Exercitar a longevidade

27/05/2025

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Textos do médico neurologista Ítalo Karmann Aventurato e da doutora em neurociência Isadora Cristina Ribeiro (ilustração: Rodrigo Visca)

Leia a edição de JUNHO/25 da Revista E na íntegra

A vida, traduzida pelo escritor Guimarães Rosa (1908-1967), esquenta, esfria, aperta e daí afrouxa… é algo que oscila entre o ir e vir de emoções e de situações que pedem – conclui o autor de Grande Sertão: Veredas (1956) – coragem. Porém, a vida ainda requer outro importante aliado: o exercício integrado de corpo e mente. Se hoje a expectativa de vida da população brasileira é de 76,4 anos, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2070, ela deve chegar aos 83,9 anos – e o número de pessoas com mais de 60 anos pode ultrapassar 37% da população. Mas o que esse prolongamento da vida representa na prática? 

“No último século, a humanidade viu um progresso inédito na medicina – desde o desenvolvimento de antibióticos ao melhor controle das doenças cardiovasculares e o tratamento mais efetivo do câncer, os frutos da ciência médica têm nos permitido superar doenças e viver por mais anos”, contextualiza o médico neurologista Ítalo Karmann Aventurato. No entanto, complementa o especialista, “viver mais significa maior chance de ser acometido pelas doenças da terceira idade – entre elas, a demência”. Erroneamente traduzido, o conceito de demência, ou transtorno cognitivo maior, segundo Aventurato, “é um termo médico que abarca qualquer perda da capacidade mental que tenha impacto na funcionalidade e independência do indivíduo”. Esse mesmo termo inclui não só aqueles com doença de Alzheimer, por exemplo, mas quem sofreu um acidente vascular cerebral (AVC) ou que tenha atingido a cabeça e teve o raciocínio, a linguagem ou a memória afetados.  

Enquanto não há uma cura para a demência, pesquisadores já comprovaram que a prática de exercícios físicos contribui para prevenir o surgimento desse quadro, além de beneficiar aqueles que já sofrem com esse transtorno cognitivo. “O simples fato de aumentar o nível de atividade física está relacionado à diminuição do risco de demência em idosos saudáveis e em idosos que já apresentam perda cognitiva (como redução de memória) e risco aumentado para desenvolver demência. Atividades físicas são quaisquer movimentos físicos que fazemos no dia a dia, como subir e descer escadas, varrer a casa e fazer compras a pé”, recomenda a doutora em neurociência Isadora Cristina Ribeiro, especialista em exercício físico para pessoas idosas. A musculação, inclusive, tem demonstrado ser um estímulo à plasticidade cerebral, agindo contra a neurodegeneração. “Quando olhamos para a saúde dos neurônios, observamos que, após a musculação, os neurônios apresentaram melhor estrutura anatômica, sugerindo preservação e bom funcionamento”, compartilha a especialista. 

Neste Em Pauta, Aventurato e Ribeiro apresentam o que foi comprovado e o que está sendo discutido pela ciência para um envelhecimento saudável.   

Além das palavras cruzadas: prevenindo a demência no decorrer da vida 
POR ÍTALO KARMANN AVENTURATO

Todo neurologista já ouviu esta pergunta em seu consultório: “E fazer palavras cruzadas, doutor? Evita o Alzheimer?”. Sem dúvida, manter o dicionário mental afiado de sinônimos e antônimos, além de se lembrar de cantores da década 1970, pode contribuir para nossa atividade cerebral. Mas a questão da prevenção das demências vai muito além de letrinhas e “letrões”. 

Primeiramente, cabe o esclarecimento de alguns conceitos. “Demência”, ou transtorno cognitivo maior, é um termo médico que abarca qualquer perda da capacidade mental que tenha impacto na funcionalidade e independência do indivíduo. Dessa forma, “demência” é um termo guarda-chuva que inclui não só aqueles com Alzheimer, mas também pessoas que, por exemplo, tenham perda do raciocínio, da linguagem ou da memória como resultado de um AVC ou um acidente que atinja a cabeça.  

