planejados.

A divulgação do projeto foi considerada essencial toda vez que se destinava a fazer conhecer a sua filosofia gerontológica, que considera o envelhecimento uma fase de vida ativa e que, na medida em que se acredita em um espaço e um núcleo de participação, seus componentes saudáveis podem desempenhar um papel dinâmico na sociedade, unindo esses conceitos no campo da medicina preventiva. Na divulgação, os idosos também foram os protagonistas que compareceram pessoalmente a entrevistas de rádio e televisão para fazer com que se conhecessem os Encuentros Porteños.

A Praça Dorrego foi dividida imaginariamente de acordo com diversos interesses:

• Artesanato (tecidos, papel de parede, cerâmica, máscaras, macramé, impressão em tecido, etc.);

• Arte (desenho individual, pintura coletiva);

• Jogos (jogos de salão, de habilidade, de tabuleiro, etc.);

• Cultural, que foi chamado de “Conheça a cidade por meio de seu povo”, onde se compartilhavam conversas, histórias e experiências sobre determinadas áreas ou funções do bairro. Ali os vizinhos se aproximavam e contribuíam com suas próprias experiências, como uma fonte de tradição oral.

As noites culminaram com um baile popular com a apresentação da orquestra Don Telmo, dirigido por Teófilo Ibáñez (82 anos), e que foi inteiramente composta por idosos. Com sua atuação, estimulava a participação na dança de pessoas de todas as idades, especialmente valorizada pelos idosos, e chegou a mobilizar pelo menos 500 participantes ao mesmo tempo, com a realização dos Encontros aos sábados por volta das 16 horas, nos meses de setembro a abril.

Assim que iniciadas as atividades programadas de Encuentros Porteños en Plaza Dorrego, observamos um fluxo acentuado de pessoas, com destaque para as crianças e os adolescentes. Verificamos novamente o excelente relacionamento entre os idosos e as crianças, já que atividades de lazer complementaram ambos os grupos etários, enriquecendo-os mutuamente. Como exemplo, podemos mencionar que os jogos aos quais aderiram mais crianças e jovens foram coordenados por um aposentado de 83 anos.

O projeto foi apresentado como uma atividade aberta a todos aqueles que desejassem participar, desde que a sua contribuição coincidisse com os objetivos; foi assim que se criou um coral espontâneo na Praça, bem como as aulas de dança de tango. O coral preencheu uma necessidade: conseguir que as pessoas cuja participação era mais passiva cantassem; e em geral as músicas, sempre selecionadas pelos idosos, refletiam a nostalgia de sua juventude.

Mais tarde, juntaram-se aos Encuentros Porteños várias instituições e grupos: Centro Argentino de Artesanos, com ensinos práticos, o coral La Tercera com Tango (interpretado por idosos de 60 anos), o grupo Títeres Libertablas e também Mané Bernardo e Sara Bianchi, Grupo de Candombe de la Asociación Amigos de la Manzana de las Luces, a Bohemia Jazz Band, e o Cuerpo de Baile del Centro de Galicia de Buenos Aires, o Coro del Hogar Obrero, a La Banda Sinfónica Municipal, etc.

Três anos de experiência no desenvolvimento de Encontros portenhos nos permitem tirar as seguintes conclusões:

• A vitalidade dos idosos foi demonstrada pela resposta positiva desse grupo quando lhe foi dado espaço e estímulos adequados.

• É de se destacar a consolidação do grupo e o crescimento de todos os seus integrantes.

• O fortalecimento da filosofia do projeto, que era o protagonismo dos idosos em todos os níveis de decisão.

• Não era apenas um programa para a família, mas com e para os idosos, com projeção comunitária.

• A interação de profissionais de diferentes áreas (psicólogos, médicos, arquitetos, sociólogos, assistentes sociais, profissionais de recreação, etc.), como enriquecimento mútuo por meio do intercâmbio de experiências e pontos de vista.

