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Contribuição da atividade física em idosos com demência

Introdução:

O crescimento da população de idosos no Brasil e no mundo é uma realidade cada vez mais evidente, estimativas populacionais  apontam que o Brasil até o ano de 2025 terá uma população de idosos maior do que 32 milhões de pessoas, o que representará aproximadamente 15% da população brasileira total; e resultará num crescimento de 300% na população de idosos (1).

A alteração notada na pirâmide etária é reflexo do aumento da expectativa de vida dos idosos em nossa sociedade e, atrelado a esse acontecimento, cresce a necessidade de produções científicas que se atentem para o cuidado com as alterações, e com os distúrbios mais comuns e frequentes nessa faixa etária.

O envelhecimento é um processo fisiológico que apresenta uma dinâmica contínua e irreversível, repercutindo nos indivíduos em alterações de natureza bio-morfofuncional. As consequências da evolução desse processo incluem a diminuição da capacidade individual de adaptação ao meio ambiente, o que torna a saúde do idoso mais suscetível a complicações (2). Essa predisposição surge como resultado de modificações e disfunções nos diferentes sistemas.

Algumas disfunções são comumente observadas em idosos; ressaltamos aqui a importância da merecida atenção à saúde mental desses indivíduos, pois as desordens mentais acometem 20% da população idosa, com especial destaque para as demências (3).
Sabemos que inúmeras vantagens sobre a prática do exercício físico regular e supervisionado, que proporciona um melhor equilíbrio da fisiologia corporal e mental, estão descritas na literatura, necessita-se, entretanto, de uma análise mais cuidadosa sobre a relação entre exercício ou atividade física e suas repercussões diante do transtorno demencial.

Método

O delineamento metodológico deste estudo caracteriza-se como estudo de revisão sistematizada da literatura, orientado pela busca bibliográfica nas bases de dados SciELO, PubMed, Lilacs e Cochrane, a partir dos descritores e operadores booleanos: dementia OR cognitive changes AND exercise OR physical activity.

A busca foi conduzida em outubro de 2012 e os estudos selecionados foram aqueles que investigavam de alguma forma a relação entre a atividade física com a demência em idosos, e, ainda, utilizou-se o critério de atualidade dos estudos, sendo selecionados apenas os estudos sobre o tema publicados nos últimos cinco anos.

Resultados

Um total de 27 estudos foi encontrado nas bases de dados utilizando os descritores já mencionados. Desses estudos 8 foram  eliminados desta análise, pois não atendiam o critério de atualização, preconizado neste trabalho, que consiste na seleção apenas de trabalhos publicados nos últimos cinco anos. Outros 9 estudos foram também descartados, pois não faziam a correlação entre atividade física e demência. Dessa forma, apenas 10 estudos, foram incluídos nesta revisão.

Discussão

A demência é caracterizada por déficits progressivos de diversas funções cognitivas, levando a prejuízo do pensamento e  planejamento, perdas funcionais e sociais. O termo demência vem do latim “de” (privação) e “mens” (inteligência). Na prática clínica observa-se que existem quatro principais causas de demência: a doença de Alzheimer, a demência vascular, demência com corpos de Lewy e demências frontotemporais (4). Cada um desses quadros tem suas características próprias e relaciona-se com fatores biológicos, sociais e patológicos (5).

Entre as pessoas idosas, a demência faz parte do grupo das mais importantes doenças que acarretam declínio funcional progressivo e perda gradual da autonomia e da independência. A incidência e a prevalência das demências aumentam exponencialmente com a idade (2).

A demência configura-se como uma relevante questão de saúde pública, e encontra-se em constante crescimento da prevalência, sobretudo em países em desenvolvimento; dados relacionados ao nosso país apontam que a prevalência de demência chegou a 7,1% para as pessoas com mais de 65 anos de idade. Entre esses pacientes de demência, 54,1% foram diagnosticados com a doença de Alzheimer; 9,3% com a demência vascular; e 14,4% com demência mista (Alzheimer com componente vascular); e ainda 0,1% corresponde à demência clássica, que se caracteriza por uma disfunção persistente e progressiva das funções cognitivas. Todas as alterações relacionadas a este quadro levam a comprometimentos variáveis, os quais interferem em diversos aspectos na vida diária (2,6).

Para que se estabeleça o diagnóstico sindrômico de demência, é necessária avaliação objetiva da função cognitiva, além do desempenho em atividades da vida diária. O Miniexame do Estado Mental (MEEM) é um teste clínico capaz de rastrear comprometimento e declínio do estado cognitivo.

Apesar de, isoladamente, não ser capaz ao diagnóstico de demência, o MEEM pode detectar quadros de perda cognitiva,  diferenciando do processo de senescência, que prediz o desenvolvimento da síndrome demencial (5).

Estudo realizado em 2008 apontou que existem várias dificuldades no diagnóstico diferencial entre os tipos de demência, isso ocorre em razão da proximidade dos tipos, em várias de suas características (7).

