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Em se plantando, dá até azeitona...

Produtores gaúchos e mineiros cultivam oliveiras e já fabricam azeite

MIGUEL NÍTOLO


Olivicultura em Maria da Fé (MG)
Foto: Adelson Francisco de Oliveira

Em setembro de 2008, a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) deu ao país uma notícia alvissareira, que serviu para reafirmar o admirável impulso experimentado pelo agronegócio brasileiro. Vinculada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, a estatal revelou que a safra anual de grãos (2007/08) vai permitir a colheita recorde de 143,87 milhões de toneladas, um salto de 9,2% em relação ao ciclo anterior. A bem da verdade, a agricultura do Brasil já se acostumou a exibir resultados de arregalar os olhos. O campo vem obtendo números surpreendentes, fazendo jus às palavras de Caminha e tirando o sono de nações que teimam em lançar mão de subsídios para proteger suas lavouras da competição imposta pelo produto agrícola brasileiro. Na carta ao rei de Portugal, anunciando a descoberta do Brasil, em 1500, o escrivão da esquadra de Pedro Álvares Cabral, Pero Vaz de Caminha, escreveu que "a terra em si é de muito bons ares frescos e temperados como os de Entre-Douro-e-Minho, porque neste tempo d’agora assim os achávamos como os de lá. Águas são muitas; infinitas. Em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo..." É certo que a observação do escrivão de Cabral não passou àquela altura de um exercício de retórica, um agrado ao soberano português, mas, passados cinco séculos, vê-se que estava certo.

Se éramos antes senhores apenas do café e de algumas outras espécies, hoje dominamos o cultivo de um sem-número de produtos – muitos deles aclimatados graças ao empenho do homem do campo e das entidades de pesquisa, num entrosamento que é assegurado pela extensão rural –, o que tem colaborado para ir tornando real o sonho de nossos avós de transformar o Brasil no celeiro do mundo. A maçã é um exemplo altamente significativo da ascensão do país como potência agrícola. Se, nos anos 1980, a fruta ainda era um artigo de importação, notadamente da Argentina, nação cujo clima, diziam, é mais propício para o seu cultivo, hoje ela faz morada no sul do Brasil e ameaça alçar vôos na direção de outros pontos do território nacional. Em 2008, a produção brasileira de maçã poderá chegar a 850 mil toneladas, volume capaz de dar atendimento integral às necessidades internas e ainda ampliar espaços no mercado internacional, coisa que não passava pela cabeça mesmo dos mais otimistas 30 anos atrás.

Clima semelhante

A agricultura brasileira, definitivamente, parece decidida a vencer desafios. Como aconteceu antes com diversos produtos trazidos de fora, o Brasil se dispõe agora a enfrentar uma nova e promissora peleja: a produção de azeitona e de azeite de oliva, uma investida em curso em Minas Gerais e no Rio Grande do Sul e que também caminha para o concretizável. Nesse setor o Brasil é 100% dependente do fornecimento externo (leia-se, em especial, Portugal e Espanha), tendo consumido em 2007 em torno de 63 mil toneladas de azeitona (crescimento de 15% sobre 2006) e de 35 mil toneladas de azeite de oliva (29% a mais que no ano anterior), segundo dados da Associação Brasileira de Produtores, Importadores e Comerciantes de Azeite de Oliveira (Oliva), importação que dá vida a um negócio que movimenta algumas centenas de milhões de dólares anualmente. Joaquim Firmino, presidente da Câmara de Comércio Brasil-Portugal do Rio Grande do Sul, informa que apenas no primeiro semestre de 2008 a importação de azeite de oliva atingiu US$ 124,2 milhões, quase 70% do valor desembolsado em todo o ano de 2007. Ele também revela que Portugal respondeu por quase 60% do volume total desse fornecimento.

Português radicado no Brasil há apenas dez anos, Firmino é um dos grandes incentivadores da produção em larga escala de azeite e azeitona neste lado do oceano. Observador, logo detectou que o sul do país reunia todas as condições para o cultivo. "Pesquisando novos investimentos para a região, fiquei surpreso por não encontrar aqui azeitona e azeite brasileiros, já que o Rio Grande do Sul tem clima mais ou menos semelhante ao de minha pátria, além de também ser banhado pelo Atlântico", diz. Esclarecido da existência de olivais abandonados, Firmino saiu atrás de outras informações, de pessoas e instituições interessadas no mesmo tema. Acabou fazendo contatos e firmando parcerias com a Embrapa Clima Temperado, de Pelotas, a Associação Rio-Grandense de Empreendimentos de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater/RS) e a Fundação Estadual de Pesquisa Agropecuária (Fepagro).

