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Josepha Theotônia de Britto - dirigente sindical, secretária e assessora

Foto: Nilton Silva
Foto: Nilton Silva

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Destaca-se como dirigente sindical e desde 1995 é Secretária Executiva da Frente Parlamentar de Entidades Civis e Militares em Defesa da Previdência Social Pública. Como assessora do Senador Paulo Paim e a pedido deste, teve participação decisiva na elaboração do texto que viria a ser o Estatuto do Idoso.

REVISTA: Conte-nos sobre sua história, infância, juventude...

JOSEPHA: Gente, quase 73 anos é uma história comprida (risos)! Eu sou filha de imigrantes nordestinos que chegaram ao Rio de Janeiro, só que eu já vim “embutida”, já vim dentro do ventre materno quando meus pais chegaram ao Rio. Nossa família foi muito pobre. Sou carioca. Aos 11 anos perdi meu pai. Ele era alfaiate, trabalhava em casa, tinha uma vida difícil, muitos filhos. O conceito de pobre naquela época era um pouco diferente do conceito de pobre hoje, a gente não era assim miserável, a gente era pobre porque não tinha acesso a uma porção de coisas. Às vezes eu penso assim: não se faz mais pobre como antigamente, o pobre hoje quer ter geladeira, quer ter videocassete, quer ter DVD, quer ter suas coisas e acaba tendo, vai se endividando e acaba tendo até carro. Na minha infância a coisa era muito diferente, a gente não tinha essas ambições de consumo. Isso foi colocado na nossa cabeça depois, não sei se foi um bem ou um mal que aconteceu, mas a gente não tinha essa coisa de consumo. Eu andava de tamanco a é os 13, 14 anos, numa boa. É claro, não ia de tamanco para a escola, porque eu estudei em escola particular.

REVISTA: Como foram seus estudos?

JOSEPHA: Fiz escola particular, apesar da dificuldade financeira de meu pai porque a escola era perto de casa, eu pedi a ele, pedi, pedi, insisti muito e ele acabou capitulando. Eu tinha quatro anos, ele pensou: “Ela vai, fica um pouquinho lá e passa”. Mas não, eu fui porque queria mesmo estudar. Então a professora acabou me dando o curso de graça, embora fosse uma escola particular. Convivi muito bem na escola com crianças de melhores condições de vida. Tentei e acho que consegui passar para a minha filha e tento passar para o meu neto, a importância de se conviver bem com gente rica e com gente pobre. Para fazer o ginásio pedi ajuda a um jornal, eles fizeram uma reportagem comigo e me conseguiram o colégio de graça, livros, uniforme, tive tudo. Recebi até mesmo um “salário” de 100 cruzeiros, dado por um advogado rico que leu a reportagem.

REVISTA: Uma espécie de bolsa escola...

JOSEPHA: É verdade, uma bolsa escola. Eu não tinha pensado nisso. Tinha um ordenado para estudar e como eu tinha tudo de graça, livros, escola, esse ordenado era o ordenado que a gente tinha para comer, porque nessas alturas meu pai já tinha morrido. Nós vivíamos daquele meu ordenado. Então chego hoje na minha idade e sinto o seguinte: aos dez anos eu já consegui praticamente prover a família e segui um pedido que meu pai me fez quase morrendo, que eu cuidasse dos filhos dele. Aí não pude seguir terceiro grau, era mais complicado, eu tinha que trabalhar, já era muito mais difícil, naquela época era difícil a gente conciliar trabalho e faculdade. Não fiz. Não sinto falta de não ter feito, não. Tudo bem, acho que na vida tudo segue o caminho que tem que ser. Então comecei a trabalhar muito cedo e, por começar a trabalhar muito cedo, me aposentei muito cedo.

REVISTA: Começou a trabalhar com quantos anos?

JOSEPHA: Com 14 anos já fiz um trabalhinho informal. Aos 15 anos fui professora, também informal. Era uma cidade do Interior, onde o prefeito contribuía para a escola com duas professoras, a prefeitura pagava, uma era eu. Então eu dei aula durante um ano.

REVISTA: Você trabalhou na famosa fábrica de discos Copacabana, não foi?

JOSEPHA: Sim, mas antes trabalhei em um jornal ( intitulado “A NOITE” ), aquele mesmo que me ajudou a conseguir fazer o ginásio. Fiquei lá dois anos e depois fui para a Copacabana. Fiquei 38 anos nessa fábrica de discos, que era pequenininha, mas foi crescendo. Então eu me sentia dona daquilo lá também.

