Voos para a mudança

31/01/2025

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Urgências climáticas provocam a adoção de estratégias para um desenvolvimento economicamente viável, ambientalmente sustentável e socialmente justos 

Por Maria Júlia Lledó 

Imagens extraídas do livro Pantanal, de João Farkas (Edições Sesc São Paulo, 2020) 

Leia a edição de FEVEREIRO/25 da Revista E na íntegra

Ao sobrevoar o Pantanal, a ave-símbolo do bioma, Tuiuiú, encontra um cenário devastado pelas queimadas que em 2024 representaram o maior registro em focos desde 1998. Essa que é uma das maiores planícies alagadas do mundo, localizada nos estados do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, também é a segunda casa de João Farkas. O fotógrafo já publicou livros como Pantanal (Edições Sesc São Paulo, 2020), em que registrou as mudanças na fauna e flora dessa região ameaçada por uma crise ecológica provocada pela ação humana. De Norte a Sul do Brasil, de uma ponta à outra do planeta, esse quadro se repete. Tragédias como as enchentes que inundaram Porto Alegre (RS) entre abril e maio do ano passado, longos períodos de estiagem e seca, rompimentos de barragens, desmatamento da Amazônia e outros graves cenários apertam, mais uma vez, o botão de emergência.  

Segundo dados do observatório Copernicus, da União Europeia, divulgados também em janeiro, 2024 foi o ano mais quente da história desde o início das medições e o primeiro a superar a temperatura média do planeta em 1,5ºC em relação aos níveis pré-industriais. Enquanto pesquisas científicas, relatórios e propostas avançam, a expectativa para a próxima Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP30), que será realizada em novembro, em Belém (PA), é de que a economia mundial se comprometa com uma era de mudanças. Mas será que é possível adotar um modelo econômico que permita o desenvolvimento tendo a sustentabilidade como premissa?  

Foi a partir de 1972, durante a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, na Suécia – a primeira conferência internacional sobre meio ambiente – que se alastrou o debate a respeito dos limites do crescimento econômico. Ou seja, o modelo de consumo de recursos naturais e a consequente poluição ambiental passaria a exigir transformações em larga escala. A pesquisadora Layza da Rocha Soares, doutora em economia pela Universidade Federal Fluminense (UFF), explica que, naquele contexto, entre as décadas de 1960 e 1970, surgiram duas correntes de pensamento antagônicas: a Economia Ambiental e a Economia Ecológica. Cada qual aborda uma perspectiva de crescimento econômico e meio ambiente, compreendendo o conceito de sustentabilidade de maneiras diferentes.  

“A Economia Ambiental não considera que os recursos naturais sejam fatores limitantes ao crescimento econômico, pois partem do pressuposto de que existe uma substitutibilidade quase perfeita entre os fatores de produção (capital, trabalho e recursos naturais) em razão da possibilidade de o progresso tecnológico e científico superar a indisponibilidade do recurso natural”, descreve. Por sua vez, explica a pesquisadora, a Economia Ecológica argumenta ser necessária a manutenção dos recursos naturais, além de defender um crescimento econômico responsável, que considera o limite biofísico do meio ambiente. “A Economia Ecológica aplica métodos e conceitos tanto da economia quanto da ecologia para compreender os diversos desafios que envolvem um desenvolvimento sustentável”, complementa.  

ACORDOS X PRÁTICAS  

Um marco para a discussão sobre desenvolvimento sustentável e degradação do meio ambiente foi a ECO-92, como ficou conhecida a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro (RJ), em 1992. Mais de uma década depois, em 2000, líderes de 189 países assinaram, na sede das Nações Unidas, em Nova York, Estados Unidos, a Declaração do Milênio que estabeleceu oito metas a serem atingidas até 2015, conhecidas como Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM). A partir da Declaração do Milênio, os países signatários da ONU, incluindo o Brasil, definiriam os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que abarcam 169 metas, em 2015. A Agenda 2030, como ficou conhecida, demarcou uma urgente mudança de foco e discurso internacional sobre a maneira como as economias deveriam buscar o crescimento.  

“O desafio, tal como está colocado em termos internacionais, e que basicamente assegura um certo consenso, é que nós temos que ter uma sociedade que seja economicamente viável, mas também socialmente justa e ambientalmente sustentável. Esse é o tripé básico”, defende o economista Ladislau Dowbor, professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e consultor de diversas agências da Organização das Nações Unidas (ONU).  

