Um encontro com Fernanda Takai

29/02/2024

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Vocalista da banda mineira Pato Fu, cantora e compositora Fernanda Takai comemora 30 anos de sucesso do grupo e 17 de carreira solo

POR LUNA D’ALAMA

Leia a edição de MARÇO/24 da Revista E na íntegra

Com ascendência japonesa por parte de pai e portuguesa por parte de mãe, Fernanda Takai nasceu no interior do Amapá, morou na Bahia e, aos nove anos, mudou-se para Minas Gerais, onde estabeleceu sua vida pessoal e artística. Antes de tornar-se cantora, compositora e multi-instrumentista, porém, cursou comunicação social na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com habilitação em relações públicas. O aprendizado acadêmico, além de todo o repertório de rock e música popular brasileira que ouvia em casa, com os pais, contribuiu para alçá-la a vocalista do grupo Pato Fu, há mais de três décadas. No início deste ano a banda abriu a temporada do Teatro Paulo Autran, no Sesc Pinheiros, com três shows comemorativos.

Considerada pela revista Time, em 2001, como uma das dez melhores bandas do mundo, o Pato Fu surgiu a partir do grupo Sustados por 1 Gesto, no início dos anos 1990. Recebeu esse nome em referência a uma tirinha do Garfield, que lutava “gato-fu”. O gato virou pato, animal que faria jus aos integrantes desajeitados – hoje, um quinteto formado por Takai, John Ulhoa (também seu marido), Ricardo Koctus, Xande Tamietti e Richard Neves. Além disso, Pato Fu soaria tão inusitado quanto o próprio som proposto pelos músicos, que não se fixam em um único gênero, alternando-se entre o rock pesado e o experimental, entre os hits de novelas e as faixas fofinhas.

Desde o primeiro álbum de estúdio, Rotomusic de Liquidificapum (1993), a banda já rodou o globo, conquistou discos de ouro e um Grammy Latino por Música de Brinquedo (2010), que reúne versões de clássicos de Tim Maia, Rita Lee, Titãs, Elvis Presley e Paul McCartney, entre outros, tocadas apenas com instrumentos infantis. Além de integrar a banda mineira, em 2007, a vocalista iniciou um projeto paralelo, de carreira solo. Atendendo a uma provocação do jornalista e produtor Nelson Motta, Fernanda Takai gravou canções de Nara Leão (1942-1989) em Onde Brilhem os Olhos Seus, considerado o melhor disco de MPB daquele ano pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA). Em diferentes projetos, Takai já gravou com o guitarrista Andy Summers, ex-The Police, fez uma participação especial num show dos ingleses Duran Duran e cantou ao lado de Rita Lee (1947-2023), João Donato (1934-2023), Gilberto Gil e Erasmo Carlos (1941-2022).

A prolífica trajetória de Fernanda Takai – que totaliza 20 álbuns e nove DVDs lançados com e sem o Pato Fu – inclui, ainda, participação em trilhas de curtas e longas-metragens de ficção e em documentários como cantora, compositora e dubladora. Além de ser mãe da Nina, de 20 anos, louca por videogame e ter um estúdio próprio com o marido em Belo Horizonte, desde 2002, a artista escreveu, por seis anos, em colunas semanais dos jornais O Estado de Minas e Correio Braziliense. Também lançou cinco livros nas últimas décadas, entre eles O cabelo da menina (Sesi-SP, 2020) – Prêmio Jabuti na categoria Infantil Digital. Neste Encontros, Takai fala sobre sua carreira musical, referências, inspirações, parcerias e literatura.