Essa aproximação gerou frutos e rendeu a assinatura de protocolos de intenções, a visita técnica a áreas de plantio em Portugal e a programação de encontros internacionais no Brasil. Graças à intensa movimentação em torno da olivicultura sulina, em junho último o governo gaúcho criou dois grupos de trabalho – um de produção e outro de industrialização – para incentivar o cultivo de oliveiras no Rio Grande do Sul.

Caçapava do Sul, município de 34 mil habitantes a 264 quilômetros de Porto Alegre, tem investido forte na olivicultura e estimulado o cultivo em outras localidades, como Alegrete, Bagé, Cachoeira do Sul, Cambará do Sul, Encruzilhada do Sul, Erechim, Lavras do Sul, Pelotas, Santana da Boa Vista, São Pedro do Butiá e São Sepé. É sabido que, apenas em Caçapava do Sul, 20 produtores cultivam em torno de 70 mil mudas numa área equivalente a 120 hectares. "Os pomares gaúchos são recentes, estando ainda na fase que chamamos de juvenilidade", comenta o engenheiro agrônomo Antônio Conte, da Emater/RS. Ele salienta que as plantações mais antigas, iniciadas em 2002, estão entrando agora na fase de produção. "Há um grande interesse dos produtores pela cultura, mas ela ainda é uma coisa nova e necessita de muita pesquisa", destaca.

O engenheiro agrônomo Enilton Fick Coutinho, pesquisador da Embrapa Clima Temperado, comenta que nos bancos de dados da entidade há uma relação de 700 pessoas interessadas no cultivo de oliveiras, principalmente nos estados da região sul. "A aposta na produção de azeitona e azeite de oliva é, hoje, mais do que uma simples expectativa desta ou daquela região, devendo ser considerada como uma perspectiva de interesse do Brasil", argumenta Coutinho.

Fato é que, em Minas Gerais, a olivicultura também já vem sendo experimentada há algum tempo no município de Maria da Fé, de 15 mil habitantes, encravado no alto da serra da Mantiqueira e lembrado como um importante produtor de batata. "Não se pode afrontar a pesquisa e os pesquisadores brasileiros", diz o engenheiro agrônomo Adelson Francisco de Oliveira, pesquisador da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig). Ele salienta que ações desafiadoras anteriores à incursão agrícola representada agora pelas oliveiras mostraram isso. E recorda que a primeira planta de soja produzida no Brasil era raquítica e não deixava margem para esperanças, mas, contrariando todos os prognósticos, o país se tornou um dos maiores produtores e exportadores do grão.

"Pesquisa se faz com idéias e um pouco de recursos", costuma dizer. Oliveira, que, coincidência ou não, carrega no sobrenome o nome da planta, fala de cátedra. Ele integra o seleto grupo de especialistas envolvidos na adaptação da árvore que dá azeitona ao clima do Brasil, um projeto que, segundo garante, está se encaminhando para repetir o sucesso alcançado pela maçã. E, como responsável pela área de olivicultura da Fazenda Experimental da Epamig em Maria da Fé, Oliveira dispõe de informações preciosas sobre a nova cultura em seu estado. Ele revela que a região começou a abraçar a idéia da olivicultura há mais ou menos 15 anos e que hoje vê grandes extensões de terra serem ocupadas pelo cultivo da oleaginosa. Além disso, pequenos agricultores estão investindo em plantios no formato de pomares próximos a suas moradas, "iniciativa que entendemos ser de grande importância porque permite a produção para consumo próprio", observa.

Dos Açores

No sul, o que começou de mansinho, com apenas algumas mudas e muitos pontos de interrogação, envolve hoje o trabalho de instituições de peso que se interessaram pela novidade e, transcorridos poucos anos, começam a mudar a cara da olivicultura local. Todos são no entanto unânimes em apontar o advogado Guajará de Jesus Oliveira, de Ijuí, no noroeste do Rio Grande do Sul, como o introdutor, de fato, das plantações em larga escala no estado (conta a história que as primeiras oliveiras foram trazidas há mais de 200 anos ao sul do Brasil pelos imigrantes açorianos). Uma viagem de turismo à Europa, em meados da década passada, foi o começo de tudo.