No entanto, dez anos depois da assinatura da Agenda 2030, a previsão é de que, no fim desta década, apenas 17% das 169 metas sejam atingidas, segundo Dowbor. “Nós temos recursos, temos as tecnologias, sabemos o que deve ser feito e as coisas não acontecem. Temos que falar sobre um problema de governança, que difere de governo ou de administração pública. Significa fazer funcionar o conjunto. Ou seja, é importante entender que a crise ecológica está ligada a um processo decisório extrativo, que não permite que as medidas de longo prazo sejam tomadas porque interessa mais a extração de dividendos. É a dominação financeira sobre o processo”, adverte.  

Em resposta, iniciativas mostram ser possível uma economia norteada pelo uso sustentável de recursos naturais visando produtos ou serviços, focada na biodiversidade e no bem-estar das comunidades. “Todos os biomas brasileiros juntos produzem mais de cinco mil frutas comestíveis. Quantas frutas da nossa biodiversidade encontramos no supermercado? Pouquíssimas. Isso que estou falando é apenas em relação a frutas. Temos todo o potencial de desenvolver uma bioeconomia de floresta em pé em todos os biomas. O açaí é uma indústria de bilhões de dólares no mundo”, ressaltou o cientista Carlos Nobre, um dos mais renomados estudiosos brasileiros do clima, em entrevista à Revista E, em 2021.  

Nobre é um dos conselheiros e proponente do Amazônia 4.0, projeto que busca demonstrar a viabilidade de uma nova bioeconomia de floresta em pé e rios fluindo para a Amazônia em atividades que somam conhecimento científico e inovações tecnológicas a conhecimentos de povos indígenas e comunidades locais. “Projeções da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) indicam que, em uma década, a bioeconomia deverá representar 2,7% do PIB dos países mais ricos. Já o estudo global macroeconômico Changes in the Global Value of Ecosystem Services atesta que a floresta amazônica de pé pode render até R$ 7 trilhões por ano ao Brasil”, destaca a página oficial do Amazônia 4.0.  

Nesse caminho, tecnologias ancestrais preservadas por povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais conhecedoras da terra, de frutos, sementes, raízes e outros elementos naturais, poderiam ser adotadas economicamente. “Eles trazem alguns exemplos e formas de conviver com a natureza, mantendo a Floresta Amazônica em pé, mantendo o Pantanal em pé, a Mata Atlântica em pé, sem que isso afete de forma negativa a economia. Ou seja, são outras formas de viver. Nós, que vivemos nas grandes cidades, e que já estamos mergulhadas nessa dinâmica que não é nada natural, podemos aprender com essas diferentes comunidades”, defende a pesquisadora e economista Layza Soares.  

PLANETA FELIZ  

Alinhados aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), os negócios de impacto socioambiental são exemplos de como saberes e fazeres ancestrais são ferramentas valiosas para impulsionar a economia sem gerar impactos negativos ao meio ambiente. A compostagem – tecnologia milenar de biodegradação de resíduos orgânicos que são transformados em adubo – reduz a quantidade de resíduos enviados para aterros sanitários, diminuindo as emissões de gases de efeito estufa, além de gerar outros impactos positivos. Nas últimas décadas, a compostagem vem sendo adotada como uma oportunidade por empreendedores brasileiros, que constataram uma grande demanda – o país produz 77,1 milhões de toneladas de resíduos urbanos por ano, dos quais 45,3% são resíduos orgânicos, e menos de 1% é reciclado, de acordo com o Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil 2023, elaborado pela Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente (Abrema).  

Foi o caso da empresa Planta Feliz, criada pelo casal Adriano Sgarbi e Marina Sierra de Camargo, no extremo sul da cidade de São Paulo (SP). A iniciativa surgiu despretensiosamente, entre 2010 e 2016, quando Marina reunia os resíduos orgânicos domésticos e aqueles que coletava na residência de amigos e colegas de trabalho para colocar no minhocário que tinha em casa. Da compostagem, passou à venda do adubo que produzia. Mas foi a partir de 2019 que a empresa amadureceu e começou a ganhar ramificações: em 2020, lançaram o serviço de assinatura de coleta e compostagem e, no ano seguinte, começaram a atender grandes geradores de resíduos, como comércios, restaurantes e mercados.  