• Foi comprovada a capacidade de se realizar uma atividade múltipla, com recursos econômicos limitados, mas com preciosos recursos humanos, já que aqueles que se comprometeram com o projeto desde seu início perseveraram e o enriqueceram.

• Alcançou-se um “microclima” de distensão, participação e alegria nas pessoas, mesmo em momentos nos quais nosso país vivia situações de conflito.

Atualmente, somos capazes de dizer que esta experiência não se limitou à Praça Dorrego, pois já existem atividades em outras cidades. Felizmente usando o espaço público, para deleite dos seus idosos, crianças e jovens.

Programa Los Abuelos Cuentan Nuestra Historia (5)

A partir de uma proposta do Instituto Histórico de la Ciudad de Buenos Aires, realizada no início de 1985, foram convocados, por diversos meios, os idosos para a implementação de um novo ciclo que foi intitulado: Los abuelos cuentan nuestra historia, a fim de aproveitar a valiosa contribuição dos idosos, considerados “verdadeiros arquivos vivos”, com relação à história e aos costumes do país.

Nossa participação como psicóloga e médico geriatra, dedicados à Gerontologia, tinha a ver com trabalhar em conjunto com os profissionais do Instituto (acadêmicos e professores de História) pelas situações de conflito vividas quando os idosos contavam suas histórias, causando-lhes ansiedades que eram difíceis de conter, ao mesmo tempo em que se trabalhou de forma interdisciplinar para a seleção, na qual devem combinar o conteúdo de suas histórias e as características de suas personalidades.

Outra contribuição foi a escolha dos destinatários, ou seja, a quem as histórias seriam contadas; nesse ponto, embora a literatura nacional e internacional sejam escassas, de acordo com algumas experiências prévias de nossa tarefa profissional, sugerimos que os ouvintes fossem crianças. Junto surgiu a possibilidade de ligação entre o Instituto e as escolas primárias, também dependentes do âmbito municipal.

Destinatários

Alunos de escolas primárias mistas (7o ano) da Capital Federal, entre 12 e 14 anos de idade.

Metodologia empregada

Antes de cada encontro:

A) Motivação dos alunos em suas próprias escolas. 
Convite para o encontro. 
Ênfase de que o envelhecimento é uma etapa evolutiva da vida, e que eles serão também, em seu devido tempo, pais e avós.

B) Motivação para os avós-narradores.
Entrevistas pessoais e em grupos.
O objetivo de fazer com que conhecessem a si próprios.
Apresentá-los à dinâmica e antecipar-lhes quem seriam seus interlocutores.
A presença do médico geriatra permitiu a detecção de algumas dificuldades (audição, fala, ilação, etc.), indicando a conduta a ser seguida. Por estarem presentes a equipe interdisciplinar e os narradores, um bom nível de comunicação foi possível.

Dinâmica de cada encontro

Foi previsto que a duração máxima fosse de duas horas. Cada encontro teve início com as palavras do diretor do Instituto Histórico, que apresentou os coordenadores (autores deste trabalho) e os avós-narradores, hierarquizando a atividade.

Os coordenadores, por sua vez, deram os slogans com que trabalhariam:

20 minutos de exposição (por expositor) e 20 minutos para perguntas dos estudantes.

Lugar

Usamos parte de um grande salão onde os estudantes estavam sentados sobre um estrado atapetado e os idosos em um sofá na frente deles, com os coordenadores dos dois lados. Privilegiou-se a aproximação entre os dois grupos para criar um clima máximo de proximidade. Cada encontro teve a participação de observadores, os quais, assim como os professores acompanhantes, sentaram-se na parte de trás.

Aspectos mais destacados dos encontros

• A atenção constante com que as crianças ouviram as histórias e o respeito com que formulavam suas perguntas.

• Tudo o que escutavam os fascinava, desde os detalhes da vida pessoal (modas, jogos, namoro, diversão, amigos, etc.) até atividades políticas, transportes e, acima de tudo, as relações com seus pais e professores. 

