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A Terceira Idade se coloca como participante ativa do futuro do país

Não se assuste se sua avó não tiver mais tempo de fazer seu bolo preferido ou se o seu avô não puder jogar futebol de botão com você no domingo à tarde. A população de Terceira Idade tem conquistado a chance de encontrar as mais variadas opções para pôr um basta à ociosidade. E, muito mais do que simples formas de ocupação do tempo, essas atividades caminham para áreas que vão além de esporte, cultura, lazer ou convivência, elas adentram, também, no campo da política e da assistência social.

Entre outras ações por parte da sociedade e do governo, a Terceira Idade conquistou o direito da integridade física e mental através de grupos como o GAPI - Grupo de Assistência e Proteção ao Idoso, que fiscaliza asilos e casas de repouso, e a Delegacia de Proteção ao Idoso, que recebe queixas contra ameaças, abandono e maus tratos, além de entidades privadas, que complementam o serviço prestado pelo Estado.

Essas providências apontam para a consciência de que os idosos precisam ter a chance de desempenhar um papel relevante no futuro do País, que caminha para o chamado envelhecimento populacional.

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), só no município de São Paulo, a população na faixa dos 64 anos saltou dos 192.478, no senso de 1980, para 278.416, apresentados no senso de 91. Marina Pacheco, assessora técnica do Programa de Atendimento à Terceira Idade da Secretaria Municipal da Família, credita isso ao aumento da expectativa de vida e analisa que "o Brasil está deixando de ser um País de jovens".

O Sesc e o Idoso

A questão do aumento da população idosa em São Paulo e no país vem ocupando espaço nas discussões e atividades de instituições que trabalham para a melhoria de vida do ser humano, como o Sesc.

Pioneira nos trabalhos voltados à Terceira Idade, a entidade vem, desde os anos 60, introduzindo uma política de integração do idoso, criando atividades nas áreas de cultura, lazer e esportes. Hoje, o trabalho continua sólido e cada vez mais atividades são incluídas em suas programações.

Unidades do Sesc, como a da Pompéia, oferecem atividades artísticas, sociais e esportivas que visam, antes de tudo, a valorização pessoal do idoso. "Trabalhar com idosos é sempre gratificante, porque eles falam na hora do que gostam e do que não gostam. Há essa espontaneidade", explica Odimar Fiuza, o responsável pelas atividades para Terceira Idade no Sesc Pompéia. Os cursos mais procurados são os de dança de salão, automassagem e dança afro, e o ambiente das aulas é sempre marcado pelo entusiasmo e pela boa disposição dos alunos. Maria Célia Santos, de 60 anos, frequenta o Sesc Pompéia desde 86. Já fez cursos de teatro e fotografia e, agora, participa das aulas de danças folclóricas, deixando clara sua predileção pelas danças russa e japonesa. "Uma amiga me indicou o Sesc na época em que eu fazia fisioterapia por causa do derrame que sofri. Depois disso, minha vida mudou completamente. Comecei a namorar uma pessoa que conheci aqui no Sesc e procuro mais disposição ainda do que já tenho." Maria Célia se permite fazer muitos planos para o futuro, entre eles, viajar de navio para os Estados Unidos. Animada, ela confessa: "Os cursos do Sesc, para mim, significam viver."

A proposta de uma vida nova e de planos para o futuro são alguns dos elementos que motivam as pessoas de Terceira Idade nos jogos e nas atividades do Sesc. Irene Marques d'Avila, psicóloga e técnica do Sesc Carmo, explica a importância de atualizar o idoso nos assuntos que envolvam o mundo atual. "Nosso trabalho aqui é ajudar a pessoa de Terceira Idade a formar um projeto de vida e a ocupar seu tempo. Porque, se o idoso não sai de casa, nunca vai acompanhar os assuntos da família. É preciso que ele aprenda coisas novas, volte seu interesse a alguma atividade, para que, em casa, haja diálogo com filhos e netos. Isso é muito importante para a sua auto-estima."

