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A aparência é fundamental

A cada mês, 7 mil novas empresas do ramo / Foto: Zé Carlos Barretta/Folhapress
A cada mês, 7 mil novas empresas do ramo / Foto: Zé Carlos Barretta/Folhapress

Por: SILVIA KOCHEN

Amélia já morreu. Aquela que “não tinha a menor vaidade”, o famoso samba de Mário Lago e Ataulfo Alves composto em 1942, deu lugar a uma mulher completamente diferente 70 anos depois. A Amélia do século 21 compra comida pronta, dirige seu próprio carro e, ao contrário de outrora, considera o tempo despendido diante do espelho não como uma futilidade, mas como um sinal de autoestima. E, até mesmo, como um investimento profissional já que a apresentação passou a contar (muitos) pontos no currículo. Crentes na famosa máxima do “poetinha” Vinicius de Moraes de que “beleza é fundamental”, as brasileiras hoje gastam verdadeiras fortunas em produtos e serviços para melhorarem a aparência e ficarem mais bonitas. O aumento da renda de parte da população está por trás dessa reviravolta, dando suporte ao avanço de um segmento empresarial que ganha notória importância: mensalmente, são abertos cerca de 7 mil novos negócios na área de beleza em todo o país, segundo o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae).

Os números falam por si. A maioria dos estabelecimentos do ramo de beleza atende pelo nome de salões de cabeleireiros (o setor ainda abriga spas, clínicas de estética e de cirurgia plástica, entre outros). Em fevereiro de 2012, havia quase 185 mil deles no país e, conforme pesquisas, no mesmo período deste ano o número pode ter saltado para 265 mil, um crescimento de 43%.

Os salões de beleza de São Paulo, que respondem por 28,7% deste total, com 76.171 unidades em funcionamento, apresentaram uma taxa de expansão de 48,2% nos doze meses acumulados em fevereiro passado. Isso explica, por exemplo, a mudança no ranking setorial dos estabelecimentos em início de atividade na capital paulista, segundo dados da Junta Comercial do Estado de São Paulo (Jucesp). Os números de registros em cartório mostram que o segmento de beleza já supera as lanchonetes e os empreendimentos similares como casas de chá e de sucos. Não é apenas isso. Os valores movimentados por esse mercado também não deixam dúvidas sobre o vigor deste ramo da economia, cujo faturamento avançou a um ritmo médio de 10,5% anuais desde o final dos anos 1990. Pesquisa da Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (ABIHPEC) revela que o Brasil já é o terceiro maior mercado consumidor do mundo nessa área, atrás dos Estados Unidos e do Japão, com um movimento de R$ 34 bilhões em 2012.

O grande combustível desse mercado, atualmente, é o aumento da renda de parcela das famílias brasileiras de uns anos para cá. As classes B, C e D, em linhas gerais, são as principais responsáveis por essa expansão, e a estimativa é que elas continuarão consumindo os produtos e serviços desse setor. Segundo a GS&MD – Gouvêa de Souza, consultoria de varejo, marketing e distribuição, no ano passado, cada brasileiro gastou, em média, R$ 112 por mês, com a aquisição de produtos de beleza e higiene pessoal. Por isso, o Brasil já é o primeiro do mundo em vendas de desodorantes; o segundo em itens de higiene oral, de proteção solar, de produtos para os cabelos e banho, e de perfumaria; o quarto em cosméticos e colorantes; o sexto em produtos para a pele e o oitavo em depilatórios.

“A vaidade em alta”

Claudiana Costa de Oliveira Silva é uma das muitas brasileiras que decidiram investir em negócio próprio e escolheram o ramo de beleza para crescer. Baiana, 33 anos, conta que começou a trabalhar como ajudante de cabeleireiro aos 17 anos em sua cidade natal, Santaluz, a três horas e meia de distância de Salvador. Como tem três irmãos que moram em São Paulo, ela costumava passar seis meses do ano na capital paulista, onde prestava serviços em domicílio de manicure e cabeleireira. Em 2007, ao engravidar de sua primeira filha, resolveu se mudar definitivamente para a cidade mais populosa do país.

“Eu ia de casa em casa atendendo a clientela durante todo o dia”, conta ao descrever a rotina cansativa dos profissionais autônomos. Suas clientes, frequentemente, pediam serviços que, à época, ainda constituíam novidades no mercado, tais como mechas, luzes e técnicas de corte, por exemplo, situação que a obrigou a se atualizar para não ser desalojada do mercado. Enquanto mantinha aquela vida andarilha, como ela define seu trabalho em tempos passados, Claudiana fazia cursos de técnicas específicas. “O dinheiro que eu ganhava pagava o aluguel, as contas e os cursos”, recorda.

A perspectiva de vida dessa retirante nordestina começou a mudar, de fato, depois de seu segundo casamento. Separada do primeiro marido, ela teve a sorte de encontrar uma pessoa que lhe estendeu as mãos. “Deixei de arcar sozinha com os gastos da casa, e foi isso que permitiu que eu me tornasse uma profissional”, diz Claudiana. Ela conta que até trabalhou em um salão de beleza, mas o horário incerto de saída a deixava agoniada, já que precisava buscar as crianças na creche. Diante do impasse, o atendimento em domicílio ganhou novamente espaço na sua rotina de trabalho. Como a clientela só aumentava, ela foi ficando fisicamente cansada. Foi então que decidiu abrir seu próprio salão, incentivada pelo marido e pelos professores da escola de cabeleireiro.

