Zeca Baleiro, cancionista múltiplo 

27/05/2025

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Do heavy metal ao tambor de crioula, o músico, compositor e produtor abraça a diversidade de gêneros musicais e temas em discos, filmes e peças 

Leia a edição de JUNHO/25 da Revista E na íntegra

POR MARIA JÚLIA LLEDÓ

Parece mágica – e talvez seja. É que o músico, cantor, compositor e cronista Zeca Baleiro, produtor do selo Saravá Discos, atua em diferentes territórios criativos simultaneamente. Como se a música, que o inspira desde a infância, pudesse habitar todos os espaços por onde trilha o artista nascido em São Luís do Maranhão. Ao longo de mais de 25 anos de carreira, já lançou 15 discos, cinco livros e assinou diversas composições para o cinema, a dança e o teatro, sendo reconhecido por importantes prêmios, como o Grammy Latino, Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA) e Grande Prêmio do Cinema Brasileiro.   

Seu mais recente trabalho para o teatro, a direção musical de Gente é gente?!, escrito por Claudia Barral e dirigido por Marco Antonio Rodrigues, esteve em cartaz até maio, no Sesc Vila Mariana. Adaptada para o cenário brasileiro, essa montagem livremente inspirada em Um homem é um homem, de Bertolt Brecht (1898-1956), nutre a verve que acompanha Zeca Baleiro na criação de trilhas sonoras para o teatro, desde sua estreia em Quem tem medo de curupira (2010).  

Neste Encontros, o artista maranhense radicado em São Paulo conta como foi sua trajetória musical, compartilha suas incursões na literatura, no cinema e no teatro, e aponta para os próximos rumos da sua palavra-canção. 

PRIMEIRAS NOTAS 
Venho de um ambiente familiar muito musical e literário. Meu pai, que hoje tem 102 anos, sempre foi um leitor compulsivo. Minha mãe também gostava de ler, amava a música popular brasileira e tinha uma memória enciclopédica das músicas dos anos 1930 e 1940, o auge da Rádio Nacional, daqueles programas de auditório. Então, eu tive uma herança rica, de pais mais velhos.  Lá pelos 13 e 14 anos, comecei a estudar violão. Peguei umas quatro aulas com um professor, depois segui, autodidata, com revistinhas de cifras da época. Foi assim que eu aprendi: na rua, com amigos, tocando, fazendo bandinha. Mas aí, veio o convite de um amigo mais velho, Léo Ribeiro, para trabalhar no seu grupo de teatro, especializado em peças infantis. Fizemos Flicts, de Ziraldo (1932-2024), depois O reizinho mandão, de Ruth Rocha. O teatro me arrancou do claustro, da solidão do quarto, porque eu era um adolescente muito tímido.  

PALAVRA ACESA 
Meu primeiro ímpeto artístico foi escrever. Minha irmã Lúcia escrevia quadrinhas, trovas, poemas ingênuos e tal, já buscando ali alguma associação com as coisas que a gente lia: Machado de Assis (1839-1908), Jorge Amado (1912-2001), os grandes clássicos do romance nordestino dos anos 1930, como José Lins do Rego (1901-1957), Rachel de Queiroz (1910-2003), essa literatura que hoje soa até básica, escolar. Depois, já adolescentes, a gente teve as nossas próprias buscas: literatura beatnik, poesia americana e outras coisas mais. Mas o primeiro ímpeto vem com a palavra. Lá em casa, meus pais eram professores, então todo mundo tem um texto razoável, fala bem, tem isso assim na família: um culto à palavra, à comunicação verbal. Depois é que veio a música, que me seduziu completamente. 

SER ECLÉTICO 
Se eu fosse um músico de jazz, se só tocasse música instrumental, a palavra talvez não me fizesse falta, mas como eu sou um fazedor de canções, um compositor, um cancionista, eu não posso desprezar a palavra. Eu acho que uma das crises da canção hoje é justamente o pouco apreço à poesia. A música ficou mais sensorial, então tem outros elementos mais importantes: a dança, a psicodelia da música eletrônica, por exemplo. São outras buscas.  O cenário mudou, mas a palavra está na origem de tudo. O que me incendeia, eu não sei. Acho que são lampejos. Tem uns dias em que você acorda meio morno, meio morto para a vida, e tem outros em que você quer fazer “aquela canção”, a canção que vai mudar a música popular brasileira. O que é uma ilusão também, mas é uma ilusão boa de ser perseguida. E às vezes, acontece. 

GENTE É GENTE?! 
Quando recebi o convite do Marco [Antonio Rodrigues], nem sabia o que seria, mas topei de cara. Aí teve reuniões online, presenciais com a Claudia [Barral] e ele, para a gente ver que rumo seguiria, até chegar nessa adaptação [Gente é gente?!, musical inspirado em texto de Bertolt Brecht]. O texto original se passa na Índia, na época da colonização inglesa, mas a gente transfere para os dias de hoje porque, na verdade, é um texto atualíssimo. Então, a história se passa num Brasil partido, como a gente tem observado. Foi muito gostoso todo o processo e há muito tempo eu não fazia direção musical. Foi uma volta às origens. Trabalhar com gente do teatro é muito divertido. É um processo muito coletivo, lúdico e colaborativo.  