Nas salas de espera do Sesc Carmo, encontram-se pessoas como Maria Aparecida de Freitas, 67 anos, que dedica uma parcela do seu tempo ao teatro há oito anos. Ela explica como seu relacionamento com os parentes ficou mais vivo depois de se tornar uma "artista". "Meus filhos e netos adoram que eu faça teatro aqui no Sesc. Uma vez apresentei uma peça em que eu fazia uma fada. Meus netos ficaram malucos e gritavam: 'A vovó é fada, a vovó é fada'. Foi um sucesso, meus filhos até filmaram", orgulha-se.

Regina Célia Sodré Ribeiro trabalha com Terceira Idade no Sesc Consolação há 17 anos e ressalta o caráter de retorno imediato que esse trabalho possui. "O idoso muitas vezes é uma pessoa que já criou os filhos, perdeu o companheiro e que, consequentemente, assume uma postura mais livre do que o adulto. É diferente da criança, espontânea, que ainda não tem sua base social e moral concluída", sentencia.

Um dos grandes destaques da unidade é o vôlei adaptado, que tem como objetivo promover a convivência entre os integrantes do time em vez de uma competição acirrada. Ilda Rescuna dedicou dez de seus 67 anos ao vôlei e se aborrece com as amigas menos acostumadas com o esporte, enquanto sua colega Ivone Valério grita animadamente da quadra: "Nós vamos para as Olimpíadas."

"Eles adoram bagunça, dança e passeio", explica Regina. Porém, as alternativas vão além de exercícios que demandam esforço físico ou agitação. A unidade oferece, também, tardes de música instrumental, poesia e dança, para não deixar de fora aqueles que se identificam com atividades menos "radicais".

No teatro, que faz parte das instalações, o palco ficou para o grupo de dança Danço Porque Gosto, formado por integrantes da Terceira Idade, mas que está aberto a todos os interessados. Antes do espetáculo, a platéia ainda toma ciência dos compromissos agendados para o mês, que incluem palestras sobre oftalmologia, literatura e de valorização da amizade.

O Encontro Estadual de Idosos

Além de se divertir, os idosos começam a tomar consciência de que são eles os principais interessados nas mudanças que podem vir a beneficiá-los. Um exemplo disso é o Encontro Estadual de Idosos, que aconteceu de 25 a 28 de setembro, em Campos de Jordão, com a participação expressiva de várias unidades do Sesc. O tema do ano foi o Estatuto do Idoso, criado em 1994 pelo presidente Fernando Henrique Cardoso e que prevê a oficialização do Conselho Nacional do Idoso.

A Lei 8.842, que instituiu o Conselho, trata de princípios, diretrizes e ações governamentais que devem assegurar os direitos sociais do idoso, visando sempre a criação de condições para promover sua autonomia, integração e participação efetiva na sociedade. Procurando esclarecer aos interessados os meandros, às vezes complicados, que uma lei possui, o Encontro reuniu palestrantes, especialistas e representantes de grupos de idosos para quatro dias de conferências, shows, apresentação de painéis, festas, além da leitura de um manifesto criado ao final do evento.

O Sesc teve sua participação garantida através de grupos formados por representantes de unidades do interior e da capital. Esses grupos levaram sugestões e reivindicações nas áreas da saúde, educação, trabalho e previdência social, habitação e urbanismo, justiça, cultura, esporte e lazer, elaboradas com a participação dos próprios freqüentadores de Terceira Idade.

Muita festa mas, sobretudo, discussões importantes traçaram o perfil do evento, que foi um dos pontos altos na comemoração do mês do idoso. E, além disso, pôs em prática um dos aspectos mais sérios e importantes do estatuto, o que prevê que "o idoso deve ser o principal agente e o destinatário das transformações a serem efetivadas através desta política", descrito no 4º parágrafo do 2º capítulo.

Direito à Cidadania

O Decreto 35.177, de 7 de junho de 1995, foi um divisor de águas no que se refere às diretrizes e às providências que garantem os direitos do idoso no município de São Paulo. Na ocasião, foi aprovada a Política Municipal de Atendimento à Terceira Idade e, oficializou-se, através da Secretaria Municipal da Família e do Bem-Estar Social de São Paulo, o Programa de Atendimento à Terceira Idade, o PATI.