REVISTA: Como foi essa experiência na fábrica de discos?

JOSEPHA: Bem, eu fui crescendo junto com a empresa, eu fiquei 38 anos lá. Depois de aposentada, nova, com 46 anos, mas com 30 de contribuição direta, sem parar um mês. Eu acho que não tem nada de errado se aposentar aos 46 anos, eu cumpri 30 anos de trabalho e de contribuição. A essa altura eu já tinha uma filha, fiquei mais dez anos na empresa porque precisava acabar de cria-la. Eu a criei sozinha, dei a ela o melhor que eu pude em termos de escola e a ensinei a não valorizar tanto o consumo das coisas. É claro que ela vive outros tempos, ela faz outras coisas, diferente de mim.

REVISTA: Você não se casou?

JOSEPHA: Não me casei. Eu optei por não me casar porque tinha muita independência, eu tinha medo de perder a minha independência, mas queria ter um filho. E a pessoa com quem eu me liguei, o pai dela, não tinha coragem de assumir uma família. Mas eu fiz questão mesmo foi de poder criar minha filha sozinha, como eu quis, sem mais ninguém. Minha mãe era visita, não dava o menor palpite. Tanto que hoje eu também procuro não dar palpite em relação ao meu neto.

REVISTA: Como é a convivência com seu neto e o que você acha desse tipo de relação?

JOSEPHA: Com meu neto eu sou companheira de brinquedo. Quando ele está comigo na minha casa, ele me obedece, porque ele sabe que nós somos sozinhos em casa. Mas na casa dele não me obedece de jeito nenhum, eu sou companheira de brinquedo e eu faço questão que seja assim. A minha relação com ele é muito legal, eu acho muito boa. O problema é o seguinte: existem relações de todo tipo e existem avós que se tornam dependentes dos filhos. Como são dependentes dos filhos, acabam virando empregados dos netos. Então eles vivem naquela condição de morar na casa do filho ou da filha bem-sucedidos e ali ajudar, trabalhar, ser uma espécie de babá. Existe muito isso. Mas existem também relações muito boas, em que os avós são companheiros dos netos e passam muito da sua experiência, das suas memórias.

REVISTA: Qual é a importância desse repasse de memórias de avós para netos?

JOSEPHA: Eu acho muito importante que o idoso passe suas experiências, suas memórias, sua sabedoria, sabedoria aprendida com os anos, porque a gente aprende com os anos, os anos vão passando e você vai percebendo melhor as coisas da vida. Então, se você consegue passar para um neto ou um sobrinho... Eu tinha um sobrinho no Rio de Janeiro que gostava que a gente contasse as histórias antigas para ele, ele ficava encantado, maravilhado de saber como foi, gostava de saber como era o avô dele, quem era o meu pai, como era minha mãe. Não houve uma relação de avô do meu pai, porque ele morreu cedo, houve uma relação de avó da minha mãe e a minha mãe foi uma avó muito querida por todos os netos, sempre tiveram uma afeição muito profunda por ela, foi muito legal. Eu até me surpreendi com a minha filha. Quando minha mãe morreu, minha filha tinha 16. Eu me surpreendi quando cheguei em casa e contei para ela, assim de forma natural: “A gente está indo para o Rio, porque a sua avó morreu”. Ela desabou, eu nunca imaginei que ela tivesse uma afeição tão grande. Elas tinham uma relação boa, passava férias às vezes, eu não podia às vezes parar o trabalho e nas férias minha f ilha ia com ela para o Rio, as duas ficavam lá passeando, aquela coisa. A afeição que ela teve por ela foi muito grande, eu fiquei surpreendida e contente, apesar de ser a hora da morte dela, mas por entender que tinha havido uma relação tão boa. E não é difícil, eu não acho difícil que haja uma relação boa do idoso com a criança. Quem está no meio dessa relação é que faz isso ser bom ou ruim, o intermediário. O intermediário no caso é o pai e a mãe que estão entre os avós e os netos, são eles que provocam às vezes determinadas conflitos, porque existem filhos que criticam os pais, começam a reclamar de certas coisas porque os pais já são idosos. Às vezes até sem querer passa a idéia de que está incomodado com a presença do pai ou da mãe, do sogro ou da sogra dentro de casa. Não diz abertamente que está incomodado com aquilo, mas começa a reclamar de uma coisa, reclamar de outra, isso passa para o neto.