• Houve duas questões que se repetiram: Você gostou de nascer ou viver sua infância nessa época? Considera o tempo de sua infância melhor que o atual?

• No final de cada encontro, as crianças desceram do palco, cercando os avós e cumulando-os com várias novas questões, mostrando seu carinho e gratidão, despedindo-se deles expressando seu desejo de voltar a ouvi-los.

Avaliação

Foram necessárias várias reuniões para a boa integração interdisciplinar e para unificar critérios e objetivos.

Quanto à periodicidade dos encontros, estes se realizaram durante o período escolar, mensalmente, com exceção de julho (férias escolares). Aproximadamente 35 alunos de ambos os sexos participaram dos encontros, e tinham entre 12 e 14 anos de idade.

A idade dos avós variou entre 62 e 87 anos (homens e mulheres). Os temas abordados foram bem variados; podemos mencionar desde um pintor de carrosséis até um funcionário que nasceu no século passado no bairro de La Boca, ou uma ex-atriz de revistas, até um médico que se formou aos 64 anos, assim como uma mulher que aos 59 anos se descobriu como museóloga, e tantas outras histórias acerca do nosso passado.

Após cada encontro, avaliações foram realizadas com os avós no Instituto. Com os alunos participantes estas se realizaram nas escolas, com foco principalmente nas mudanças em suas imagens sobre o envelhecimento.

Conclusões

• Os objetivos gerontológicos foram amplamente cumpridos, desde o momento em que se mostraram a flexibilidade e a capacidade de adaptação dos idosos e a possibilidade de realizar um diálogo enriquecedor entre as gerações.

• As narrativas de “Histórias de Vida” possibilitam o resgate cultural por transmissão oral, que permite às crianças conhecer, pela boca dos personagens, acontecimentos do passado imediato, e aos idosos revalorizar sua autoimagem.

• Em cada encontro, foi possível que as crianças internalizassem o idoso como fonte de sabedoria e experiência, e que os idosos tivessem uma abertura para aprender e ensinar, formando assim um ciclo de feedback e de educação permanente.

Comentário

Desde 1987 que, felizmente, colocando em prática o efeito multiplicador de execução da tarefas, começamos a gerar esses encontros em outras áreas (Centros de Aposentados, escolas, clubes desportivos, etc.) de várias províncias e municípios. É interessante notar que, ao se desenvolver essa atividade na Província de Jujuy, seus protagonistas a intitularam: “En el arco iris de la Vida, dos generaciones se dan la mano”.

Abuelas de Plaza de Mayo

É uma Organização da Sociedade Civil Argentina, conhecida mundialmente, criada há 33 anos, com o objetivo de recuperar os netos nascidos no cativeiro de suas mães, durante a última ditadura militar (1976-1983). Dos 500 procurados, 102 recuperaram sua identidade. Com o slogan “a semente da memória germina nas gerações futuras”, participam regularmente como Abuelas Relatoras a Escuelas a fim de compartilhar suas experiências e sua busca com meninas, meninos e adolescentes em todo o país. Gradualmente, a transferência geracional está ocorrendo e são alguns dos netos recuperados (cujas idades estão entre 28 e 33 anos) os quais assumem o objetivo essencial da busca e da transmissão desta fase cruel da História para as gerações mais jovens.

Atualmente, várias expressões de Arte e Cultura, como, por exemplo, Teatro e Música para a Identidade, juntaram-se ao nobre trabalho das Avós. É admirável como essas mulheres, algumas delas bem idosas, não só aprofundaram os objetivos da sua luta, mas conseguiram interagir com outras gerações, tornando-se um modelo de perseverança e coerência.

EXPERIENCIA FÁBRICAS RECUPERADAS (6) – em torno da atividade de trabalho de idosos que estão incluídos, por sua vez, no fortalecimento dos vínculos intergeracionais.