Marina Pacheco, assessora técnica do programa, explica que os objetivos são assegurar os direitos sociais do idoso, criar condições para promover sua autonomia na sociedade, além de estabelecer critérios de atendimento, como a faixa etária de 60 anos para um cidadão ser considerado idoso, além da comprovação de uma renda familiar de até quatro salários mínimos para que a pessoa seja contemplada com os serviços oferecidos pelo programa. "É importante chamar a atenção para a diferença entre uma política como esta e o que se faz para assegurar os direitos das crianças, por exemplo", explica Marina. "No caso da criança e do adolescente, é preciso que os adultos lutem e façam valer o que está escrito no papel, já no PATI, embora haja uma equipe específica para a elaboração e aplicação das leis, cabe ao próprio idoso vistoriar e garantir seus direitos."

Isso também contribui para o aumento da auto-estima do idoso, que se conscientiza para o fato de que uma melhor qualidade de vida no seu presente e futuro depende, antes de tudo, dele mesmo.

Além de encontros, conferências e debates sobre o que já foi realizado e o que ainda se pode fazer pelos idosos, iniciativas como essa acabam se alastrando por vários caminhos, cobrindo todos os aspectos do dia-a-dia da Terceira Idade, alcançando, dessa forma, a plenitude do direito.

A criação do Grande Conselho Municipal do Idoso foi um exemplo disso. Com um caráter mais imediatista, o Conselho garante ações rápidas para a melhoria da qualidade de vida, desde transportes públicos até cultura e lazer.

O Grande Conselho prevê, entre outras coisas, o adiamento em até 30 dias dos vencimentos das contas de água, luz e gás; garante o transporte gratuito em ônibus urbanos e metrô; assegura a meia-entrada em cinemas e teatros e estabelece o atendimento preferencial em todas as lojas comerciais e de serviços, como agências bancárias, postos de saúde e outros, o que, em palavras mais simples, significa que o idoso não precisa esperar na fila.

A aposentada Clemildes Santos Leite, de 61 anos, reconhece o quanto isso é importante para quem já contribuiu tanto à sociedade. "A gente já trabalhou demais e o dinheiro às vezes é curto, por isso é bom saber que temos esses privilégios", alivia-se.

Muito mais que um privilégio, esses benefícios são direitos conquistados às custas de muito trabalho e não visam a acomodação do idoso, mas sim o reconhecimento das necessidades especiais que a idade traz.

De Volta às Aulas

Voltar a estudar é um direito que vem sendo exercido pelas pessoas de Terceira Idade. Universidades como as de Santana, a São Judas e PUC proporcionam cursos específicos para as pessoas de Terceira Idade que queiram voltar a freqüentar as salas de aula.

No caso da PUC de São Paulo, a COGEAE, Coordenadoria Geral de Especialização, Aperfeiçoamento e Extensão, oferece a Universidade Aberta para a Terceira Idade, um trabalho de reciclagem cultural que coloca o idoso em sintonia com os assuntos pertinentes à atualidade, por meio de disciplinas como Introdução à Economia, Política e Sociologia. Maristela Cunha Azevedo Leite, de 53 anos, é caloura na faculdade, mas já está bem enturmada com a classe e feliz com a oportunidade. "Aqui nós não temos um compromisso rígido com a faculdade, o que não significa que a freqüência não seja sempre assídua. É uma chance de voltar a participar da história do país e ajuda até a melhorar a comunicação em casa com meus filhos", conta.

O curso dura dois anos e as aulas são às segundas e às quartas-feiras, das 14 às 17 horas, período em que, além de estudar, os alunos fazem amigos, trocam idéias e experiências. "Nós vemos vídeos, lemos os livros que os professores nos indicam. É excelente", anima-se Marlene Novello, colega de classe de Maristela, que finaliza: "Dá até saudade nas férias."

A troca de vivência não se limita apenas aos alunos, os professores também reconhecem o quanto é rico dar aula para pessoas que têm tanto a ensinar e confessam que acabam aprendendo mais do que ensinando. "As pessoas que fazem a faculdade da Terceira Idade estão aqui porque querem estar, ninguém as está obrigando", afirma a professora Valquíria Martinez. Ela conta que já trabalhou com outras turmas, mas nos quatro anos em que ministra aulas para a Terceira Idade aprendeu que esse pessoal é bem mais interessado e participativo.

