Olhares sobre a crise climática

30/10/2025

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Artigos de Luiz Roberto Ramos e JP Amaral apresentam reflexões e soluções diante do aquecimento global e seus efeitos sobre infância e velhice 

Leia a edição de NOVEMBRO/25 na íntegra

Nada será como antes. Pelas ruas, essa constatação ecoa uma preocupação em comum: os efeitos das mudanças climáticas. De fato, o clima tal qual o conhecíamos mudou e com isso o regime de chuvas, o período de secas, as ondas de calor e outros eventos extremos atingem a cidade e o corpo que habitamos. Nesse cenário, cada geração é afetada de maneira particular. Por um lado, a população idosa, que já vivencia alterações fisiológicas e condições crônicas mais frequentes, apresenta maior vulnerabilidade. Por outro, as crianças estão mais suscetíveis a problemas de saúde e ao abandono escolar, além de apresentarem quadros de angústia e medo diante dos efeitos dessa crise global. 

Segundo o professor titular de Medicina Preventiva da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e médico geriatra Luiz Roberto Ramos, estima-se que cerca de 48 mil mortes no Brasil foram atribuídas ao calor excessivo no período de 2000 a 2018, sendo a maioria delas de pessoas com 65 anos ou mais. “A mortalidade anual na América Latina relacionada ao calor extremo entre idosos aumentou cerca de 85% desde a década de 1990. Devemos lembrar que, com a idade, o corpo perde eficiência para regular a temperatura corporal, o que aumenta o risco de hipertermia em ondas de calor e hipotermia em dias de frio intenso. Temos também que considerar que idosos estão mais sujeitos a desenvolver doenças cardiovasculares, respiratórias e renais que podem ser agravadas em climas extremos e diante de poluição atmosférica”, alerta. 

Gerente de Natureza do Instituto Alana, onde atua como estrategista e na área de advocacy para causas socioambientais e direitos das crianças, 
JP Amaral traz pesquisas que constatam inúmeros desafios enfrentados pelas infâncias, agravados pela crise climática. “Sabia que após desastres climáticos, meninas têm o dobro de chances de não voltarem para a escola? Isso porque a dinâmica familiar acaba pressionando-as a largar os estudos para cuidar das tarefas domésticas enquanto os pais têm que trabalhar”, relata.  

No entanto, também são as crianças que buscam uma mudança dessa situação. “Muitas querem saber mais, perguntam aos pais e querem fazer algo a respeito. E aí, fica a pergunta: como falar com elas sobre clima e como apoiá-las na vontade de mudar a realidade?”.   

 No mês em que a COP30 é realizada no Brasil, na cidade de Belém (PA), os artigos de Ramos e Amaral levantam dados, reflexões e propostas para o enfrentamento da crise climática e construção de outro presente e futuro para essas e próximas gerações. 

Quais os efeitos da crise climática sobre a população idosa?
Por Luiz Roberto Ramos  

As mudanças climáticas constituem um dos maiores desafios do século 21, com impactos que transcendem fronteiras geográficas e geracionais. Fenômenos como aumento da temperatura média global, elevação do nível do mar, eventos climáticos extremos e perda de biodiversidade não apenas afetam o presente, mas moldam profundamente o futuro das próximas gerações. Analisar o tema sob uma perspectiva intergeracional significa reconhecer que as ações – ou omissões – da sociedade atual influenciam diretamente as condições de vida de jovens, adultos e idosos hoje e no futuro.  

As mudanças climáticas no Brasil estão aceleradas, com efeitos expressivos sobre temperatura, chuvas e ecossistemas. Mudanças que afetam a população idosa de maneira particularmente intensa, pois o envelhecimento traz alterações fisiológicas, condições crônicas mais frequentes e limitações socioeconômicas que aumentam a vulnerabilidade diante de eventos climáticos extremos.  

Estima-se que cerca de 48 mil mortes no Brasil foram atribuídas ao calor excessivo no período de 2000 a 2018, sendo a maioria delas de pessoas com 65 anos ou mais. A mortalidade anual na América Latina relacionada ao calor extremo entre idosos aumentou cerca de 85% desde a década de 1990. 

