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Darcy Ribeiro


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Mais do que pensar a sociedade em suas áreas fundamentais, o antropólogo Darcy Ribeiro materializou suas ideias em marcos para a educação e cultura

Darcy Ribeiro pode ser considerado a perfeita tradução do homem das ideias que foi além e as materializou. As realizações se espalham por várias partes do país em sintonia com o perfil multifacetado do antropólogo, político, educador e literato.
Segundo a professora adjunta da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais e organizadora do livro Darcy Ribeiro (1997, Coleção Encontros com Escritores Mineiros, CEL – Centro de Estudos Literários – Faculdade de Letras da UFMG), Haydée Ribeiro Coelho, devido à extensa obra como escritor e pelo seu legado cultural, Darcy tornou-se um intelectual complexo. “De maneira crítica, realizou uma importante obra antropológica, histórica e literária, sem contar seus escritos sobre educação e política.”
Nascido na cidade de Montes Claros, em Minas Gerais, em 1922, perdeu o pai prematuramente, quando tinha apenas três anos de idade. Na ocasião, a mãe, Josephina Augusta da Silveira Ribeiro, ou Dona Fininha, como era conhecida, retornou à escola para terminar os estudos, que foram interrompidos ao se casar. Por volta dos seis anos, o menino é apresentado à leitura por meio da revista Tico-Tico e das histórias em quadrinhos estreladas pelos personagens Bolão, Reco-Reco e Azeitona.

Três encantamentos
Realizou os estudos primários na cidade natal, em Minas Gerais. Primeiro, no Grupo Escolar Gonçalves Chaves e depois no Ginásio local. Contudo, foi após a infância que Darcy Ribeiro se viu arrebatado por três encantamentos: o cinema, a literatura e os festejos regionais do Divino Espírito Santo, nos quais meninos eram coroados imperadores do divino. Tais festejos aconteciam no mês de agosto e reuniam toda a população de Montes Claros (MG).
O despertar para as dificuldades alheias começa ainda na adolescência. Em 1937, é tocado pela seca que acomete a região, trazendo à cidade os flagelados pela falta de água e de comida. “Darcy, emocionado, expressa sua solidariedade e revolta escrevendo uma sorte de panfleto, que não consegue publicar”, conta Haydée.
O ano de 1939 apresenta ao jovem estudante a sua primeira mudança. Parte em direção a Belo Horizonte com o objetivo de cursar medicina e realizar o sonho de sua mãe, que o desejava nessa profissão. Contudo, poucos anos depois, os estudos médicos dão lugar ao interesse pelo direito e pela filosofia. Não tardou para que, em 1943, abandonasse o curso de medicina, no qual havia acumulado reprovações, como reflexo do interesse por outras áreas do conhecimento.
Embora não tenha agradado aos familiares, a decisão logo rendeu seus bons frutos. No ano seguinte, foi convidado pelo professor norte-americano Donald Pierson para estudar na Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Na ocasião, Darcy já estava envolvido com a União Nacional dos Estudantes (UNE) e com um grupo de intelectuais paulistas formado por Caio Prado Júnior e Oswald de Andrade, entre outros. Na Escola de Sociologia amplia seus relacionamentos, convivendo com pensadores brasileiros e internacionais, como o historiador Sérgio Buarque de Holanda e o etnólogo alemão Herbert Baldus, que foi seu orientador na trajetória como etnólogo de campo. “Darcy é um dos exemplos de figura pública em desproporção com a sua época, em dimensão e intensidade de produção”, comenta a professora de Pós-Graduação em Sociologia e Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro e colaboradora na organização do arquivo audiovisual de Darcy, Yolanda Lima. Ela acrescenta que o intelectual teve um largo período de vida profissional. “De 1947, quando ele se forma na Escola Livre de Sociologia Política de São Paulo, até 1997, quando morre, são 50 anos. Mostra-se no Brasil como pensador, homem de ação e servidor público, no sentido estrito da palavra”, diz.