REVISTA: Voltando à sua história profissional, o que houve após sua experiência na Copacabana?

JOSEPHA: Eu me aposentei em 1979. Completei os 30 anos e me aposentei sem parar um dia de trabalhar. O departamento de pessoal da firma cuidou da minha aposentadoria e eu segui normal, do mesmo jeito, no mesmo ponto onde eu estava. A única coisa que eu fiquei sabendo a partir dali, quando comecei a receber, foi que recebia muito menos do que eu ganhava na firma. Isso eu descobri naquela ocasião, não sabia que era assim, não tinha noção de que era dessa forma, descobri a diferença enorme. Mas continuei no meu trabalho, envolvida no meu trabalho e na criação da minha filha, sem pensar em Previdência e no porque daquilo, fui seguindo. Eu estava imaginando parar quando a minha filha se formasse, esse era o meu objetivo. Mas quando estava faltando uns dois anos a direção da firma mudou e nós entramos em conflito, não por minha causa, o conflito foi porque eu não aceitava o tratamento que estava sendo dado aos outros, aquilo foi mudando e eu bati de frente com eles. Eu era dirigente sindical. Sabe o que eles fizeram comigo? Com 35 anos de trabalho, eu tinha a companhia toda na cabeça e eles me encostaram numa mesa, mandaram alguém que não sabia nada pegar o meu lugar. Aos 25 anos eu ganhei medalha de ouro, aos 30 anos ganhei uma placa, aos 35 tivemos esse entrevero. E o que eu ganhei? Me encostaram como algo inútil. O que eu pude fazer?

REVISTA: Qual era a sua função na época?

JOSEPHA: Eu era gerente da parte administrativa de produção. Eu “vestia a camisa”. A gente tinha quatro fábricas, de discos, de cassetes, a gráfica, que era mais uma fábrica, e depois foi montada mais uma fábrica que era de produtos plásticos para aproveitar o tempo ocioso, as sobras de plástico.

REVISTA: A fábrica de discos Copacabana fechou, não é?

JOSEPHA: Sim, acabaram com ela. Foi uma coisa muito triste, esses novos donos conseguiram acabar com a companhia. Esse selo foi famoso, teve artistas da maior importância na época: Ângela Maria, Moacir Franco, Agnaldo Rayol, Jackson do Pandeiro, Inezita Barroso, Altamiro Carrilho, Dolores Duran. A gente tinha toda essa gente e eu tinha uma relação muito boa com eles todos. Luiz Vieira foi nosso. Estou esquecendo alguém muito importante? Acho que sim... Elizeth Cardoso, puxa!

JOSEPHA: Nós tivemos um período fantástico na companhia, ela foi crescendo
muito e a gente foi junto, crescendo junto. Até que acabou... foi triste
isso.

REVISTA: Em 1990 houve um fato decisivo em sua vida: a manifestação de aposentados na Praça da Sé. Como foi?