Devemos lembrar que, com a idade, o corpo perde eficiência para regular a temperatura corporal, o que aumenta o risco de hipertermia em ondas de calor e hipotermia em dias de frio intenso. Temos também que considerar que idosos estão mais sujeitos a desenvolver doenças cardiovasculares, respiratórias e renais que podem ser agravadas em climas extremos e diante de poluição atmosférica. Devido a senescência do sistema imunológico, os idosos têm maior suscetibilidade a infecções transmitidas por água ou alimentos contaminados, em casos de enchentes e ondas de calor.  

Situações de enchentes, como as verificadas no sul do país recentemente, aumentam o risco de acidentes, isolamento social e interrupção de tratamentos e cuidados à saúde de idosos com mobilidade reduzida e sem uma rede de apoio. As ondas de calor, que estão cada vez mais frequentes, tanto no Brasil como no resto do mundo, aumentam o risco de desidratação, síncopes e quedas, além do agravamento de doenças cardíacas e aumento da mortalidade em idosos.  

Em relação à desidratação, devemos lembrar que uma pessoa idosa exposta a um calor extremo desidrata facilmente e demora para se reidratar por vários motivos: idosos têm menor sensibilidade à sede levando a menor percepção da necessidade de ingerir líquidos; os rins dos idosos têm menor capacidade de concentrar a urina para conservar água no corpo, facilitando a perda de líquidos; várias doenças crônicas comuns entre idosos utilizam diuréticos no tratamento, que dificultam a reposição adequada de líquidos em situações de emergência. 

As estratégias de prevenção de mortes de idosos durante ondas de calor são várias, mas a mais importante é a ingestão regular de líquidos (água, soros de hidratação, sucos), mesmo sem sentir sede, e manter uma dieta rica em frutas com alto teor de água (melancia, melão e laranja, por exemplo).  Além da hidratação, deve ser evitada a ingestão de álcool que aumenta a diurese e facilita a desidratação. Idosos devem usar roupas leves e procurar ambientes ventilados e com ar-condicionado quando possível.  

Fomentar a participação ativa da comunidade, estimulando a solidariedade intergeracional e o engajamento de lideranças locais, aumenta a resiliência coletiva diante de adversidades climáticas 

É fundamental que familiares monitorem seus idosos, principalmente os que vivem sozinhos, quanto à ingestão de líquidos e tomada dos medicamentos de rotina. Normalmente, idosos devem ingerir cerca de dois litros de água distribuídos ao longo do dia (200 ml a cada uma ou duas horas, por exemplo). Em situações de calor intenso, essa quantidade deve ser aumentada, mesmo que não sintam sede, evitando líquidos açucarados ou com muita cafeína. Nos casos que evoluem para uma desidratação leve (boca seca, diminuição do volume urinário), devemos oferecer soros de reidratação oral [1 litro de água + 1 colher (sopa) de açúcar + 1 colher (chá) de sal].  

É importante identificar sinais de desidratação grave como confusão mental, tontura, desmaio, convulsão, ausência de urina por várias horas, pois pode ser necessário uma hidratação endovenosa em um serviço de saúde, com cuidados médicos. Em idosos com restrição hídrica por insuficiência cardíaca ou renal, o aumento da ingestão de líquidos deve ser avaliado individualmente pelo médico. 

Para enfrentar esses desafios crescentes, é fundamental fortalecer a articulação entre saúde, assistência social e proteção ambiental, promovendo a capacitação de profissionais e cuidadores para reconhecer sinais precoces de agravo e agir rapidamente. Investimentos em infraestrutura adaptada, sistemas de alerta precoce e campanhas educativas acessíveis podem salvar vidas e reduzir hospitalizações. Além disso, fomentar a participação ativa da comunidade, estimulando a solidariedade intergeracional e o engajamento de lideranças locais, aumenta a resiliência coletiva diante de adversidades climáticas. 

Do ponto de vista da saúde pública, as estratégias de mitigação dos efeitos das mudanças climáticas extremas em populações vulneráveis, como os idosos, incluem planos de alerta e resposta rápida ao aumento da temperatura ambiente ou de inundação, provendo abrigos climatizados, transporte acessível e redes de apoio comunitário, envolvendo vizinhos e voluntários. Políticas públicas devem integrar cuidados de saúde, assistência social, urbanismo e meio ambiente. 