Guajará e sua esposa, a médica nefrologista Olvânia Basso, conheceram o cultivo de azeitona em alguns dos países por onde peregrinavam, e essa descoberta acabou mexendo com a cabeça dos dois, que enxergaram ali uma oportunidade que não podia ser desperdiçada. Sabedores da dependência do Brasil da azeitona e do azeite de oliva importados, eles se deram conta de que estavam diante de um negócio promissor. Então, segundo as palavras de Guajará – que também traz no sobrenome o nome da planta –, o casal decidiu apostar nesse cultivo. "Compramos livros que tratam do assunto e passamos a investigar por conta as particularidades técnicas relacionadas ao plantio", esclarece ele.

Guajará lembra que em 2002 iniciou uma pequena plantação, mediante a importação de 300 mudas da Espanha, cultura que foi sendo expandida até chegar às 7,4 mil árvores de hoje. É claro que nesse meio-tempo foi preciso correr atrás da ajuda de gente especializada, no caso os técnicos de uma fornecedora de mudas da Espanha com negócios no Brasil.

A chácara Cerro dos Olivais, a propriedade de Guajará em Caçapava do Sul, abriga em 20 hectares o segundo maior pomar de pés de azeitona do Brasil, investida que deu ao Rio Grande do Sul, meses atrás, a primazia de apresentar ao mercado aquele que está sendo considerado, possivelmente, o primeiro azeite de oliva extravirgem de origem nacional. A primeira safra da Cerro dos Olivais, em 2005, rendeu apenas 3 quilos de azeitona. Em 2007, a colheita foi mais auspiciosa: 150 quilos, que permitiram a extração de 30 quilos de azeite e a certeza de bons negócios no futuro. "Se tudo der certo, nos próximos sete anos devo estar produzindo, de forma estável, entre 70 mil e 100 mil quilos de azeitona, volume que propiciará à Cerro dos Olivais de 14 mil a 20 mil litros de azeite extravirgem com acidez inferior a 0,5%", sustenta Guajará.

Planos ambiciosos

É certo que nada acontece por acaso. Em 2005, já presidente da Associação de Olivicultura de Caçapava do Sul, entidade que ele mesmo fundou, Guajará aproveitou a passagem pelo município do então governador do Rio Grande do Sul, Germano Rigotto, para mostrar o projeto das oliveiras. "Ele ficou impressionado com a iniciativa e determinou a liberação de uma verba de R$ 300 mil", lembra o olivicultor. O dinheiro, originário do fundo de ajuda à agricultura familiar, foi utilizado pelos associados, em 2006, para a aquisição de 30 mil mudas. Começava a ser escrita ali, de verdade, a história da olivicultura rio-grandense-do-sul.

Hoje, o estado pode se vangloriar de sediar o maior pomar individual de oliveiras do Brasil, propriedade do médico André Rosso, em Caçapava do Sul, onde são cultivadas 16 mil árvores plantadas em dezembro de 2006 e que começarão a produzir daqui a dois anos. "Estava em busca de uma alternativa para o aproveitamento de minha terra, visto que as constantes estiagens acabam por reduzir a produção de soja no verão, e as geadas e demais intempéries atrapalham a cultura do trigo no inverno. Foi então que apareceu a oliveira em minha vida", frisou o produtor.

Rosso conta que tem uma cultura de trigo ao lado dos pés de azeitona e que no verão planta soja para ajudar a manter a propriedade. E informa que a partir de novembro deste ano dará início à plantação de mais um lote de oliveiras. "Primo pela qualidade das mudas e pela perspectiva de ganhos futuros graças à uniformidade dos frutos", observa o agricultor, que, a exemplo do advogado Guajará, também reside em Ijuí. Seus planos são ambiciosos. "Pretendo aderir à colheita mecanizada, pois apanhar manualmente azeitonas em mais de 16 mil árvores é algo impraticável, sem considerar a carência de mão-de-obra na região e o prejuízo que isso acarretaria ao produto final."