JOSEPHA: Foi assim: briguei com a companhia, então acabou meu tempo de sindicato, eles me mandaram embora. Eu fiquei lá, e disse a mim mesma: “Eu vou ficar, eles não vão me vencer, não vou pedir demissão”. Mas quando terminou o tempo de sindicato, eles me mandaram embora. Pensei: “o que eu vou fazer agora”? Estava pensando em encontrar um trabalho voluntário, me filiei ao Sesc Carmo, fui fazer ioga, fiz um cursinho de inglês e outros cursos. Fiz um pouco de trabalho voluntário. No Dia do Aposentado eu estava escutando rádio de manhã, não sabia que tinha Dia do Aposentado, não sabia nada disso, absolutamente nada. Estava escutando rádio e escuto dizer assim: “Os aposentados vão fazer uma manifestação na Praça da Sé”. Pensei: “Estou lá, vou lá assistir”. Quando cheguei lá, houve um episódio assim muito marcante para mim, eu não esqueço. Quando entrei na Praça da Sé, estavam discursando no palanque. Nesse momento uma senhora chega para mim e diz: “A senhora conhece alguém daí?”. Eu falei: “Não, minha filha”. Aí ela: “Não dá para fazer alguma coisa aqui”?”. Me mostrou o que ela recebia, eu me vi diante de uma realidade que eu não conhecia. Naquela época, o salário mínimo eu não estou conseguindo lembrar quanto era, mas procurar. Vamos comigo”. A mulher morava longe, tinha problemas de saúde e tal. Eu disse: “Eu vou fazer uma cópia do seu contracheque e vou falar com alguém, pode deixar, pode ir embora que eu vou falar com alguém. Eu sei que ninguém vai poder fazer nada pela senhora aqui, mas alguma coisa eu vou levar para eles”. E fui lá com o comprovante dela, me aproximei daquele que estava discursando. Quando ele desceu do palanque lhe expliquei a situação daquela senhora. Ele disse: “Existem milhares de pessoas nessa situação e uma das causas da nossa luta é essa”. Nós estávamos em 90 e a Constituição de 88 tinha dito que ninguém podia ganhar menos que um salário mínimo, só que a Constituição não estava sendo cumprida. Até hoje não está totalmente cumprida, não. Mas esses dispositivos não estavam valendo, eles me explicaram e aí eu fui me filiar à Federação Estadual de Aposentados de São Paulo, que era quem estava promovendo a mobilização. Cheguei lá, vi umas instalações muito modestas, era uma sala que o INSS tinha cedido para eles, tinham uma pessoa que trabalhava ali, um outro que recebia as pessoas e muita gente para ser atendida. Falei para eles: “Se vocês quiserem, eu venho aqui uma vez por semana ajudar vocês”. “Ai, como nós precisamos”! Eu disse: “Eu sou datilógrafa, posso fazer isso para vocês”. Passei a ficar uma vez por semana, logo em seguida passei a duas, acabei indo para lá todo dia. Logo em seguida, no mesmo ano, eles estavam iniciando uma batalha para que a Constituição fosse regulamentada. Eles viviam atrás dos parlamentares do Congresso.

REVISTA: Esse foi, então o início de sua militância política?

JOSEPHA: Ali foi o começo do envolvimento, em 1990. Logo em seguida, fui convidada a ajudar o secretário geral da Confederação dos Aposentados. Aí comecei a ir a Brasília.

REVISTA: Nessa época, todo esse trabalho era voluntário?

JOSEPHA: Puramente voluntário. Em 91, saiu a regulamentação, a lei de custeio e benefícios da Previdência, discutida e aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo Presidente da República que era o Fernando Collor. Mas ao mesmo tempo, naquele ano, ele tinha dado uma “garfada” boa nos aposentados, porque ele congelou o salário mínimo. Depois ele começou a dar o salário mínimo de uma forma diferente. Sabe aquelas coisas de governo? Uma forma diferente em que o direito não se estendia para todos. Então o que aconteceu com os aposentados naquela época? O salário mínimo subiu em julho de 91 para 42 mil e os aposentados não tiveram o mesmo índice, aquele índice era 147%, para os aposentados foi dado 58%, diferença enorme. Então o clima esquentou.

REVISTA: Aí então tivemos as manifestações de rua pelos 147% em todo o Brasil.

JOSEPHA: Exato e as manifestações foram crescendo com idoso apanhando da polícia lá em Florianópolis. Ficou muito marcada aquela luta dos 147%, que nós vencemos. Na minha opinião, nós não vencemos na Justiça. Nó vencemos nas ruas. Sinceramente, eu não tenho medo de dizer isso. Nós hoje temos consciência, eu tenho consciência de que nós não temos uma Justiça que nos defenda. A Justiça vai levando, leva politicamente todas as suas decisões em todas as instâncias, na primeira instância dá uma coisa para uma categoria, qualquer coisa, quando chega na segunda, derruba. Se consegue vencer na segunda, quando chega na terceira, derruba. Se passa disso, quando chega no Supremo, derruba. Nós temos tido casos assim. Então eu tenho consciência de que nós vencemos a luta pelos 147% porque houve muita manifestação.

REVISTA: Esse movimento a estimulou para prosseguir na militância?

JOSEPHA: Ah! Sim! Nós vivíamos num movimento muito bonito, porque tínhamos grupos de diferentes ideologias partidárias, ideologias trabalhistas, cada um de uma área e tal. Mas naquela luta do aposentado todo mundo estava junto. Eu questiono muito hoje em dia a dissolução que aconteceu. Eu era dirigente na Federação, fiquei durante um ano e meio. Quando terminou esse um ano e meio, o presidente quis sair da entidade. Todo mundo queria que ele continuasse, mas ele quis sair, era uma pessoa muito honesta, ele tinha projetos políticos e achou que não poderia ser presidente de uma entidade. Ele tinha um projeto político para seguir, ele quis largar. Quando ele quis largar, tentou me colocar como presidente.

