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Uma alimentação adequada e saudável tem como base alimentos in natura e minimamente processados, predominantemente de origem vegetal. Essa recomendação vai além da composição do prato: ela considera também as formas de cultivo, o trabalho envolvido na produção e o cuidado com quem planta, colhe e transporta os alimentos. Ao integrar esses aspectos, é possível garantir alimentos saudáveis para a geração atual e para as futuras.
Por outro lado, temos os ultraprocessados, alimentos que foram categorizados por pesquisadores brasileiros ligados à Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP-USP). Esse produtos têm sido estudados ao redor do mundo e influenciado políticas públicas e guias alimentares em países como Uruguai, Peru, França e Canadá, que passaram a incorporar alertas de consumo sobre produtos ultraprocessados.
Para a nutricionista Patricia Jaime, uma das referências no Brasil em pesquisas em nutrição e coordenadora técnica na elaboração do Guia Alimentar para a População Brasileira (Ministério da Saúde, 2014), promover a redução do consumo de ultraprocessados é fundamental para garantir uma alimentação adequada e saudável, o que também passa por incentivar o uso de alimentos in natura e minimamente processados, desenvolvendo, exercitando e compartilhando habilidades culinárias.
Na entrevista a seguir, Patricia fala sobre práticas alimentares promotoras da saúde e como superar obstáculos para adoção de escolhas saudáveis.
As escolhas alimentares que fazemos no dia a dia têm um impacto direto na nossa saúde e bem-estar. Priorizar alimentos in natura e minimamente processados é uma das escolhas mais eficazes que podemos fazer para promover a saúde ao longo da vida. Valorizar preparações simples, feitas em casa ou preparadas por cozinheiras e cozinheiros, como o tradicional arroz com feijão, é uma forma poderosa de cuidar da saúde e, ao mesmo tempo, manter viva a nossa cultura alimentar.
Pequenas mudanças no cotidiano podem fazer diferença, como retomar o hábito de cozinhar, organizar melhor os horários das refeições, comer com atenção e em boa companhia. Comer bem é um direito, mas também um gesto de cuidado com o corpo, com o prazer de se alimentar e com a história que cada refeição carrega.
Esses alimentos, como frutas, legumes, verduras, arroz, feijão, raízes, castanhas e ovos, preservam sua estrutura original, são naturalmente nutritivos e fornecem fibras, vitaminas e minerais essenciais, sem aditivos artificiais nem excesso de sal, açúcar ou gorduras prejudiciais. Diversas evidências científicas, no Brasil e no mundo, mostram que dietas baseadas nesses alimentos estão associadas à prevenção das principais doenças crônicas que afetam a população.
Além disso, são alimentos que favorecem maior saciedade e melhor regulação do apetite, o que ajuda a prevenir o consumo excessivo de energia e contribui para o equilíbrio metabólico. No Brasil, esses alimentos fazem parte da base da nossa cultura alimentar. Preparações tradicionais, como o arroz com feijão, não são apenas nutricionalmente adequadas, mas também socialmente significativas. Valorizar esses alimentos e práticas culinárias é valorizar nossa identidade cultural, nossas memórias e nossos modos de viver.
Ao consumir mais alimentos in natura e minimamente processados, também reduzimos o espaço dos ultraprocessados no padrão alimentar. E isso é fundamental. Quanto mais produtos ultraprocessados compõem a alimentação, maior o risco de adoecimento e pior a qualidade nutricional da alimentação cotidiana.
Do ponto de vista nutricional, os ultraprocessados são desequilibrados. Têm excesso de açúcares livres, gorduras não saudáveis e sódio, e muito pouco das fibras, vitaminas e minerais de que o corpo precisa. Além disso, por interferirem nos mecanismos de saciedade, podem levar as pessoas a comer mais do que o necessário, contribuindo para o aparecimento de doenças crônicas. O consumo frequente de produtos ultraprocessados tem sido associado a uma série de problemas de saúde, como obesidade, diabetes tipo 2, hipertensão, doenças cardiovasculares, alguns tipos de câncer e até depressão. Estudos epidemiológicos recentes mostram que pessoas que consomem mais esses itens também têm maior risco de morte precoce. Esses produtos contêm aditivos, corantes, aromatizantes, emulsificantes e realçadores de sabor. São alimentos criados para serem duráveis, muito palatáveis e prontos para serem consumidos, o que favorece o consumo frequente e excessivo.
Mas os impactos vão além da nutrição. O consumo crescente de ultraprocessados também afeta os modos de comer. Eles substituem preparações culinárias feitas com alimentos in natura ou minimamente processados, muitas vezes consumidas em família ou em grupo, por produtos prontos, embalados e geralmente consumidos de forma apressada e solitária. Isso compromete práticas alimentares que são importantes não só para a saúde física, mas também para o bem-estar e a preservação da cultura alimentar.