Rosso sabe que é preciso dedicar cuidados especiais aos frutos para não prejudicar a qualidade do azeite. São conselhos que começam a chegar aos ouvidos dos novos investidores, dicas que ficam mais fáceis de divulgar quando o setor é atendido por entidades representativas, como é o caso da Associação Rio-Grandense de Olivicultores (Argos), comandada por Guajará e Rosso (presidente e vice, respectivamente). Fundada em julho último, ela nasceu para dar atendimento a produtores da região sul do país. Os 20 sócios fundadores da Argos, profissionais dos mais diferentes segmentos (advogados, aeronautas, arquitetos, empresários, jornalistas e médicos) tocam pomares que, juntos, somam 50 mil árvores. Eles têm demonstrado uma vontade inabalável de viabilizar o negócio. "Em 2009, pretendemos realizar a Jornada Internacional de Olivicultura, com a presença de professores e técnicos da América Latina, Estados Unidos e Europa", comunica Guajará. Ele argumenta que o cultivo de oliveiras é extremamente rentável, mas que é preciso, necessariamente, "trabalhar de forma certa e segura para produzir com qualidade e competitividade".

Essa é, na realidade, uma regra universal que deveria pautar a rotina de todos os ramos da atividade. Os plantadores de azeitona de Maria da Fé, por exemplo, que acompanham de perto os passos dos gaúchos, procuram seguir o modelo traçado pelos especialistas da olivicultura. Não bastasse isso, há a informação de que o pé de azeitona integra há tempos a paisagem desse município, a despeito de nunca ter sido explorado comercialmente. "A oliveira chegou a Maria da Fé na década de 1950, inicialmente a título de curiosidade ou como planta ornamental, o que justifica sua presença nas ruas da cidade", observa Oliveira, da Epamig. De acordo com informações do agrônomo Nilton Caetano, gerente da Fazenda Experimental da Epamig, Maria da Fé tem 80 mil mudas numa área de 150 hectares e o cultivo de oliveiras já transpôs os limites do município. "A cultura está se esparramando em caráter experimental em direção a Barbacena, Caldas, Diamantina, Jaíba, São Sebastião do Paraíso e Três Corações, com bons resultados", comenta.

O governo de Minas está investindo na Fazenda Experimental de Maria da Fé, o município mais frio do estado, em torno de R$ 240 mil no plantio de novas áreas de oliveira, na casa de vegetação para produção de mudas, na adaptação de instalações e na aquisição de um extrator de azeite de oliva. "Isso deverá impulsionar a atividade porque vai permitir firmar parcerias principalmente com pequenos plantadores, que poderão levar a colheita à fazenda da Epamig para a extração do azeite de oliva com qualidade e padrão", comenta Oliveira. Decidida a transformar a região numa grande produtora, a empresa instalou um núcleo tecnológico de azeite e azeitona em sua fazenda experimental com vistas a polarizar os trabalhos de pesquisa e apoiar o desenvolvimento da cultura como nova opção de renda para os ruralistas mineiros. "Descobrimos que o cultivo da oliveira é possível em municípios brasileiros com altitude superior a mil metros", comunica o presidente da Epamig, Baldonedo Arthur Napoleão.

É claro que a perseguida oferta local não vai ser uma conquista com data marcada, daquelas que se obtêm da noite para o dia, mas o alvo, apesar de ainda distante, acabará inexoravelmente atingido. "O Brasil reúne todas as condições para zerar a importação de azeitona e azeite de oliva, assim como para ser um dos grandes exportadores desses produtos", diz Guajará, da Argos. Ele lembra que temos espaço físico e clima, bastando, portanto, que o negócio seja tocado com seriedade. Algumas das pessoas envolvidas com os destinos do cultivo de oliveiras no país não se furtam a arriscar palpites sobre o tempo que ainda falta para alcançarmos a auto-suficiência ou, pelo menos, o atendimento de parcela apreciável de nossas necessidades.

Coutinho, da Embrapa Clima Temperado, garante que daqui a seis anos "estaremos produzindo azeite de oliva e azeitonas de mesa". E, num espaço de dez anos, segundo cálculos de Joaquim Firmino, da Câmara de Comércio Brasil-Portugal/RS, o Brasil vai começar a ser competitivo e visto como um futuro exportador. "E, no meu sentir, daqui a 30 anos o país será referência em todas as áreas da olivicultura", vaticina. 

 

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