No último século, a humanidade viu um progresso inédito na medicina – desde o desenvolvimento de antibióticos ao melhor controle das doenças cardiovasculares e o tratamento mais efetivo do câncer. Os frutos da ciência médica têm nos permitido superar doenças e viver por mais anos. Porém a maldição lançada por Zeus sobre Asclépio, deus grego da medicina, ainda paira sobre os médicos de hoje – a cada doença curada, outras tantas emergem sobre nós. Viver mais significa maior chance de ser acometido pelas doenças da terceira idade – entre elas, a demência. 

O Relatório Nacional sobre a Demência, publicado em 2024 pelo Ministério da Saúde, estima que 8,5% das pessoas com mais de 60 anos sofram com alguma forma de demência. Esta prevalência aumenta com a idade, chegando a 21,2% para aqueles entre 80 e 84 anos de vida e 43,8% para aqueles com mais de 90 anos. A partir dessas estimativas, o relatório conclui que cerca de 2,46 milhões de pessoas viviam com demência em 2019. Porém, devido ao envelhecimento populacional, esse número deve saltar para 5,05 milhões em 2039 e para 8,74 milhões em 2059. 

Apesar da doença de Alzheimer ser individualmente a maior causadora de demência no mundo e no Brasil, estudos recentes têm reconhecido que sua presença raramente é isolada. Ela é frequentemente acompanhada ou mesmo desencadeada por comorbidades cardiovasculares – pressão alta, diabetes, sedentarismo – que no decorrer de anos de vida impactam o funcionamento cerebral. Além disso, fatores psicossociais, como o isolamento social, o abandono pela família e a depressão no idoso podem acelerar o desenvolvimento e a evolução das demências. 

Esse complexo cenário, aliado à ausência de tratamento curativo para a demência, levou a prestigiada revista britânica The Lancet a produzir, em 2020, um extenso relatório detalhando os fatores de risco modificáveis – isto é, com potencial de intervenção – que, no decorrer de toda nossa vida, podem afetar nosso risco de desenvolver demência. Neste relatório, estimou-se que, globalmente, 40% das demências poderiam ser prevenidas. No entanto, ao aplicar a mesma metodologia à população brasileira, o relatório do Ministério da Saúde de 2024 concluiu que, em nosso país, este número chegaria a 49,2% em regiões ricas ou mesmo a 54% – ou seja, mais da metade – em regiões pobres. 

Olhando em detalhes o relatório da revista The Lancet, vemos que os fatores podem ser atribuídos a três fases ou ciclos de vida: aqueles do início da vida (até os 45 anos), da vida adulta (45 a 60 anos) e da velhice (mais de 60 anos). No início da vida, destaca-se o nível educacional – uma educação de qualidade é essencial para a prevenção da demência na terceira idade. Na idade adulta, temos a hipertensão (pressão alta), perda auditiva, obesidade, traumatismo cranioencefálico e consumo excessivo de álcool (mais de 21 doses alcoólicas por semana) como principais fatores. Já na velhice, vemos destacados: a depressão, inatividade física, diabetes, poluição do ar, tabagismo e isolamento social. 

Fica claro, a partir desses dados, que, do ponto de vista populacional, a prevenção da demência necessita de uma ampla articulação multissetorial do poder público. Não apenas as políticas de saúde básica, voltadas ao cuidado de condições como a hipertensão, o diabetes, o tabagismo e o consumo excessivo de bebidas alcoólicas, mas também a educação de qualidade, a prevenção de acidentes de trânsito, o controle da poluição do ar e a criação de espaços de convívio para combater o isolamento social e promover hábitos saudáveis. Todos esses são fatores fundamentais para lidar com o desafio de prevenir a demência em uma população que envelhece. 

Entretanto, do ponto de vista individual, também podemos depreender importantes lições desses estudos: o cuidado da saúde, um estilo de vida saudável e a manutenção da atividade física e mental na terceira idade são fatores-chave para evitar o surgimento da demência. A atividade física de que tratamos aqui inclui não somente uma rotina de exercícios físicos propriamente ditos – e orientada por um profissional qualificado –, mas uma rotina que mantenha o corpo ativo: sair de casa e caminhar para ir ao mercado, participar da rotina de casa, ajudar no cuidado dos netos etc. 

Retorno, então, à pergunta inicial: qual o papel das palavras cruzadas ou, em termos mais técnicos, da estimulação cognitiva, na prevenção da demência? Para respondermos a essa questão é necessário nos perguntarmos o que entendemos por cognição ou atividade mental. Normalmente, associamos a atividade mental àquelas tarefas típicas do aprendizado formal: exercícios lógico-matemáticos, a leitura e escrita de textos, a solução de problemas intelectuais etc. No entanto, a cognição é algo muito mais presente em nossas vidas do que essa associação nos faz inferir. 