Mesmo que os compromissos internacionais assumidos nas conferências sobre o clima sejam cumpridos, os impactos das mudanças climáticas ainda existirão, exigindo planos robustos de adaptação regional, proteção dos biomas, e políticas de mitigação eficazes frente à emergência climática. A perspectiva intergeracional envolve a ideia de justiça climática: a geração presente detém poder de decisão sobre padrões de consumo, uso de recursos e políticas ambientais, enquanto as gerações futuras arcarão com as consequências. Esse conceito se ancora em princípios éticos como a equidade e a solidariedade, defendendo que não é moralmente aceitável transferir custos ambientais para quem ainda não pode participar das decisões.

Luiz Roberto Ramos é médico geriatra e professor titular de Medicina Preventiva da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). 

Ilustração de Rodrigo Visca

Se o clima é de mudança, vamos olhar para a criança 
Por JP AMARAL 

Como as crianças estão sentindo as mudanças climáticas se não sabem como era antes? Essa pergunta tem me feito refletir. Pense comigo: se você não tem referência de um cenário diferente de onde vive, como pode imaginar outro mundo? Quando se trata de crianças, estamos falando de uma perspectiva de mundo que irá se perpetuar por toda uma geração. Não à toa, ouvimos: “as crianças de hoje não sabem brincar na rua”. Ou ainda: “na minha época, não tinha essa de ficar trancado em casa”. Mas elas nunca souberam fazer diferente.  

A verdade é que estamos tirando das crianças a possibilidade de existirem em duas dimensões. Primeiro, por estarmos diminuindo e degradando cada vez mais os seus espaços a partir do momento em que desmatamos e concretamos as ruas, priorizamos os carros e introduzimos, na sociedade, a cultura do medo. Estamos tornando as infâncias mais e mais emparedadas. Na essência, estamos distanciando as crianças do seu habitat: a natureza. As crianças facilmente se conectam com a natureza, sentem-se parte dela e despertam um vínculo muito especial de cuidar e de serem cuidadas.  

A segunda dimensão tem a ver com o fato de que as crianças estão crescendo com medo da natureza e muito disso se deve ao clima. Crianças com medo de trovão, de chuva ou dos ventos têm sido cada vez mais comuns. Ou seja, além de terem cada vez menos natureza, elas são privadas de aproveitar o pouco que têm por causa dos riscos climáticos que estamos provocando. Segundo a pesquisa O acesso ao verde e a resiliência climática nas escolas das capitais brasileiras, de 2024, desenvolvida de forma conjunta pelo Instituto Alana e pela Fiquem Sabendo, 4 em cada 10 escolas das capitais brasileiras não têm área verde.  

Estamos com uma bomba relógio nas mãos: 64% das escolas estão em territórios a pelo menos 1ºC acima da média de temperatura do perímetro urbano das respectivas capitais. E entre as dez capitais com maior proporção de escolas localizadas em territórios que apresentaram temperatura 3,57ºC acima da média urbana, cinco estão no Norte (Manaus, Macapá, Boa Vista, Porto Velho, Rio Branco). Sabemos ainda que 1,7 milhão de alunos estão em escolas em áreas de risco de deslizamento ou de enchentes.  

Globalmente, 242 milhões de alunos do mundo já tiveram perda de aulas por causa de eventos climáticos extremos, de acordo com dados da Unicef. Importante ressaltar que, quanto mais próximas as escolas estão de favelas, mais impactadas elas serão – 90% delas estão em áreas de risco e 52% não têm áreas verdes. Isso mostra que as mudanças climáticas estão afetando as crianças de maneira mais severa quando enxergamos pela ótica das desigualdades. 

O clima afeta as crianças de várias formas que nem imaginamos. Sabia que após desastres climáticos, meninas têm o dobro de chances de não voltarem para a escola? Isso porque a dinâmica familiar acaba pressionando-as a largar os estudos para cuidar das tarefas domésticas, enquanto os pais têm que trabalhar.  

