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Ilustração: Marcos Garuti
Ilustração: Marcos Garuti


Por Fernando Fialho


Confesso que me sinto feliz em ter passado minha adolescência numa época pré-Internet, o que me fez um observador privilegiado da evolução da tecnologia que facilitou o acesso aos conteúdos e as relações pessoais. Se a comunicação se ampliou e as buscas por qualquer assunto levam você a milhares de páginas em diversos países e línguas, no meu tempo de estudante as enciclopédias em volumes e os livros da biblioteca eram as fontes de pesquisas escolares. A comunicação acontecia frente a frente, por correio ou, no limite, era um telefonema que resolvia a saudade. Era assim naqueles tempos...

Em fins dos anos 1970 e início dos 1980 a rede de amigos era concreta: encontrávamo-nos pessoalmente na rua para brincar, na escola ou em clubes e igrejas. A rua era um lugar relativamente seguro, com trânsito mais lento, menos carros e mais bola e bicicleta. Pipa e balão, taco, bolinha de gude e esconde-esconde. Na TV apenas cinco canais, e uma programação infantil que não era mais atraente do que as brincadeiras em turma. Entre os amigos, alguém sempre aparecia com um disco novo ou uma banda nem sempre nova, um livro, uma revista em quadrinhos. Coisa boa era dividir esse achado entre nós!

Era com o toca-fitas que se compartilhavam as novidades musicais. Para se copiar LPs em fitas K7, tínhamos 30 minutos de cada lado. Cabia um disco e ainda sobrava espaço para algumas músicas. Mas você precisava ficar de olho para ter certeza que o disco não estava riscado, repetindo trechos, sem seguir em frente. Levava ao menos uma hora para se concluir a tarefa, sem se distrair. Atualmente você baixa o videoclipe em segundos pro seu computador ou envia por e-mail apenas o link para seu amigo assistir. Naqueles tempos você entregava a fita pessoalmente.

Recordo-me também de umas publicações que alguns conhecidos, e muitos desconhecidos, circulavam em pequenos grupos e eram vendidos em troca de umas poucas moedas em teatros, bares e locais que a moçada frequentava. Confesso que dei pouca importância àqueles folhetos. Lembro-me de ter visto que uns traziam poesias; outros, em shows, traziam informações sobre as bandas ou sobre o movimento. Outros falavam sobre assuntos diversos. Trabalhando com cultura há alguns anos, passei a perceber que os fanzines, que me pareciam terem sido feitos às pressas, de forma tão caseira, que não me eram atraentes na juventude, continham em si um grande valor.

De volta àqueles tempos, lembro que não se encontravam máquinas copiadoras em qualquer esquina e as cópias não eram boas, nem baratas. Portanto, editar um material daqueles era coisa de malucos, mesmo. Percebam: não existiam os computadores pessoais, os programas de edição e as impressoras. O trabalho de quem se dedicava a confeccionar o fanzine não era só levantar o conteúdo, mas datilografar, montar aquela paginação com tesoura e cola e copiar alguns exemplares para a venda. A tarefa era artesanal e exigia paciência. Mimeógrafos, que davam uma coloração arroxeada às cópias e cheiravam a álcool, demandavam um estêncil, que você vê hoje sendo utilizado em estúdios de tatuagem, eram usados nas escolas para confeccionar as provas mensais.
Confesso que fui contemporâneo dos fanzines, e como cresci no meio analógico, minha leitura preferencial é em papel. Hoje sou tomado pela facilidade que a Internet oferece em termos de informação, acesso e praticidade. Valorizo um internauta que monta seu blog ou webzine e alcança milhares de pessoas, pois é possível divulgar-se de forma direcionada na rede, que fez nascer nichos de assuntos variados.

Se hoje percebemos um movimento de retorno ao fanzine impresso é porque a popularização e barateamento da reprodução permitem tanto mais experimentação quanto melhor impressão e distribuição. Minha sorte é que a história não é escrita enquanto os fatos ocorrem (rápido, me ajudem no Google a saber quem disse isso...), e um modo bacana de me atualizar e saldar minha dívida cultural são as atividades sobre fanzines no Sesc. Vejo vocês nas próximas?


Fernando Fialho, jornalista e saudosista, é gerente adjunto de Difusão e Promoção do Sesc.