“Aluguei um espaço que era usado como garagem e fui atrás de tudo; instalei medidores de água e de luz e abri o salão no início de novembro de 2012, assim que terminei meu curso”, relembra orgulhosa. A cabeleireira conta que a instalação de um biombo dividiu o salão em dois: a parte da frente é reservada ao atendimento das clientes; a de trás tem um pequeno espaço de uso familiar. “Aqui minhas filhas tomam banho assim que chegam da creche, comem e descansam enquanto esperam a hora de voltarmos para casa.” Esse compartimento ainda é aproveitado pela nova empresária para lavar e passar suas roupas.

Claudiana não sabe exatamente quanto gastou na montagem de seu negócio, que ainda é carente de muita coisa. O espelho, ganhou, mas investiu na aquisição de uma cadeira usada e de vários outros itens, como toalhas, esmaltes, produtos para escova progressiva e cauterização. O lavatório havia comprado antes, quando atendia em casa, mas pretende trocá-lo assim que sobrar dinheiro. “Fiz um empréstimo de R$ 2 mil e não deu para nada”. Preciso me organizar para ter controle sobre as despesas e os lucros”, conclui. Claudiana avalia que ainda está na fase do “conseguir pagar”, pois ainda precisa de uma cadeira e de um lavatório novos. Seus planos são de crescimento, pois, afinal, “a vaidade está em alta e hoje até os homens estão frequentando os salões para fazer luzes”, comenta a cabeleireira.

Boa parte dos novos centros de beleza foi fundada por cabeleireiros que vinham trabalhando como profissionais autônomos e, assim como Claudiana, resolveram formalizar o negócio. “Não é difícil abrir um empreendimento do gênero, mas muitos acabam fechando por problemas de gestão”, observa Elderci Garcia, consultora técnica do Sebrae-SP na área de negócios do setor de beleza. Entre os problemas que mais atrapalham os empresários do ramo sobressaem, por exemplo, a dificuldade em avaliar custos, de separar contas pessoais das contas da empresa e problemas no campo das relações trabalhistas.

Interesse dos jovens

É comum que a sala da casa seja transformada para receber o salão de beleza – pelo menos esta é a história de boa parte dos empreendimentos do ramo. Os jovens empresários fogem do aluguel, mas acabam tirando do caixa da empresa nascente o dinheiro para saldar uma série de compromissos da família. Esse profissional é levado, muitas vezes, a atender às necessidades domésticas com produtos retirados do salão. Enfim, ele se torna refém de uma situação que dificulta calcular os custos do empreen­dimento. Quando a empresa cresce, contrata outros profissionais mediante pagamento à base de comissão e, não é raro, acaba sendo surpreendido com um processo trabalhista.

Elderci acredita que o avanço no mercado dos salões de beleza – além do fato de que o ambiente econômico é propício para essas investidas – está intimamente ligado à figura do Microempreendedor Individual (MEI), criado pela Lei Complementar nº 128, de 19 de dezembro de 2008, e que versa sobre as atividades das pessoas que trabalham por conta própria e aderem à legalização como pequeno empresário. Mediante o pagamento de uma irrisória taxa mensal, o cabeleireiro que ganha até R$ 60 mil por ano pode formalizar seu negócio e passar a ter acesso a uma série de benefícios como previdência social e linhas de crédito específicas. Além disso, a regulamentação das profissões de cabeleireiro, manicure, pedicure, depilador, esteticista, barbeiro e maquiador, em janeiro de 2012, serviu de estímulo para a legalização dos empreen­dimentos. “Avaliamos que hoje, 43% dos MEIs pertencem ao setor de beleza”, afirma Elderci. Ela revela que por conta disso, o Sebrae tem grupos de trabalho específicos para esse ramo empresarial, que oferecem cursos e assistência em gestão. A entidade também mantém um convênio com a L’Oréal, indústria de cosméticos de capital francês e que está entre as líderes desse segmento em escala mundial, utilizando a força de sua marca mais popular – Matrix – para capacitar tecnicamente profissionais do cabelo.

A Escola Teruya, uma das mais tradicionais instituições de formação de cabeleireiros de São Paulo, destaca que o perfil das pessoas desejosas de ingressar na profissão está mudando. “É cada vez maior o número de jovens que querem entrar no negócio, um quadro que contrasta com o cenário de antigamente, quando a maioria era formada por indivíduos mais velhos, que, em muitos casos, não estavam satisfeitos no emprego e optavam pela prestação de serviço no ramo de beleza”, evidencia o empresário César Teruya, proprietário do estabelecimento. A procura pelo curso profissionalizante, só com aulas práticas de técnicas de cabelo ou de unha, também avançou bastante nos últimos cinco anos. Fundada há 45 anos, a Teruya vinha mantendo uma média de 500 alunos em três de suas unidades paulistanas (Centro, Penha e Pinheiros) número que, recentemente, aumentou em 40%. Todavia, observa Teruya, nem todos os alunos continuam. “Muitos optam pelo curso num primeiro momento porque estão desempregados, mas logo abandonam as aulas assim que arrumam uma ocupação.” Uma outra revelação do dono da Escola Teruya também serve para esclarecer as desistências: não são poucos os que descobrem que aquela não é a profissão de seus sonhos. Parte dos alunos ainda reclama do ritmo das aulas, que os obrigam a ficar horas em pé com os braços em posições desconfortáveis, é muito cansativo. Normalmente, o índice de abandono é da ordem de 20% a 30%.