Até começar este século, vínhamos de três décadas, nas quais quase todos os países latino-americanos sofreram transformações dramáticas nas suas estruturas econômicas e sociais. A grande maioria deles foi submetida a uma reforma política profunda, que visava reduzir a despesa pública e social e redefinir os modos de intervenção do Estado na vida econômica, social e educacional. Assim, muitos dos estados da região transformaram o seu papel de fiadores e promotores dos direitos sociais, incluindo o direito ao trabalho, em uma função meramente subsidiária atravessada pela lógica do mercado.

Felizmente, na Argentina, estão sendo tomadas decisões que tentam reverter situações de tanta desigualdade, como, por exemplo, o Programa de Inclusión de Jubilaciones (ANSES). O sistema foi concebido para neutralizar os efeitos de quase duas décadas de altos níveis de trabalho irregular sem as contribuições de seguridade social.

Para a OIT, embora haja trabalhadores que têm de continuar a trabalhar por causa de sua precária situação econômica, é bastante frequente que outros aposentados exerçam uma atividade econômica totalmente diferente, comecem uma nova carreira ou se dediquem a algum negócio por conta própria. Por sua vez, para a OMS, uma característica essencial dos trabalhadores mais idosos é que eles têm experiências que lhes permitem compensar os déficits em relação às outras de idade. À medida que a capacidade diminui com a idade, aumenta a experiência, e a soma desses dois fatores determina a capacidade do trabalhador. 

a) Cooperativa de Trabajo Maderera Córdoba,

Um dos muitos empreendimentos trabalhistas que na Argentina surgiram a partir dos anos de 2001-2002.

A Maderera Córdoba S.A.. contava meio século, especializada na fabricação de molduras antigas e mobiliário com um nível de qualidade que, em algumas áreas, não havia concorrência. Após a morte do fundador, esposa e filha assumiram a direção, e a empresa começou a decair, como resultado de má gestão, mas, sobretudo, pela crise geral do país e da concorrência de alguns hipermercados. Em 2001, entrou em crise e, de modo cada vez mais precário, continuou funcionando até dezembro de 2003, ano em que um juiz de falências ordenou o fechamento. Do local vizinho, onde funcionavam os escritórios, um grupo de homens e mulheres idosos continuou trabalhando com limitações. Em 1o de julho de 2004, constituídos em Cooperativa, conseguiram a lei de expropriação temporária para as máquinas e a propriedade, recuperando gradualmente antigos clientes. Produzem duas vezes e meia mais do que quando começaram, mas ainda estão em 50% do ideal. Foram subsidiados pelo Governo da Cidade de Buenos Aires para colocar o maquinário em condições e reabrir a sala de vendas.

O prédio total da madeireira é de 2.500 metros quadrados, o que permite que o projeto cresça além do comercial. Acima dos escritórios, funciona uma escola secundária para jovens e adultos. No que foi um estacionamento, logo será inaugurada uma escola maternal aberta à comunidade. Eles sonham em abrir uma escola em que os trabalhadores da fábrica recuperada possam se capacitar em áreas a que não pertencem (marketing, vendas e informática) e também em ter cada vez mais pessoas jovens para formar e assim criar um esquema de produção e trabalho que seja sustentado no futuro.

b) Experiência da Fábrica de Blocos (para a construção)

Na cidade de Villa Gesell, Província de Buenos Aires, Argentina, a 400 km da capital, com características semelhantes às da madeireira, esteve mais de dez anos com as portas fechadas. Desde 2004, com o renascimento da construção, inicia a produção de novo e, em seguida, a incorporação dos trabalhadores; é emblemática a relação entre as pessoas idosas (80 anos) e quem ingressa como aprendiz (com 28 anos). Embora a fábrica opere, dadas as suas características, com um pequeno grupo de pessoas, é evidente o feedback intergeracional.