A demência de Alzheimer é a mais frequente, trata-se de uma doença cerebral degenerativa primária, de etiologia pouco conhecida,
com aspectos neuropatológicos e neuroquímicos característicos (2).

Degeneração lobar frontotemporal, demência com corpúsculo de Lewy e doenças cerebrovasculares constituem outras causas de demência, as potencialmente reversíveis (hidrocefalia de pressão normal), associadas a tumores, entre outras, compõem os diagnósticos diferenciais, mas confirmadas apenas após o exame anátomo-patológico (4).

As variadas causas de demência apresentam cursos clínicos diversos, genericamente apresentam declínio progressivo
dos aspectos cognitivos e funcionais, cuja velocidade depende de características intrínsecas, como a reserva neuronal, e extrínsecas, como a estimulação de diversos domínios cognitivos após o início da doença (4).

Frequentemente os idosos vivenciam a dificuldade de armazenar informações e de resgatá-las, o que prejudica seu desempenho
e que pode trazer riscos para sua saúde e segurança, afetando negativamente seu cotidiano, além de resultar em prejuízo ocupacional e social diante dessas alterações decorrentes da velhice, levando muitos ao autoabandono, à perda da autoestima e a seu isolamento da sociedade e até mesmo do ambiente familiar. No entanto, alguns idosos conseguem recorrer a várias estratégias para lidar com esses eventos de vida estressantes e com as demandas do dia a dia, utilizando recursos pessoais, sejam eles físicos, psicológicos ou de competência ambiental, tais como recursos materiais e suporte social e ainda familiar (5).

Diferentes impactos sociais e econômicos são resultantes da demência e, neste sentido, é de grande importância a determinação de fatores associados ao seu desenvolvimento, possibilitando o reconhecimento de ferramentas úteis na prevenção e no retardo da evolução dessa síndrome (5).

Entre os agentes relacionados com os processos mentais, vários estudos têm relatado que a atividade física reduz sintomas neuropsiquiátricos e melhora a funcionalidade dos pacientes com demência, além de reduzir a sobrecarga do cuidador. Apatia, sintomas depressivos, distúrbios do sono e agitação são alguns sintomas comumente combatidos pela prática da atividade física, resultando em bem-estar emocional e potencialização da capacidade funcional (8).

Observa-se, portanto, o especial destaque assumido pela atividade física, bem como pela atividade mental, em relação ao risco do desenvolvimento de demência (4).

A atividade física é qualquer tipo de contração muscular que pode ou não levar ao movimento, independente da finalidade: postura, trabalho, locomoção, esporte ou lazer. O exercício físico é conceituado como uma forma especial de atividade física, planejada, sistematizada, progressiva e adaptada ao indivíduo, sempre com o objetivo de estimular uma ou várias adaptações morfológicas e/ou funcionais (9).

Além das alterações associadas à própria demência, com a progressão clínica da doença surgem alterações que se manifestam
fisicamente nos idosos, como os déficits de marcha, hipertonia, incordenação motora, movimentos involuntários, tremores e instabilidade postural (4).

Essas alterações por si já justificariam a necessidade da prática de exercícios corporais/atividade física a fim de preservar/incrementar a capacidade motora desses indivíduos. Alguns estudos têm apontado a atividade física como um importante fator não farmacológico na estratégia de saúde pública e de gestão de sintomas neuropsiquiátricos (2).

Um recente estudo analisando os efeitos do exercício sobre o risco de demência em idosos obteve resultados que apontam para um risco mais baixo de todas as causas de demência, no grupo de pessoas que pratica atividade física (10).

Em 2011, um estudo analisando 59 pacientes portadores de doença de Alzheimer ou demência vascular constatou que aqueles que são praticantes de atividade física tiveram menos sintomas neuropsiquiátricos do que aqueles que não a praticavam (2).

Em estudo realizado em 2010 com 393 pessoas com mais de 80 anos de idade, observou-se que existe uma associação entre a prática de atividades físicas e mentais e a diminuição da perda cognitiva em idosos, reduzindo, consequentemente, o risco do desenvolvimento de demência. Entretanto, a prática isolada de atividade mental foi fator mais eficaz em minimizar o déficit cognitivo do que a de atividade física (5).

Tal fato pode estar relacionado ao admirável desempenho cognitivo de idosos que se mantêm ativos mesmo após entrar em fase de aposentadoria, não aceitando tal situação como um marco para um descanso prolongado e a inatividade física e mental injustificada.

Por meio de uma meta-análise, concluíram que o exercício físico é protetor contra o futuro risco de demência e reduz o risco de demência de Alzheimer (10).

No entanto, em revisão sistemática realizada em 2009, os autores concluíram que não há evidência suficiente capaz de determinar se um programa de atividade física é ou não benéfico para pessoas com demência (11).