MARCA VOCAL

No começo da carreira, as pessoas me ouviam e ainda não sabiam quem estava cantando. Com o passar dos anos, eu e os fãs fomos nos familiarizando e entendendo qual era o meu registro pessoal. Já sofri muito com críticas, mas fui amadurecendo, ganhando paz de espírito e entendendo que tem gente que nunca vai gostar do jeito como eu canto, do meu timbre ou do fato de eu ser mais comedida, sem tantas firulas. Eu canto muito do jeito que falo. Já cantei de formas bem diferentes em algumas faixas, ficou interessante, mas, naturalmente, eu tenho um jeito muito próprio. Sou assim e vou fazer o meu melhor, sabendo escolher as canções e os arranjos certos para a minha voz.

VÁRIAS CARAS

Essa diversidade do Pato Fu é, ao mesmo tempo, o nosso maior trunfo e a nossa maior dificuldade, dentro de um grande mercado de música. Quando o Pato Fu surgiu, mostramos, pouco a pouco, vários lados. As pessoas diziam que éramos esquisitos, os metaleiros não nos escutavam porque não éramos metal o suficiente, e o público em geral não nos entendia. Em nosso segundo álbum, Gol de Quem? (1995), gravamos canções menos estranhas que no trabalho de estreia. A faixa Sobre o Tempo, por exemplo, logo virou um hino da banda. Esse álbum fez muita gente nos conhecer. Também viajamos o país inteiro, participamos de grandes festivais, gravamos clipes. Desde 2003, a gente voltou a ser independente. Somos, basicamente, uma banda de pop rock que tem momentos mais pesados, outros mais experimentais, e outros fofinhos. Fico feliz em ter sobrevivido com a banda desse jeito, com reviravoltas e muita mistura. Não conquistamos somente prêmios, mas o coração das pessoas.

INQUIETAÇÃO CONSTANTE

Acho que o mais importante para a gente se sentir vivo é colocar a cabeça para funcionar. Não viver só do que já fez, isso é muito previsível. Claro que um fã, quando vai assistir a um show quer ouvir os sucessos, mas faz muito bem ver um artista lançando material novo. Hoje, há canções do álbum 30 (2023) que já “competem”, na preferência do público, com faixas dos anos 1990 e 2000. É uma inquietação permanente do Pato Fu. Sempre fomos uma banda que apresentou coisas novas a cada produção: formatos, sonoridades e/ou repertórios. Nosso disco mais recente, com nove canções, mostra um pouco do que é o grupo ao longo do tempo, nossa estética sonora. Chegamos todos à casa dos 50 anos em ebulição, e querendo produzir por muito mais tempo. Somos uma banda que celebra o passado, mas que também olha para o futuro, tentando achar uma linguagem que ainda seja relevante e interessante.

REFERÊNCIAS E INSPIRAÇÕES

O ponto em comum que fez o Pato Fu pegar fogo no começo foi o rock dos anos 1980, tanto a música produzida no Brasil quanto nos Estados Unidos e na Inglaterra. São influências: The Cure, Duran Duran, Paralamas do Sucesso, Blitz. Foi muito importante termos como referências brasileiros fazendo rock, numa linguagem jovem, mostrando que era possível. Na minha carreira solo, recuperei também memórias de infância, do que ouvia com meus pais: Tom Jobim, Nara Leão, Chico Buarque. Depois dos 30 anos, passei a ouvir, ainda, o Clube da Esquina. Comecei a entender o valor das letras e harmonias deles, de como influenciavam artistas estrangeiros que eu admirava. O bom de ter uma carreira longa é entender de onde veio e compreender coisas que me afetaram a vida toda, mas que eu não tinha noção.

Somos uma banda que celebra o passado, mas que também olha para o futuro

Foto: Carolina Belizário

RELEITURAS ICÔNICAS

Quando o Pato Fu começou a fazer música, tínhamos um repertório autoral e também a vontade de incluir releituras nos nossos shows. Logo no primeiro disco, fizemos uma versão mais pesada de “Sítio do Picapau Amarelo”, de Gilberto Gil, e colocamos o tema de abertura dos Flintstones no meio do rock. Era um jeito de dizer: “Olha o que o Pato Fu é capaz de fazer!” E isso funciona muito bem quando você cria novos arranjos, apresenta as músicas de outra forma. Quando me perguntam do que gosto mais [se de cantar ou de compor], respondo que é de cantar, porque para mim tem muito valor cantar tanto as minhas próprias músicas quanto as de outros(as) artistas.