SER ECLÉTICO 
Fui criado na diversidade cultural e musical. Guiado pelo bumba meu boi, tambor de crioula, tambor de mina, todas aquelas manifestações [do estado do Maranhão] que são muito específicas, mas a gente queria ser rock. Depois, você amadurece, e é levemente “absorvido” pelo mercado.  Hoje eu faço um bumba meu boi sem nenhum problema, como posso fazer um heavy metal ou uma canção de amor lírica também. Mas a geração dos anos 1990 tem como marca essa tentativa de desconstruir essa coisa do gênero [musical]. Não tem nenhum samba, forró e reggae puro. Teve o auge da MPB, nos 1960 e 1970, veio o rock, nos anos 1980, e quando a gente veio, havia o espírito do tempo de fazer uma música de fusão. Hoje, estou me voltando para a pureza do gênero. Você começa rompendo e depois vai descobrindo a beleza que existe nessa “pureza”, porque não há pureza em lugar algum, na arte tampouco. 

OUTRAS GERAÇÕES 
Recentemente, encontrei com o Jards Macalé no Rio, e a mulher dele, a Regiane, falou: “O show está uma loucura. Só vai gente de 20, 25 e 28 anos”. Para o Tom Zé, também: a plateia dele rejuvenesceu. Isso é muito bonito porque mostra que a canção ainda tem força. Contra todos os argumentos de: “naquele tempo, é que era bom”. Eu não gosto dessa coisa nostálgica, embora eu tenha um resquício nostálgico. Mas eu não gosto de ficar com esse papo, porque a vida é aqui e agora – se é plataforma digital o que a gente tem, vamos para a plataforma. Se o single é a estratégia, vamos fazê-lo. A gente tem que olhar sempre para o lado bom das coisas.  Vou sair desse mundo e a música que eu fiz vai ficar. 

Eu preciso gostar da pessoa que está no palco comigo. A música e a vida, para mim, não se separam. A profissão de músico e o viver são uma coisa só.

(foto: Matheus José Maria)

AOS MARGINAIS 
Já fui marginal. Só que quando você acessa o mercado e tem um certo êxito, como eu tive, você se adequa um pouquinho, porque o mercado é predatório. Mas a sua alma está lá, os seus princípios éticos, morais, culturais, artísticos estão lá. Acho que eu sempre tive um pezinho no mainstream e um pezinho no alternativo, o que foi bom porque me deu liberdade para alçar vários voos, para fazer, por exemplo, um disco com sete anos de carreira, bastante ousado [Ode descontínua e remota para flauta e oboé (2004)], em parceria com a Hilda Hilst [poeta, cronista e dramaturga paulista (1930-2004)]. A gente se aproximou por um acaso do destino e nos tornamos amigos. Sempre tive essa alma aberta para personalidades assim.  

SARAVÁ DISCOS 
Criei o selo, só para fazer esses projetos alternativos que nunca me deram dinheiro, mas me dão uma alegria danada. O Odair [José], por exemplo, é um cara importantíssimo. Outro cara importante é o Edy Star (1938-2025), que levantou a bandeira LGBT lá atrás. O cara sabia de tudo e ficou 40 anos sem gravar. Eu o vi, um dia, e falei: “Vamos fazer um disco, cara?”. Daí, porque ele era muito querido e respeitado, participaram Caetano Veloso, Ney Matogrosso, Emílio Santiago (1946-2013), Filipe Catto. Já a Vanusa (1947-2020), no fim da vida, eu a chamei para fazer um disco. Ela lançou, antes de Elis [Regina] o Belchior (1946-2017) – já tinha gravado Paralelas. Ela tinha um olhar e uma curiosidade. Então, esses artistas são muito importantes, mas o showbiz brasileiro é um pouco cruel. Por isso, dentro do possível, eu tento ali fazer um pouco de justiça.  

PELO COLETIVO 
Estou com uma banda que já me acompanha há 20 anos. Estamos envelhecendo juntos. Faço, eventualmente, trabalhos que os excluem, mas sempre volto a eles porque é quase um cargo de confiança. Acho que essa coisa da intimidade, do convívio, da amizade é muito importante.  Eu preciso gostar da pessoa que está no palco comigo. A música e a vida, para mim, não se separam. A profissão de músico e o viver são uma coisa só. Então, por exemplo, a gente tem uma amizade de se ligar para falar sobre vida pessoal, doenças na família, crises amorosas, problemas com filhos, o escambau. Somos amigos. E essa amizade e admiração vão para o palco. Porque música é como jogar um futebol, você tem que se divertir, toca a bola, recebe, dá lá na frente, bota o outro na cara do gol, na outra é você quem faz o gol. E assim vamos.  

O cantor e compositor Zeca Baleiro participou da reunião do Conselho Editorial da Revista E, no dia 24 de abril de 2025. A mediação do bate-papo foi de Felipe Torres, que atua na supervisão do Núcleo de Artes Performáticas da programação do Sesc Vila Mariana. 

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