Quando assistimos a um filme ou a uma novela e prestamos atenção na história, acompanhamos os personagens, criamos impressões e vamos discuti-las com outros, estamos mantendo nossa mente ativa. Quando encontramos amigos, contamos histórias, piadas, rimos, estamos mantendo nossa mente ativa. Mesmo quando estamos em uma academia, numa aula de dança, contando passos ou repetições, nos atentando ao nosso corpo e ao nosso movimento, estamos mantendo nossa mente ativa. 

Entendida dessa forma ampla, a atividade mental é fundamental para a qualidade de vida e a prevenção da demência na velhice. Em outras palavras: uma vida física e socialmente ativa também faz parte de uma vida mental plena. Portanto, sim, resolva palavras cruzadas, mas também faça exercícios, encontre amigos, assista a filmes, caminhe, faça aulas de dança e tudo mais que mantenha o Tico e o Teco conversando.   

Ítalo Karmann Aventurato é médico pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) com residência em neurologia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), tendo se especializado em neurologia cognitiva e comportamental. Atualmente está em seu último ano de doutorado em ciências médicas, estudando cognição e neuroimagem, além de aplicações de técnicas de Inteligência Artificial. 

A atividade mental é fundamental para a qualidade de vida e a prevenção da demência na velhice. Em outras palavras: uma vida física e socialmente ativa também faz parte de uma vida mental plena. 

Exercícios para uma velhice saudável  
POR ISADORA CRISTINA RIBEIRO  

Em uma era de aumento do número de anos vividos e de idosos no país, os casos de demência têm aumentado. A doença de Alzheimer é a mais incidente e afeta o cérebro, prejudicando a memória, a atenção, o planejamento de tarefas, a independência e a qualidade de vida. Além disso, afeta também os familiares do paciente e o sistema de saúde. Para o desenvolvimento da demência, existem alguns fatores de risco e alguns deles são modificáveis. O combate ao sedentarismo, por exemplo, pode ter um impacto expressivo na alteração da trajetória clínica de idosos. 

O simples fato de aumentar o nível de atividade física está relacionado à diminuição do risco de demência em idosos saudáveis e em idosos que já apresentam perda cognitiva (como redução de memória) e risco aumentado para desenvolver demência. Atividades físicas são quaisquer movimentos físicos que fazemos no dia a dia, como subir e descer escadas, varrer a casa e fazer compras a pé. Mas o que acontece quando focamos em fazer exercícios físicos que são movimentos físicos programados quanto à intensidade e duração, e que têm um objetivo pré-estabelecido? 

Diversas modalidades de exercício físico – como aeróbico, funcional, yoga, dança, pilates e tai-chi – têm se mostrado eficientes não só para a melhora da performance física, mas também para a promoção da cognição em idosos. Aumentar a cognição e a capacidade funcional pode promover o atraso da progressão para demência ou ainda evitar seu desenvolvimento ao longo dos anos. Isso porque a cognição e a capacidade funcional são diretamente afetadas na demência. 

A musculação é uma modalidade que se destaca nesse aspecto, primeiro porque favorece a manutenção da massa muscular, da massa óssea e do peso corporal, atuando diretamente na melhora da força muscular e da capacidade funcional em atividades da vida diária. Segundo, porque age contra fatores de risco para demência (além da inatividade física), como obesidade, doenças vasculares, diabetes, depressão e isolamento social. E terceiro, porque tem como principal objetivo aumentar a força muscular, que quando diminuída está associada a um maior risco de incidência da doença de Alzheimer, enquanto seu aumento está relacionado com a melhora cognitiva. Logo, intervir com esse tipo de exercício físico parece promissor para a alteração da trajetória clínica de idosos com e sem perda cognitiva. 