Estudos indígenas
A primeira incursão de Darcy Ribeiro com a temática indígena e pesquisas de campo se deu em 1947, graças a um contrato estabelecido com o militar e sertanista Marechal Rondon, conseguido pela intervenção de seu orientador Herbert Baldus, para trabalhar como naturalista – naquela época não havia o cargo de antropólogo –, na seção de Estudos do Serviço de Proteção aos Índios. Nessa experiência, visitou os aldeamentos Terena, Kaiowá, “mas se detém nos Ofaié, para, afinal, dirigir-se ao Pantanal, onde passa vários meses com os índios Kadiwéu”, mapeia Haydée.
A viagem serviu de cenário para o casamento com Bertha Gleiser, que se torna companheira em sua segunda incursão às aldeias Kadiwéu. Em 1950, publica o livro Religião e Mitologia Kadiwéu, ganhando o Prêmio Fábio Prado de Ensaios, oferecido pela Associação de Escritores de São Paulo. A partir daí segue em viagens a aldeias, ao Xingu, ao Peru e à Bolívia, para observar os povos quíchua e aimará. Em 1952, concretiza a organização do Museu do Índio, no Rio de Janeiro.

Povo latino-americano
O contato de Darcy Ribeiro com a América Latina se estreitou devido à experiência do exílio. Como foi chefe da Casa Civil no governo de João Goulart, presidente deposto em 1964 devido ao golpe militar – que completou 50 anos em 2014 –, viu-se forçado a deixar o país. E o fez num avião de pequeno porte, conseguido pelo deputado federal Rubens Paiva (que mais tarde acabou assassinado sob tortura), no qual seguiu ao Uruguai, onde foi contratado como professor de Antropologia da Faculdade de Humanidades e Ciências. Em 1968, retorna ao Rio de Janeiro, porém a força do Ato Institucional nº 5 se abate sobre ele, que é preso por nove meses, divididos entre a Fortaleza de Santa Cruz, do Exército, e a Ilha das Cobras, sede dos Fuzileiros Navais da Marinha.
Após a prisão, exila-se na Venezuela, ponto do qual percorre outros países, Peru, Colômbia, Argentina, Equador e Chile. O retorno definitivo ao Brasil se deu em 1976. A concretização formal desse diálogo com os países latino-americanos é retratada no Memorial da América Latina, idealizado por ele e inaugurado em 1989, em São Paulo, com projeto arquitetônico de Oscar Niemeyer. Para explicar essa ligação, o diretor de Atividades Culturais do Memorial, Felipe Macedo, faz um metáfora: “A alma do Memorial é o pensamento de Darcy Ribeiro e a moldura é o de Niemeyer. Aqui, de certa forma, representamos a sua ideologia de valorizar a América Latina. Ele bolou a exposição que temos no Pavilhão da Criatividade, num acervo de 4 mil peças de arte popular do Brasil, Peru, Chile, entre outros. Temos como objetivo concretizar em nossas atividades os conceitos por ele defendidos, para que o público descubra mutuamente os países hermanos”, contextualiza.

Povo brasileiro
Considerado uma de suas obras mais expressivas, O Povo Brasileiro – A Formação e o Sentido do Brasil (Companhia das Letras, 1995) foi escrito em três versões. O antropólogo estava internado na UTI, em 1995, momento no qual se sentiu apavorado. Em depoimento à pesquisadora Haydée, Darcy contou que, se não saísse dali para escrever o livro, sua obra principal, Estudos de Antropologia da Civilização, ficaria descabeçada.
A história é conhecida. Dois anos antes de morrer de câncer, estava na UTI, num hospital do Rio de Janeiro, mas fugiu para a sua casa, em Maricá, a cerca de 60 quilômetros da capital. Três meses foram suficientes para reescrever o material em uma única versão, descrita por ele mesmo como um retrato de corpo inteiro do Brasil. Na opinião de Yolanda, ele tinha convicção sobre o papel do homem público, entendia a coisa pública como bem patrimonial, em uma visão distinta da contemporaneidade. “Costumava dizer que o administrador público tem obrigação de cumprir os preceitos morais para atuar, assumindo um compromisso de bem servir a comunidade”, enfatiza. “Ele próprio se chamava de servidor público e dedicou sua vida a causas do bem comum, à política, à causa indígena e à educação. Sua obra se abre para um mundo que ele viu e viveu e que deixou de herança para as novas gerações. O seu legado é um legado de valores.”