Precisamos reconhecer que comer bem não é apenas uma questão de vontade individual. As escolhas alimentares das pessoas são fortemente influenciadas pelas condições em que vivem: o quanto ganham, onde moram, que alimentos estão disponíveis nos comércios do bairro, quanto tempo têm para cozinhar e até como são incentivadas ou desestimuladas pela publicidade. Tudo isso interfere diretamente na possibilidade de manter uma alimentação saudável e, cada vez mais, essas escolhas são moldadas por estratégias de mercado que promovem o consumo de produtos ultraprocessados.
O Brasil, ao sair recentemente do Mapa da Fome, nos oferece um exemplo claro da potência das políticas públicas na garantia do direito humano à alimentação adequada. Não é possível responsabilizar indivíduos por escolhas alimentares quando alimentos in natura e minimamente processados são caros, inacessíveis ou ausentes nos territórios onde vivem.
Por isso, é fundamental que políticas públicas promova a regulação da comercialização e da publicidade de determinados produtos alimentícios, subsidiem alimentos por meio de uma cesta básica adequada e saudável, e fortaleçam circuitos curtos de produção e consumo, com apoio à agricultura familiar e agroecológica. Garantir ambientes alimentares saudáveis implica oferecer comida de verdade em escolas, unidades de saúde e espaços comunitários. Significa também reposicionar o cozinhar como prática coletiva e política: fortalecer cozinhas comunitárias, valorizar trabalhadoras e trabalhadores da área de alimentação, apoiar iniciativas que resgatem a comensalidade e o preparo de alimentos como ações de cuidado público.
Alimentar-se bem não pode ser um privilégio. É um direito que exige ação coletiva e compromisso público com a equidade, a cultura alimentar e a saúde da população brasileira.
Sem dúvida. A educação alimentar e nutricional é uma ferramenta fundamental para promover escolhas mais conscientes, saudáveis e sustentáveis. Mas ela vai além da transmissão de informações. Envolve o fortalecimento da autonomia das pessoas e a valorização das culturas alimentares locais.
A alimentação não diz respeito apenas ao que comemos, mas também a como comemos, com quem comemos e de onde vêm os alimentos. Hoje, mesmo conhecendo milhares de espécies comestíveis, a alimentação global está baseada em poucas culturas agrícolas, enquanto produtos ultraprocessados e de origem animal dominam grande parte do consumo alimentar. Esse padrão alimentar empobrece a biodiversidade, agrava os impactos ambientais e contribui para o avanço das doenças crônicas.
Valorizar práticas alimentares tradicionais e modos de preparo locais é um caminho importante para promover a saúde das pessoas e do planeta. Isso significa ampliar a presença de alimentos in natura e minimamente processados na alimentação, reduzir o consumo de ultraprocessados e repensar a forma como consumimos alimentos de origem animal, especialmente os produzidos em sistemas intensivos.
Cozinhar, nesse contexto, deixa de ser uma tarefa doméstica isolada e passa a ser reconhecido como um ato político e coletivo, parte de um projeto de sociedade mais justa e saudável. Quando políticas públicas apoiam o direito à alimentação adequada e saudável, elas também ajudam a construir ambientes que favorecem escolhas melhores, respeitando os saberes locais, promovendo a biodiversidade e fortalecendo laços sociais. A educação alimentar e nutricional nos apoia a cuidar da saúde, da cultura e do futuro do planeta.
Promover consciência alimentar vai muito além de informar. É também garantir que todas as pessoas tenham condições reais de fazer escolhas saudáveis, sustentáveis e alinhadas com sua cultura alimentar. Para isso, é fundamental que políticas públicas assegurem ambientes que favoreçam essas escolhas, como escolas, unidades de saúde, feiras e mercados acessíveis. O Guia Alimentar para a População Brasileira (Ministério da Saúde, 2014) é uma referência essencial nesse processo. Ele traduz o conhecimento científico em orientações práticas e culturalmente adequadas, e deve ser utilizado como base para ações de promoção da alimentação adequada e saudável em todo o país.
Além das políticas, é necessário investir em comunicação pública de qualidade, que leve essas informações à população de forma clara, respeitosa e envolvente. A consciência alimentar cresce quando as pessoas compreendem o impacto das escolhas alimentares na saúde, no meio ambiente e na sociedade, e quando encontram apoio para colocar esse conhecimento em prática no dia a dia.


Em 2025, o projeto Experimenta! Comida, saúde e cultura acontece dos dias 14 a 26 de outubro, com o objetivo de ampliar a programação educativa sobre alimentação e seus aspectos interdisciplinares, promovendo ações voltadas à alimentação adequada e saudável. Conheça mais sobre o Experimenta! clicando aqui.
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