O Conceito de Acessibilidade

No dicionário, a palavra aparece como "qualidade de acessível, facilidade na aproximação, no trato ou na obtenção". Porém, muito mais que verbete em um livro de referência, a acessibilidade tornou-se um conceito que visa fazer da cidade um lugar que atenda aos interesses de todos os cidadãos, sejam eles altos, baixos, gordos, magros, portadores de deficiência ou não, jovens ou idosos. Uma cidade é composta do que convencionou-se chamar de ambientes físicos. O assistente social Romeu Kazumi Sassaki define em seu livro, Inclusão: Construindo Uma Sociedade Para Todos, espaços físicos como sendo "todas as coisas construídas que cercam o ser humano: as edificações, os espaços e equipamentos urbanos, o mobiliário, os aparelhos assistidos, os utensílios e os meios de transporte". Romeu é consultor de reabilitação da Secretaria Municipal da Família e Bem-Estar Social (FABES) de São Paulo e participou da criação do Prodef - Programa de Atendimento aos Portadores de Deficiências através da portaria nº 105, de 1993. Romeu vem trabalhando com a questão da acessibilidade arquitetônica há 30 anos, uma atividade que ao longo desse tempo contou várias vezes com o apoio do Sesc para desenvolver uma sociedade que beneficiasse a todos. Como em 1980, quando pronunciou a palestra Barreiras Arquitetônicas aos engenheiros e coordenadores da entidade ou, em 95, sendo membro da Comissão Organizadora do 1º Simpósio Paulista da Acessibilidade Arquitetônica Ambiental - Acesso 95, promovido, entre outras entidades, pelo Sesc. A mais recente parceria se deu no mês de setembro no lançamento de seu livro no Sesc Ipiranga.

Segundo Romeu, existe uma delicada linha que divide os conceitos de integração e inclusão, limiar onde se estabelece uma evolução nos conceitos de desenho da cidade, partindo do antigo desenho tradicional, até 1980, passando pelo desenho acessível, de 80 a 90, e que deverá chegar ao desenho universal, sendo largamente difundido na sociedade que caminha para o próximo milênio. De acordo com autor, a cidade vive o momento do desenho acessível, onde começa a haver uma adaptação de seus espaços físicos aos portadores de deficiências e às demais pessoas que apresentem necessidades especiais, entre eles os idosos. "A partir de agora, as novas construções dos ambientes físicos deverão atender a todas as pessoas. Não ouviremos expressões como prédios, ônibus, carros, restaurantes ou cinemas adaptados, tudo será projetado pensando em todos os usuários", analisa.

O que acompanhamos hoje, segundo Sassaki, é uma espécie de desenvolvimento do desenho tradicional onde tudo era construído pensando em uma sociedade composta por indivíduos que, supostamente, poderiam subir escadas sem corrimão, falar em orelhões de altura convencional ou utilizar sanitários sem a ajuda das barras de apoio. Com a conscientização de que o deficiente, na maioria dos casos, precisa e pode desenvolver tarefas como as pessoas em geral, e com o evidente aumento da população de Terceira Idade, que a cidade esteja preparada para suas eventuais limitações, a transformação foi inevitável. Foi necessário desenvolver meios que tornassem os espaços realmente públicos, na essência da palavra. Romeu cita como exemplos o rebaixamento das guias, a construção de rampas laterais nos edifícios e os elevadores exclusivos para deficientes nas estações de metrô.

E é nessa política de integração que entra o conceito de acessibilidade, ou seja, uma mudança na configuração desses espaços, para que eles estejam adequados às necessidades atuais das pessoas, garantindo a integração de pessoas que hoje encontram certas barreiras que impedem o exercício de seu direito de ir e vir. O movimento pela eliminação desses obstáculos arquitetônicos surgiu no início dos anos 60, desde então vem procurando chamar a atenção da sociedade para a necessidade de reduzi-los ao mínimo possível, quando se começou a falar em adaptação do meio físico.

O próximo passo para essa prática de integração é a definitiva inclusão de todas as pessoas na sociedade e em seus espaços, realidade que deve ter como base uma noção do que o livro de Romeu Sassaki chama de "arquitetura para todos", incorporando esse conceito de desenho universal já a partir de sua mesa de projetos.