No ano passado, a Planta Feliz recebeu a licença ambiental da Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo), tornando-se oficialmente o primeiro pátio privado de compostagem da cidade de São Paulo, com capacidade para processar até dez toneladas de resíduos orgânicos por dia. A empresa também apoia a agricultura orgânica, fomenta o turismo de base comunitária e contribui para a geração de renda. “Economicamente, esse modelo fortalece a economia local ao gerar oportunidades de trabalho, capacitar moradores da região e promover o consumo consciente. Também cria um impacto positivo para os pequenos agricultores e produtores, que têm acesso ao adubo para enriquecer suas plantações de forma natural. Além disso, o pátio atrai pessoas e organizações interessadas em práticas sustentáveis, contribuindo para o fortalecimento do Polo de Ecoturismo e da economia circular”, celebra a sócia-fundadora.  

Até o momento, a empresa já compostou mais de 250 toneladas de resíduos orgânicos. “Ser um negócio de impacto socioambiental significa estar alinhado com princípios que vão além do lucro, buscando gerar benefícios sociais e ambientais em todas as nossas ações. Queremos deixar um legado positivo, mostrando que é possível empreender com impacto socioambiental e criar um futuro mais justo e regenerativo”, conclui.   

Reflexos, João Farkas. Parque Nacional do Pantanal mato-grossense. 

Paiaguás: área de assoreamento avançado no Pantanal. 

Baía na região da Nhecolândia. 

Lagoa Vermelha, antes da tempestade. 

Rio Perdido, Serra da Bodoquena. 

Temos que ter uma sociedade que seja economicamente viável,
mas também socialmente justa e ambientalmente sustentável. Esse é o tripé básico. 

Ladislau Dowbor, economista professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) 

EDUCAR PARA O AMANHà

Atividades educativas, publicações e produções audiovisuais voltadas à discussão sobre sustentabilidade compõem a programação do Sesc São Paulo, convidando o público à reflexão 

Há décadas, o Sesc São Paulo abraça a sustentabilidade como diretriz estratégica, por isso, tem o compromisso de realizar um trabalho de conservação e recuperação de áreas verdes; promover ações para redução e destinação adequada dos resíduos; adequar suas edificações para diminuir o consumo de água e energia; bem como projetar soluções arquitetônicas passíveis de certificação ambiental.  

Além da prática permanente, as 43 unidades da instituição, na capital, interior e litoral, realizam ações educativas, vivências, cursos e oficinas que buscam fomentar debates e propostas sobre como a sociedade pode viver em harmonia com o meio ambiente.  

O Sesc mantém duas unidades com características de parques urbanos em Interlagos e Itaquera, os Centros de Educação Ambiental nas unidades de Guarulhos e Mogi das Cruzes, na grande São Paulo, e Bertioga, no litoral, como espaços de referência para conhecer a fauna e a flora brasileiras e refletir sobre questões socioambientais. Localizada na Baixada Santista, a Reserva Natural Sesc Bertioga protege uma área de 600 mil metros quadrados de floresta, em que os visitantes podem apreciar a paisagem e conhecer o Domo Geodésico, a Trilha do Sentir, a Trilha Tucum e o Jardim das Brincadeiras. O local dispõe de recursos de acessibilidade.  

Na programação regular das unidades, atividades aproximam o público de iniciativas que respondem ao atual desafio planetário. Documentários e séries dedicados à imersão em temas como Amazônia, povos originários, sustentabilidade, entre outros, fazem parte da programação do SescTV. Além disso, publicações focadas em diferentes análises em diferentes áreas como filosofia, política, educação, compõem o acervo das Edições Sesc São Paulo.   

Confira alguns destaques da programação:  

INTERLAGOS e PINHEIROS  

Compostagem termofílica – Como fazer?   

A oficina apresenta aspectos teóricos e práticos desse processo que gera um adubo rico e nutritivo a partir da reciclagem de variados tipos de materiais orgânicos. Com os criadores da Planta Feliz, Adriano Sgarbi e Marina Sierra de Camargo.  

Dia 9/2. Domingo, das 10h30 às 14h30 (Pinheiros).

Dia 23/2. Domingo, das 10h às 13h (Interlagos).  

CENTRO DE PESQUISA  E FORMAÇÃO  

Interdependência: outro olhar sobre a água e as mudanças climáticas  

O curso aborda temas científicos, filosóficos e saberes ancestrais, explorando as características, os ciclos e os comportamentos da água. Com Caio Silva Ferraz, Moacir Lacerda, Anderson Santos, Renato Tagnin e José Carlos Perdigão.  

Dias 11, 12, 13, 18 e 19/3. Terças, quartas e quinta, das 19h às 21h30. Inscrições online.   

Na Reserva Natural Sesc Bertioga, os visitantes podem contemplar a fauna e flora de uma área florestal preservada. Foto: Matheus Jose Maria 

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