Editada originalmente para o formato digital, chega agora em versão impressa obra que atravessa temas como transparência, esfera pública, participação e deliberação política
Vidas conectadas em fluxos de dados de altíssima velocidade a partir de dispositivos georreferenciados. No passado, pareceria ficção. Atualmente parece uma descrição banal, um lugar-comum. Nosso cotidiano está repleto de tecnologias da informação que passaram a intermediar grande parte de nossas interações sociais. As esperanças tecnológicas se avolumam e viram peças de marketing, criam lealdades e paixões às marcas das grandes corporações que vendem aparelhos de última geração. Mas os saltos das tecnologias descortinam cenários de riscos e distopias. O temor da automação, da predição algorítmica, da inteligência artificial ou do controle das corporações sobre os viventes vem gerando pesquisas e ficções.
Para discutir, a partir das ciências humanas e sociais, a complexa relação entre tecnologia e as sociedades democráticas, lançamos a coleção Democracia Digital, com textos que abordam temas estreitamente ligados à expansão das tecnologias, como a cultura hacker, a produção do comum, a propriedade intelectual, os algoritmos e a democracia. A coleção reúne reflexões sobre as implicações das tecnologias digitais, basicamente cibernéticas (Wiener), em sociedades que podem ser denominadas de controle (Deleuze), em um capitalismo informacional (Castells), de vigilância (Zuboff), estruturado em plataformas (Srnicek), delimitado por uma ordem neoliberal (Laval, Dardot).
Neste volume, um dos mais importantes da coleção, o professor e pesquisador Wilson Gomes conseguiu reunir, de modo crítico e criativo, abordagens teóricas da democracia digital, das origens do conceito no século XX aos nossos dias, articulando noções das disputas e das soluções pensadas aos entraves e possibilidades abertas pelo aparecimento de tecnologias mais recentes, mais ágeis e mais pervasivas. Trata-se, por isso, de leitura indispensável para quem pesquisa, estuda ou se interessa pelo tema, pois, apesar do rigor teórico, foi escrito para ser lido e compreendido por não especialistas.
Vale a pena acompanhar a jornada relatada por Gomes. Particularmente, considero impressionante que se tenha acreditado e depositado esperanças na televisão para organizar a participação da sociedade. Hoje, a teledemocracia pode parecer descabida, mas demonstra que as tecnologias têm despertado a esperança de pessoas que buscam superar ou resolver as questões das relações de poder social pela técnica. Uma das principais heranças da modernidade.
Articulando as teorias da democracia digital, o autor trata da participação política nas redes digitais, da chamada e-deliberação, da estruturação da esfera pública diante da internet, dos entraves e dos avanços da e-transparência e da exclusão digital como um dos limites do processo democrático. Embora tentando se manter nos trilhos do tema central, Gomes dificilmente poderia cumprir sua missão sem tratar ou acenar para a participação política online e para as questões dos governos e parlamentos digitais.
Este livro vem preencher, portanto, uma lacuna na literatura científica sobre democracia digital. Em tempos sombrios, de grave crise, de dúvidas sobre as condições democráticas do nosso país, este livro nos faz pensar além das possibilidades das tecnologias digitais para melhorar a qualidade da democracia, da representação política e dos processos de deliberação e participação.
É bom lembrar que as tecnologias digitais se realizam pela cibernética, a ciência da comunicação e do controle.
A internet é uma rede em que os rastros digitais deixados pelos seus usuários são agregados e analisados por cor retores de dados que os identificam e os vendem para as empresas de marketing. As redes de relacionamento online estão concentrando as atenções de cidadãs e cidadãos conectados e nelas têm ocorrido os grandes embates das disputas eleitorais nas democracias ocidentais nessa segunda década do século XXI. Curiosamente, surgem intensos debates sobre a corrosão das democracias em ambientes tecnologicamente mediados devido à opacidade dos algoritmos e códigos que os controlam, devido à velocidade das chamadas fake news, da adesão aos rituais da pós-verdade, enfim, à gigantesca concentração de tráfego em poucas plataformas tecnológicas. Nesse sentido, as questões aqui trazidas por Wilson Gomes podem nos ajudar a compreender o papel ambivalente das tecnologias para as democracias.
Sergio Amadeu da Silveira
*Texto publicado como prefácio do livro
Veja também:
:: trecho do livro
—
Produtos relacionados
Utilizamos cookies essenciais para personalizar e aprimorar sua experiência neste site. Ao continuar navegando você concorda com estas condições, detalhadas na nossa Política de Cookies de acordo com a nossa Política de Privacidade.