REVISTA: E por que você não assumiu a presidência da Federação dos Aposentados?

JOSEPHA: Porque o machismo falou mais alto. Eu era secretária geral desse presidente, a gente trabalhou quase dois anos, então ele achou que eu tinha condição de continuar aquele projeto que a gente vinha fazendo na Federação. Mas, não deu certo, o machismo falou mais alto e os homens não me deixaram. Daí eu passei dois anos no Sindicato dos Bancários, na diretoria dos aposentados. Nessa diretoria, eu passei a ir mais para Brasília, porque os bancários são muito atuantes no movimento, então eles viviam me mandando para Brasília. O movimento dos aposentados era muito carente, não tinha recurso nenhum, a COBAP e as Federações não tinham rendimentos, não tinham onde buscar dinheiro, o aposentado, coitado, já era um carente por natureza. Então o Sindicato dos Bancários pagava as minhas viagens para Brasília, para ir lá ajudar o trabalho da Confederação dos Aposentados e Pensionistas, a COBAP.

REVISTA: Nessa época você ajudou a preparar um importante congresso, não é?

JOSEPHA: Sim, a gente preparou um congresso extraordinário para discutir a Reforma da Previdência, quando o Fernando Henrique foi eleito. Nós saímos da briga do Collor, entrou o Itamar, o Itamar pagou o nosso 147%, que nós ganhamos politicamente. É claro, a nossa luta fez aquilo. Mas o que fez mais ainda do que a nossa luta? A repercussão da nossa luta em cima de uma situação política, o Collor estava vendo que ia cair e tentou se agarrar em alguma coisa. Nesse se agarrar, ele mandou pagar, mandou completar os 147%, apesar de que os metalúrgicos haviam procurado o Supremo que deu ganho de causa. Mas nós temos hoje a experiência de que nem sempre o que o Supremo manda fazer o governo faz. O Supremo mandou que o governo desse aumento aos funcionários públicos. Está dando? Não está. O que ele faz? Dá 1% um ano, no outro ano dá mais 0,1 e está “cumprindo” o que o Supremo mandou.

REVISTA: Josepha, como é que foi a sua entrada na Frente Parlamentar?

JOSEPHA: Um mês após o Fernando Henrique tomar posse, em fevereiro, ele mandou ao Congresso o projeto de reforma da Previdência, era o projeto completo. Não era o projeto que passou, nem o que ele fez depois, nem o que o Lula fez, era muito mais, que a gente tem medo que ainda venha em 2007. Então ele mandou esse projeto para lá, reformando completamente todo o conjunto da seguridade social, mexia em tudo, em saúde, em tudo. Quando esse projeto entrou, era uma PEC, pois primeiro teria que mexer na Constituição, mesmo porque a gente tinha conseguido colocar na Constituição o conceito de seguridade social. O governo não estava cumprindo nada, estava muito devagarinho, a lei da previdência só entrou em 91, a lei da saúde entrou em 90, mas não regulamentou logo o SUS, até hoje o SUS está capengando. A lei de benefícios até hoje está capengando. A lei de assistência social entrou em 94 e também ainda não cumpre os objetivos. Então tudo isso foi devagarinho, até que entrou em 95 um projeto que acabava com aquilo tudo. Nessas alturas eu já estava envolvida com a COBAP, ajudando. Então nós realizamos (eu digo nós porque estava lá ajudando, fazendo parte), nós aposentados realizamos um congresso extraordinário no Senado, em março de 95, no dia 21. Tinha acabado de entrar a PEC no Congresso. Só com aquela organização que estava se fazendo, quando chegou na CCJ, a PEC foi desmembrada. Então foi uma parte para a saúde e sobrou a reforma da Previdência. Nesse congresso nós tivemos a presença de 40 e tantos parlamentares, visitamos todos os parlamentares convidando. Quem fez o Congresso foi a COBAP, a Confederação dos Aposentados, mas lá dentro estavam diversas entidades de trabalhadores urbanos e rurais, do serviço público e privado, federações, confederações e centrais, 40 e tantos parlamentares, era um grupo dos mais representativos. Daí o senador Paulo Paim lançou uma frente parlamentar para combater essa reforma, e foi então que surgiu, em março de 1995, a Frente Parlamentar e de Entidades Civis e Militares em Defesa da Previdência Social Pública.