BOXE 01 – Homem de palavra

algumas frases do intelectual que simbolizam  seu pensamento sobre vida, livros,  cinema, poesia e mitologia indígena

“Eu costumo pensar que sou feito de palavras lidas e de imagens de cinema. Um menino do interior, curioso como eu era, o que podia ter a sua disposição? Os livros e o cinema, duas janelas que eu tive sobre o mundo”
“A mitologia indígena tinha me alimentado tanto o espírito que tive necessidade de me expressar literariamente. Depois dos índios, fui trabalhar com política, educação, uma coisa muito rica”
“Como todos, gosto de poesia. Fazia poesia, sabia que não prestava, rasgava, sabia que não era poeta. Gosto de fazer as coisas em nível grande. E é claro que não posso fazer poesia assim”
*Fonte: Darcy Ribeiro (Coleção Encontros com Escritores Mineiros, CEL – ¿Centro de Estudos Literários – Faculdade de Letras da UFMG)

BOXE 02 – Sarau em prosa, verso e performance

Diverso como as matrizes culturais brasileiras,  evento literário tem como inspiração a obra de Darcy Ribeiro

O Brasil sertanejo, o Brasil crioulo, o Brasil caboclo, o Brasil caipira e o Brasil sulino, todos foram reunidos na narrativa apresentada no Sarau do Povo Brasileiro, realizado na sala de convivência do Sesc Pinheiros em 20 de abril.
Homenagem ao multifacetado Darcy Ribeiro, teve a curadoria de Carlos Galdino, Jaime Matos e Binho (Robson Padial), que serviram como agregadores ao reunir o público interessado em prosa, poesia, performances e alegorias, modos de expressão que fazem jus ao itinerário diverso da cultura brasileira proposta pelo antropólogo em suas publicações e trabalhos feitos no país e no continente latino-americano.
Binho, poeta e curador do sarau que leva seu nome e é realizado semanalmente nos bairros do Campo Limpo e Taboão, diz que levar o Sarau para a unidade Pinheiros foi importante e deu autoestima para quem frequenta as apresentações. “Eu vejo como um coroamento para os poetas que já participam”, explica. “A obra de Darcy se relaciona com o processo cultural de diversidade e miscigenação que nós defendemos, eu, em conjunto com o Carlos Galdino e o Jaime Matos.”

BOXE 03 – Atos e fatos

Acompanhe algumas ações e projetos concretizados pelo antropólogo

Universidade de Brasília: Inaugurada dois anos após a fundação da capital, em 21 de abril de 1962, teve na figura do antropólogo seu idealizador, fundador e primeiro reitor. Diferente dos centros de estudos existentes, não foi criada por uma junção de faculdades, mas sim baseada no pilar ensino, pesquisa e extensão.
Memorial da América Latina: Idealizado por ele e inaugurado em 1989, em São Paulo, com projeto arquitetônico do amigo Oscar Niemeyer. Darcy chegou a afirmar que o arquiteto seria o único brasileiro a ser lembrado daqui há 500 anos. A Casa Darcy, outro projeto do arquiteto, está localizada em Maricá, no estado do Rio de Janeiro, e foi morada de Darcy por muitos anos.
Sambódromo: Sob sua inspiração e encomenda, Oscar Niemayer criou o espaço destinado ao desfile das escolas de samba, conceito hoje reproduzido nas cidades brasileiras.
Na América Latina: Darcy Ribeiro estreitou os laços com os países latino-americanos. Convidado por Salvador Allende, muda para o Chile em 1971, para ajudar o presidente do país na transição ao modelo socialista de governo. No Peru, assume a direção do Centro de Estudos da Participação Popular, em 1975.