Programa de Rádio In Compagnia

Desta forma Elizabeth, de 31 anos, bacharel em Comunicação Social e jornalista, descreve a experiência:

“Minha avó tem 83 anos e em toda a sua vida foi professora e diretora de Escola Rural; ela morava em Bolívar e lá trabalhou toda sua vida. Eu cresci com Rosita e com meu avô como referências; recordo-me que sempre, uma vez aposentada, ensinou, sempre teve “alunos particulares”, e o meu avô, Diosnisio, ensinava matemática... 

Com o passar do tempo e as perdas, Rosita afundou-se em literatura, pesquisa, escrita e redação... Assim nasceram milhares de histórias e com elas vieram alguns prêmios. 

Literatura, para a minha avó, prolonga a vida, permite crescer, imaginar, pensar, brincar e até atuar; graças a isso, ela continua a testemunhar a minha vida e a da minha família.

Por isso, pensei que Rosita poderia ter o seu “espaço” no meu programa de rádio: “In Compagnia”. Assim, por mais de cinco anos, Rosita e eu fazemos juntas esse programa de rádio: ela lê suas histórias e eu compartilho o teor com minha avó...”

Experiência na Universidade de Buenos Aires

O Carrera de Trabajo Social de la Universidad de Buenos Aires (UBA) tem uma matéria “prática profissional” na qual os alunos, entre uma série de opções, devem escolher um tema específico, e onde estudá-lo. Assim, entre 2005 e 2008, muitos expressaram seu interesse em matéria de “Direitos Humanos das Pessoas Idosas”, firmando-se um convênio com a Assembléia Permanente pelos Direitos Humanos e sua Comissão “Os Idosos e seus Direitos”.

No decorrer de cada ano, havia propostas em diversas atividades, destacando a organização de encontros intergeracionals com temas como sexualidade, qualidade de vida na velhice, preconceitos sociais, etc. 

Os alunos assumiram a organização e os convites para os idosos (em alguns casos, seus próprios avós e avôs); foram espaços de reflexão e formação para ambos os grupos etários, de enriquecimento mútuo, sem dúvida.

Nas avaliações após cada encontro, os idosos disseram que eram capazes de trocar “como se fossem seus pares, sem barreiras com relação à idade”, ansiosos para repetir a experiência. Por seu lado, os alunos salientaram a liberdade e o fluxo de afeto e respeito no clima obtido, sem deixar de expressar sua admiração por esses idosos tão comprometidos, para os quais pretendem orientar sua futura atividade profissional.

Palavras finais

Percebemos que apenas com a recuperação dos valores morais e o exercício da igualdade social genuína podemos avançar, construindo uma nova cultura: a cultura da vida, da paz e da convivência harmônica, solidamente construída sobre valores como o amor, o respeito pela vida em todas as suas manifestações, a liberdade, a solidariedade, o respeito pelos direitos humanos, a tolerância às diferenças em uma democracia participativa.

É um verdadeiro desafio destinado a eliminar os estereótipos e os rótulos negativos que marcam o envelhecimento, enfatizando nisto o lado positivo, dando maior ênfase nas habilidades que nas inadequações, e na variabilidade em vez da uniformidade.

Bibliografia consultada

(1) Psicología de la Senectud de Ursula Lehr Ed. Herder 1980.

(2) Declaración de Québec (sobre la Solidaridad Intergeneracional). Ciudad de Québec, 23 de mayo de 1999. Año Internacional de las Personas de Edad (Naciones Unidas). Construyendo una Sociedad para Todas las Edades

(3) Los Contrabandistas de la Memoria Jacques Hassoun. Ed. de La Flor. 1996

(4) El valor de educar de Fernando Savater

(5) Libro Ancianidad y Derechos Humanos Asamblea Permanente por los Derechos Humanos Buenos Aires 2000.

(6) Ponencia en el Seminario Internacional, Camino a Madrid+5. Santiago de Chile, CEPAL-CELADE, 20 de Abril 2007.