CARREIRA SOLO

Desde 2007, eu passei a seguir também em carreira solo. É muito gostoso ter essa autonomia de produção. Tudo começou com um e-mail do Nelson Motta, que dizia se lembrar de mim quando pensava na Nara Leão (1942-1989).  Nelson me propôs escolher o repertório e gravar algo dela, mesmo sem gravadora nem patrocínio. Eu conhecia muita coisa da Nara porque meu pai a ouvia bastante. Logo nas primeiras três músicas, Nelson ficou completamente apaixonado. Na mesma época, num jantar com o estilista Ronaldo Fraga, ele falou que tinha um desfile inspirado em Nara e que queria lançá-lo na São Paulo Fashion Week seguinte, comigo cantando ao vivo. Quando acabou o desfile, todo mundo queria o disco, mas ele não existia. Aí resolvemos fazer uma edição caseira, que vendeu cinco mil cópias em uma semana. Procuramos a gravadora Deckdisc, que fez uma tiragem maior, e batemos disco de ouro rapidinho. Foi algo completamente inesperado, fiz uma turnê gigante e, na sequência, o álbum ao vivo Luz Negra (2010). Mas nunca me passou pela cabeça deixar o Pato Fu. São duas empreitadas de sucesso simultâneas.

GRANDES MULHERES

Antes do Pato Fu, a gente já tinha mulheres líderes de bandas no Brasil, mas sempre foi mais difícil para a gente. Isso porque o rock e o pop rock sempre foram muito masculinos. No início, nem me dava conta de que abri caminho para outras garotas, que achavam legal eu tocar guitarra e cantar. Minha cabeça, naquela época, estava na Rita Lee (1947-2023), eu olhava para ela – e não para mim. Inclusive, o livro de contos e crônicas Nunca subestime uma mulherzinha (Panda Books, 2007) eu escrevi para mim mesma, pois, durante muito tempo, tinha várias dúvidas: “Será que vou conseguir? Será que minha banda vai dar certo?”. E a primeira pessoa para quem a gente tem que falar isso é para a gente: não podemos nos subestimar. Fico muito feliz por viver num mundo em que há cada vez mais jovens artistas, compositoras, cantoras, atrizes, bailarinas, produtoras e jornalistas com noção da sua própria importância, cobrando direitos e políticas públicas.

LETRA E CANÇÃO

Quando comecei a ser colunista de dois jornais de grande circulação, não sabia que seria capaz de escrever tanto assim, com tanta frequência. Eu tinha meia página toda semana e muita liberdade por parte dos editores. Passei seis anos escrevendo, e os últimos anos foram os melhores, o que comprova que a redação é como a leitura: quando mais você lê, melhor você escreve, e, quanto mais você escreve, melhor você comunica suas ideias no papel. Nesse período, produzi mais textos para jornais e revistas do que letras de música. Então pedi para deixar as colunas, porque precisava voltar a compor. Também voltei a ler como um momento de prazer, pois passo muito tempo em aeroportos e ônibus. É muito diferente escrever um texto em prosa e uma letra de música. A música tem um tempo de maturação maior que o prazo de uma crônica de jornal. É um tempo dilatado, que pode levar anos.  

Ouça, em formato de podcast, a conversa com a cantora e compositora Fernanda Takai, que esteve presente na reunião virtual do Conselho Editorial da Revista E, no dia 17 de janeiro. A mediação do bate-papo é de Pérola Nunes Braz, integrante da equipe de música do Sesc Pinheiros.

Edição: Carolina Mendonça | Foto: Matheus José Maria

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