O treinamento com pesos ou faixas elásticas já mostrou aumentar a capacidade funcional e cognitiva, mas o que chama atenção nesse aspecto neuroprotetor é: o que exatamente ocorre no cérebro para que isso aconteça? Investigamos, em idosos com risco aumentado para demência, o impacto de seis meses de musculação no cérebro. Os participantes fizeram um protocolo de treinamento com carga progressiva (os pesos iam aumentando conforme a adaptação) que incluía exercícios para os principais grupos musculares. Como esperado, após a prática, os participantes que fizeram musculação apresentaram melhora da memória, enquanto o grupo controle (que não fez musculação nesse período) não apresentou melhora. Além disso, observamos melhora da capacidade funcional em diversos testes físicos. 

Com o uso de ressonância magnética, pudemos acessar o volume do cérebro e a estrutura anatômica dos neurônios. Como resultado, observamos que, após a prática da musculação, áreas relacionadas à doença de Alzheimer, como o hipocampo e o precuneus (regiões relacionadas à memória), foram protegidas contra a atrofia. Isto é, ao passo que essas regiões diminuíram de volume no grupo controle, pararam de diminuir no grupo da musculação. Esse achado nos mostra como essa prática influenciou no cérebro, justificando possivelmente a melhora da memória. Além disso, quando olhamos para a saúde dos neurônios, observamos que, após a musculação, os neurônios apresentaram melhor estrutura anatômica, sugerindo preservação e bom funcionamento. Enquanto o grupo que não treinou apresentou piora da estrutura anatômica, o que indica um processo de neurodegeneração. 

Tanto as alterações cognitivas quanto as alterações de anatomia cerebral podem ser influenciadas por alterações bioquímicas relacionadas à prática de exercícios físicos, que envolvem alterações de citocinas e fatores neuroprotetores que agem a favor da cognição e contra a neurodegeneração. Como, por exemplo, a redução das concentrações de interleucinas inflamatórias, proteína C reativa, Fator de Necrose Tumoral Alfa (TNF-α), e o aumento das concentrações de citocinas anti-inflamatórias e de outros fatores neuroprotetores, como IGF-1 (fator de crescimento semelhante à insulina), BDNF (fator neurotrófico derivado do cérebro) e Irisina, sugeridos como protetores do cérebro e estimulados a partir da contração muscular.  

Os mecanismos bioquímicos pelos quais essas citocinas e fatores neuroprotetores agem são complexos e individuais, variando de acordo com o tipo avaliado, o estímulo de exercício físico aplicado e o nível de comprometimento cognitivo. De forma geral, mostram-se relacionados à melhora das funções cognitivas e da plasticidade cerebral, à diminuição do processo inflamatório, à proteção contra a neurodegeneração e, consequentemente, à redução do risco de desenvolver doença de Alzheimer. 

A recomendação de exercícios físicos para a manutenção da saúde do idoso é de 150 a 300 minutos semanais de exercícios aeróbicos e duas a três vezes na semana de exercícios de força. Além disso, atitudes simples, como aumentar o número de passos e movimentos no dia a dia também são recomendados. A ciência tem mostrado, cada vez mais, que praticar exercícios físicos promove não só a saúde do corpo, mas também a saúde do cérebro. É importante destacar que essa é uma intervenção não farmacológica, econômica e de fácil acesso, que pode mudar o percurso da saúde no envelhecimento, favorecendo o idoso, seus familiares e o sistema de saúde. 

Para que a prática de exercícios físicos seja segura e eficiente, é imprescindível que o indivíduo tenha autorização médica para iniciá-la e acompanhamento de um profissional de educação física, que é o profissional adequado para prescrever o tipo, a quantidade e a intensidade de exercícios a serem feitos para o alcance dos objetivos almejados. Independentemente da modalidade que você escolher, fazer exercícios físicos, evitar o sedentarismo e manter-se ativo é a receita para o envelhecimento saudável. Reforço o ditado: “Nunca é tarde para começar”, mas adiciono que “fazer exercício físico é uma obrigação daqueles que estão comprometidos a envelhecer com saúde”.  

Isadora Cristina Ribeiro é graduada em educação física, especialista em exercício físico para terceira idade, em fisiologia do exercício e em neuroimagem. Mestre em gerontologia e doutora em neurociência. Atualmente faz pós-doutorado na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de Campinas (Unicamp), onde investiga alterações de neuroimagem e biomarcadores plasmáticos da doença de Alzheimer.  

Diversas modalidades de exercício físico – como aeróbico, funcional, yoga, dança, pilates e tai-chi – têm se mostrado eficientes não só para a melhora da performance física, mas também para a promoção da cognição em idosos. 

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