Normas técnicas

O Instituto Embelezze é outro exemplo de empresa voltada especificamente para o mercado atendido pelos milhares de cabeleireiros espalhados por todo o país. Proveniente de uma indústria de cosméticos que, há mais de 40 anos, fabrica produtos para os cabelos (atualmente são mais de mil itens), o instituto iniciou suas atividades em 1998 e, desde o começo, tem suas ações voltadas para a qualificação e a certificação de profissionais de beleza. Há 13 anos, quando abriu várias unidades de treinamento para orientar os profissionais a usarem corretamente seus produtos, a indústria do grupo, que também se chama Embelezze, constatou que a demanda era grande, conta Paulo Tanoue, principal executivo do Instituto Embelezze. Anos atrás, quando operavam sob seu comando 97 unidades, a empresa decidiu expandir a rede por meio de franquias, relata. Hoje, os números do Instituto Embelezze surpreendem: são mais de 315 unidades em operação (com a ajuda do sistema de franchising, a expectativa é que esse número chegue a 500 até o fim do ano que vem), cerca de 15 mil alunos e crescimento médio de 35% ao ano.

Os cursos do Embelezze abrangem desde a parte prática, com técnicas profissionais, até gestão e relacionamento com os clientes. Segundo Tanoue, 95% dos alunos são mulheres das classes C, D e E interessadas na formação profissional. O empresário esclarece que depois de quatro meses de curso (que tem duração de um ano), os alunos, frequentemente, começam a trabalhar atendendo em casa. Ao se formarem é comum já possuírem uma carteira de clientes, mas a grande dificuldade é gerir o negócio (segundo dados do Sebrae, apenas 20% das empresas abertas no Brasil conseguem permanecer no mercado).

Michele Vieira Ribeiro Araújo, 27 anos, é cabeleireira há oito. Ela conta que não tinha planos de ingressar no ramo de beleza, mas isso aconteceu por acaso. Formada em pedagogia, Michele trabalhava com educação infantil e, mesmo feliz como professora, matriculou-se em um curso de cabeleireiro por insistência de parentes que já atuavam na área. “Tomei gosto pela coisa e, em pouco tempo, já fazia parte do quadro de funcionários de um salão”, conta. Entretanto, Michele sentia falta da atividade pedagógica, por isso, não hesitou diante da oferta de lecionar na escola de cabeleireiros em que havia se formado.

Em 2010, dando aula e atendendo eventualmente suas próprias alunas em sua casa, Michele resolveu formalizar a atividade, montando seu próprio salão em sua residência. Ela continua a lecionar porque, como diz, é apaixonada por essa atividade, tanto que seu negócio prosperou, a exemplo do que tem acontecido com boa parte dos centros de beleza espalhados pelo país: há dois anos, Michele alugou um excelente ponto comercial com porta para a rua. “Emprego quatro funcionárias e meu salão tem capital de cerca de R$ 70 mil em equipamentos, ponto, marca da empresa e estoque de produtos”, afirma.

A pedagoga que virou cabeleireira tem tirado proveito das vantagens oferecidas por um segmento econômico que não para de crescer. Michele também é dona de uma pequena distribuidora de cosméticos de uso profissional. O setor de beleza, na realidade, reserva espaços para empreendedores de todos os portes. A Embelezze, por exemplo, apresentou um projeto de uma nova franquia, o Estação Belleza Pura, rede de salões que já opera com uma unidade piloto no Rio de Janeiro. Trata-se de uma iniciativa que dará maior impulso ao setor.

Com investimento em torno de R$ 200 mil será possível montar uma unidade do Belleza Pura, voltado ao atendimento da classe C, mas com foco diferencial na saúde capilar. “Antes de qualquer outro serviço, é feito o diagnóstico do cabelo a fim de recomendar o tratamento adequado”, explica Tanoue. Ele diz que a análise é feita pelo exame do fio em uma câmera especial, que amplia a imagem várias vezes.

Há um ponto em que praticamente todos os participantes do ramo empresarial, cujos negócios giram em torno do cabelo, centram suas atenções: a questão da qualidade, um tema que tem sido tratado com especial atenção pelo comitê de normas técnicas do setor de beleza do Sebrae. “No momento, estamos normatizando a terminologia para que, quando dissermos alisamento, por exemplo, todos tenham ciência do que estamos falando, e assim por diante”, explica a consultora técnica Elderci. Nesse contexto, serão elaboradas instruções em termos de higiene e será criado um código de conduta.