REVISTA: Então a ideia da Frente em Defesa da Previdência foi mesmo do Senador Paulo Paim?

JOSEPHA: Foi dele, mas tinha cento e tantos parlamentares apoiando e também centenas de entidades. A gente fazia muitas reuniões e nós passamos quatro anos segurando a reforma previdenciária, ela só saiu em 98, em dezembro. Ela saiu, mas nós conseguimos ir cortando muita coisa no meio do caminho. Nós que eu digo são todas as entidades envolvidas na mesma luta. Era muito coeso o trabalho das entidades junto aos parlamentares. A coordenação era dos deputados Paulo Paim e Arnaldo Faria de Sá e eu fiquei como secretária executiva, indo depois definitivamente para Brasília a convite do Paim, na sua assessoria especial de movimentos sociais.

REVISTA: Josepha, como foi sua participação na elaboração do Estatuto do Idoso?

JOSEPHA: A elaboração do Estatuto do Idoso foi o primeiro trabalho que o senador Paulo Paim me pediu. Ele me falou que pediam muito a ele para fazer o Estatuto do Idoso, baseado no Estatuto da Criança e do Adolescente que já vinha trazendo algum resultado, não tudo o que se esperava, mas algum resultado. Ele disse: “Pode deixar tudo e mergulhar nisso”. A gente começou a trabalhar em março e em agosto de 1997 demos entrada no projeto.

REVISTA: Como foi o processo de discussão do estatuto?

JOSEPHA: Na ocasião, para preparar o primeiro projeto, nós pegamos um projeto que existia no Senado, pegamos alguma coisa que o governo do Distrito Federal já tinha feito, a Política Nacional do Idoso, a gente foi pegando tudo o que encontrava a respeito. Tinha duas colegas que me ajudavam nisso, íamos catando uma coisa, catando outra, e nós já tínhamos uma colaboração enviada por alguém do Rio de Janeiro que mandou uma série de coisas, eu precisava resgatar até o nome dessa pessoa, não lembro mais. Era enorme o projeto. Sabe essas pessoas prolixas em escrever? Ele escrevia, escrevia, escrevia, até botava coisas que a gente achava impossível propor. Aí nós fomos burilando até entregar para o senador e ele dar entrada no projeto. Deu entrada e começou o trabalho de vender a ideia para todo lado, para conseguir que ele caminhasse. Esse caminho demorou bastante, ele só saiu em 2003, como todo mundo sabe. O presidente Lula assinou o estatuto.

REVISTA: O que você acha do estatuto que foi aprovado?

JOSEPHA: Da peça que saiu? Não é aquilo que a gente tinha programado, inclusive o que conseguimos (toda a sociedade e parlamentares) aprovar na Comissão Especial, que discutiu durante dois anos, sob a direção dos deputados Eduardo Barbosa (presidente) e Silas Brasileiro (relator). O governo cortou muita coisa, algumas coisas que mexiam com dinheiro, que tinham necessidade de locação de verbas.

REVISTA: E quanto a implementação do estatuto, o que você acha?

JOSEPHA: Justamente, essa implementação sofre a ingerência política na parte de gastar dinheiro e sofre também toda essa disputa política, não se pode fugir disso. Você tem um presidente da República que ganhou a eleição, mas o partido dele não ganhou. O partido dele perdeu a eleição, na minha opinião, pois só elegeu um governador. Fez a maior bancada, ainda é a maior bancada da Câmara, mas não é maioria, a bancada do PT é 20% da Câmara. Quer dizer, quem ganhou a eleição naquela hora foi o Lula. Depois nós temos os principais Estados divididos entre PSDB e PMDB. Depois nós temos o lado de prefeituras e temos uma conjuntura política que eu acho muito complicada, porque ela dilui muito os atos e a administração das políticas públicas pelas três fases, Municípios, Estados e Federação.

REVISTA: O Sesc São Paulo organizou recentemente um Encontro Nacional de Idosos para discutir os efeitos do Estatuto do Idoso nesses últimos dois anos. O que você achou do encontro?