As crianças sentem o clima no corpo. A poluição do ar, muitas vezes associada às emissões de carbono, afeta o desenvolvimento dos órgãos desde a barriga da mãe. No calor extremo, os corpos das crianças aquecem mais rápido e esfriam mais lentamente, afetando diretamente sua saúde. Além disso, as enchentes aumentam os índices de doenças, como diarreia, cólera e leptospirose. 

As crianças também sentem o clima na mente. Vemos relatos de crianças sofrendo por ansiedade climática, seja pelas notícias ou pela proximidade com os riscos. Um levantamento global divulgado pela revista científica The Lancet revelou que 45% de crianças e jovens dizem sentir ansiedade climática e 75% temem pelo futuro. Em grande escala, o resultado é alarmante: quase 1 bilhão de crianças e adolescentes, cerca de metade da população mundial, está sob algum risco climático, seja de enchentes, secas, calor ou poluição do ar. No Brasil, esse número chega a 40 milhões. Isso nos mostra que não podemos mais tratá-las como futuras gerações, mas gerações que estão sendo afetadas no aqui e agora.  

A energia contagiante das crianças, no entanto, não as deixa paradas, esperando que os adultos façam alguma coisa. Muitas querem saber mais, perguntam aos pais e querem fazer algo a respeito. E aí, fica a pergunta: como falar com elas sobre clima e como apoiá-las na vontade de mudar a realidade? É na primeira infância que aprendemos a enxergar o mundo pelas lentes das experiências e do vínculo. Por isso, essa fase é o momento de criar conexão com a natureza e com outras crianças. Momento de colocar em prática o lema: “a gente só cuida daquilo que a gente conhece”, gerando uma relação de interdependência e encantamento.  

Temos que honrar a infância. Que a COP30 seja a COP das Crianças.

Quando mais velhas, é necessário educá-las para o que está acontecendo no mundo. Reconhecer e enfrentar os desafios da crise climática é uma das formas de educação, criando um senso crítico sistêmico do problema e compreensão do papel de cidadãs. É chegado o momento da ação – quando crianças e adolescentes têm o desejo de fazer algo a respeito. Nesse momento, é importante transformar a indignação e os questionamentos em esperança e impulso, como foi com a jovem ativista Greta Thunberg. Mostrar que crianças e adolescentes não estão sozinhos é uma forma de motivá-los e ajudá-los a identificar seus pares para levantar a voz.  

É possível fazer isso de forma ainda mais coordenada e estimulada por políticas públicas e iniciativas colaborativas. Diversos municípios têm instituído comitês formados por crianças – espaços formais de participação democrática e diversa para que o público infantil possa participar, opinar e propor projetos e políticas públicas da cidade. A rede Urban95, que atua na promoção de políticas públicas municipais para a primeira infância, conta com uma série de guias e ferramentas para municípios que querem construir soluções para suas cidades, colaborativamente com as crianças. Outra iniciativa são as MiniCOPs: mobilização de escolas, comunidades e qualquer mutirão de crianças e adolescentes que queiram aprender, discutir e colocar a mão na massa, tendo como impulso a COP30, que acontece neste mês em Belém (PA).  

O Brasil tem uma linda jornada de defesa e proteção dos direitos das crianças, especialmente a partir da Constituição Federal, que mobilizou milhões de crianças de todo o país. Foi no Brasil que surgiram as COPs do clima, a partir da ECO-92 no Rio de Janeiro, onde houve o famoso discurso de Severn Suzuki, a menina de 12 anos que silenciou o mundo para ser ouvida com suas duras e esperançosas palavras. Agora, a COP30 é a grande oportunidade para sinalizar ao mundo que crianças e adolescentes são símbolos e motivo para que palavras se tornem ações. Temos que honrar a infância. Que a COP30 seja a COP das Crianças.  

JP Amaral é gerente de Natureza do Instituto Alana, onde atua como estrategista e na área de advocacy para causas socioambientais e direitos das crianças. É conselheiro do Greenpeace Brasil, já integrou o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), é cofundador da rede Bike Anjo e do coletivo Ecologia Urbana. 

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