As hipóteses sugeridas para explicar a influência de atividades de lazer na redução da perda cognitiva são o estímulo à neurogênese e à sinaptogênese produzidas por fatores neurotróficos, que teriam sua produção aumentada durante a prática regular dos exercícios, e à possível ampliação da reserva cognitiva, que ocorreria particularmente em idosos com manutenção de atividades com maior estímulo cognitivo por longo período. Entretanto, não há consenso sobre qual das modalidades de atividade, físicas ou mentais, exercem efeitos mais pronunciados no retardo ou na prevenção da perda cognitiva na população idosa, ou se esses
efeitos são semelhantes (5).

Em recente estudo publicado recentemente, seus idealizadores verificaram que seis meses de um programa de exercícios multimodal estão associados a uma redução dos sintomas neuropsiquiátricos de pacientes com demência do tipo Alzheimer e contribuíram para a atenuação do comprometimento no desempenho de atividades instrumentais de vida diária em mulheres idosas. Entretanto apontou-se que os resultados obtidos devem ser interpretados com cautela, dadas as limitações significativas do estudo, indicando a necessidade de um número maior de participantes a fim de apoiar os achados sobre os efeitos positivos de um programa de exercícios em transtornos neuropsiquiátricos. Reafirmando ainda que mais estudos controlados e randomizados devem ser realizados (12).

Ainda não foi estabelecido se a prática isolada de atividades físicas reduz o risco de demência. Isso pode ser explicado pela dificuldade na separação das atividades físicas sem qualquer estímulo cognitivo daquelas que possuem um componente cognitivo em sua realização. Quando foi analisada a influência de atividades predominantemente físicas (como caminhada, corrida, ciclismo e natação), não foi demonstrada redução significativa no declínio cognitivo (5).

Em similar revisão sistemática com o objetivo de revisar os estudos que analisaram o efeito da atividade física sistematizada no desempenho cognitivo em idosos com doença de Alzheimer, concluíram que não foi possível estabelecer um protocolo de recomendações a respeito do tipo e da intensidade da atividade física sistematizada necessária para produzir benefícios no funcionamento cognitivo. No entanto, a prática regular de atividade física sistematizada parece contribuir para a preservação ou mesmo melhora das funções cognitivas em pacientes com doença de Alzheimer (13).

Em análise congênere, observando-se os efeitos da atividade física sistematizada nos sintomas de depressão de pacientes com demência de Alzheimer, concluiu-se que não há consenso em relação aos benefícios da atividade física aos sintomas depressivos em pacientes com demência de Alzheimer (14).

Também neste sentido se verificou em 2011, em um novo grupo de pesquisadores, que parece não haver um consenso sobre qual o melhor tipo de atividade para esses pacientes, apesar de se concluir que bons resultados têm sido evidenciados para os distúrbios de agitação e sono de pacientes com demência de Alzheimer (15).

Por fim, verificamos que um estudo que data de 2010, ao analisar os efeitos de um programa de atividade física regular sistematizada e supervisionada sobre as funções cognitivas, o equilíbrio, o risco de quedas em idosos com demência de Alzheimer, observou que houve interação estatisticamente significativa em seus resultados, apontando que a atividade física parece representar uma importante abordagem não farmacológica, beneficiando as funções cognitivas e o equilíbrio, com diminuição do risco de quedas. Além disso, a agilidade e o equilíbrio estão associados com funções cognitivas em idosos com demência de Alzheimer (1,6).

Conclusão

Observa-se uma provável associação positiva entre a prática da atividade física e o aumento do nível cognitivo ou a consequente diminuição do risco de desenvolvimento da demência, contudo fica claro que essa relação ainda carece de comprovação, pois  grande parte dos trabalhos analisados mostra apenas uma tendência à demonstração desses benefícios.

Existem ainda poucos estudos que correlacionam a prática de atividade física com a demência ou mesmo com os sintomas neuropsiquiátricos.
Necessita-se ainda de trabalhos mais aprofundados nesta área, no intuito de melhor explorar este tema, que atualmente, apesar de mostrar evidências emergentes, apresenta-se ainda insuficiente no que se refere às especificações quanto aos exercícios mais adequados, bem como quanto a uma quantificação mais exata acerca desse potencial benefício.

É importante ressaltar que a prática regular de exercícios físicos, por idosos, beneficia o indivíduo nos diferentes aspectos relacionados à saúde, com base na própria fisiologia do envelhecimento. Os ganhos oriundos da atividade corporal por esses indivíduos praticantes são inegáveis e indissociáveis, independente de serem acometidos ou não por quadro demencial.

Referências bibliográficas

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Autores:

Carla Lúcia Penha Cardoso é psiquiatra, mestre em Ciências Biológicas – Fisiologia e coordenadora de tutoria da Unasus-UFMA.

Kleyton Costa Silva é fisioterapeuta e especialista em Saúde Mental pela Unasus-UFMA. E-mail: kleytoncs@hotmail.com.