JOSEPHA: Eu acho que a iniciativa do Sesc foi muito importante e muito sábia, porque o Sesc viu uma situação em que nós tínhamos uma lei, embora não aquela ideal que foi cortada pelo meio do caminho, mas tínhamos uma peça que, se cumprida, mudaria totalmente a vida do idoso no nosso país, que está longe de ser a vida de idosos de outros países mais adiantados. Então eu acho que a iniciativa do Sesc foi muito oportuna. Foi assinada uma lei, e daí, isso deu algum resultado? Aconteceu alguma coisa? O Sesc se quisesse poderia ter formado um fórum de notáveis, de técnicos conhecedores do assunto. Mas, o Sesc foi perguntar diretamente aos próprios idosos, independente do seu conhecimento técnico de qualquer coisa, mas àquele que está ali esperando alguma coisa e que às vezes não tem nem preparo intelectual para entender o porquê e para quem. Então esse encontro foi muito oportuno.

REVISTA: Nesse Encontro Nacional os idosos produziram uma Carta Aberta à Nação, fazendo uma avaliação do que eles acham que foi feito a partir do Estatuto. Qual é a importância dessa carta para você?

JOSEPHA: A importância é porque ela partiu de lá debaixo. Como disse alguém uma vez, a voz rouca das ruas, essa Carta é a voz do idoso. Se eu tivesse oportunidade de dizer ao presidente Lula que lesse esse trabalho, pediria que ele meditasse e pensasse: será que eu produzi uma lei para ser cumprida, será que eu produzi uma lei com a verdadeira intenção de levar benefícios, de levar segurança, de levar uma vida melhor para os idosos?

REVISTA: Como é que você acha que essa carta deve ser encaminhada, para quem e como?

JOSEPHA: Eu penso que ela precisa ir ao Presidente da República, e descer por todos os escalões do Governo. Deve ir para os governadores, prefeitos, poderes legislativos e judiciários de todo o país. Dever ir para a imprensa, às universidades, a todas as escolas de ensino fundamental e médio e, principalmente, deve ser mostrada às crianças, aos jovens.

REVISTA: Como é que você vê o futuro dos aposentados no Brasil, o futuro dos idosos, você está esperançosa ou pessimista?

JOSEPHA: Vejo com muita preocupação. Em termos da previdência, fala-se muito que a expectativa de vida cresceu. A expectativa de vida cresceu, é claro, houve progressos da ciência. Apesar de que eu penso nisso muito também em termos filosóficos e espirituais. Acho que existem forças maiores que dão ao homem a possibilidade dele crescer em conhecimentos. Quando ele cresce em conhecimentos, ele consegue alongar o seu tempo de vida, mas precisa ser sábio o suficiente para que esse alongamento não lhe traga outros prejuízos. Hoje todo mundo se concentrou mais nas cidades e nas cidades a qualidade de vida não é a mesma, o idoso não tem nem como dar uma caminhada. Então se existe um aumento da vida, que vida é essa, será que é uma vida natural ou é uma vida artificial?

REVISTA: Como você está hoje aos 72 anos de idade? Como você está vivendo essa fase da vida?

JOSEPHA: Ah, a minha experiência tem sido muito legal, porque eu não sinto a idade que tenho. Eu acho que todo mundo, se analisar bem, se fizer um exame de consciência, vai perceber que você do lado de dentro não precisa mudar. Eu sinto isso às vezes, você está caminhando e não está vendo a figura que você tem hoje, está vendo aquela mesma figura, você é aquela mesma por dentro. Agora, é claro que depois o pé dói, a perna dói, tem todas essas coisas que você percebe que não consegue mais fazer, já é mais difícil fazer aquilo. Mas se é difícil fazer aquilo, você tem que se adaptar e fazer diferente.

REVISTA: Se você pudesse recomendar alguma coisa para os jovens, no sentido de como é que eles devem se preparar e depois viver efetivamente essa fase da vida, o que você tem vontade de dizer a eles?

JOSEPHA: Que sempre procurem viver intensamente, como se fosse o primeiro e o último dia de sua vida. Se você viver dessa forma e não fizer mal a ninguém, você vai seguindo bem cada dia de sua existência. Viver cada dia é importante. Não sem se precaver, é claro. Esse viver cada dia não quer dizer que você vá dilapidando o que você tem. A gente não sabe quantos dias mais virão. Eu sou funcionária da Câmara na liderança do PT, mas digo para todo mundo, com todas as letras, que eu conquistei o que hoje tenho ( uma autonomia total e o reconhecimento de parlamentares de todos os partidos ) com muito trabalho e muita honestidade. O dia em que eu não tiver liberdade para fazer um trabalho sério e honesto, voltado para o bem estar de todos, principalmente os idosos, não serve mais para mim, não tem nada a ver. Eu sou assim.