Estilo e moda na terceira idade é tema de documentário exclusivo no Sesc Digital

10/11/2022

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Por Duda Leite

Existe algum prazo de validade dizendo quando você deve deixar de ter estilo? Claro que não. Foi com isso em mente que o fotógrafo e escritor Ari Seth Cohen criou o blog Advanced Style, com a intenção de registar o estilo excêntrico das mulheres de idades entre 60 e 100 anos em Nova York. No blog, surgido em 2008, Ari fotografou e entrevistou inúmeras mulheres que vivem diariamente sua criatividade sem limites e que continuam se desafiando, apesar da idade avançada.

Seu primeiro livro de retratos lançado em 2012, vendeu mais de 150.000 cópias ao redor do mundo. Ari também lançou um livro para colorir sobre o mesmo tema. Cohen continua mantendo seu blog que foi incensado pelo New York Times, Vogue e pela New Yorker. Em 2014, a diretora Lina Plioplyte resolveu levar o conteúdo do blog para o cinema, no documentário Advanced Style que chega com exclusividade na coleção do #CinemaEmCasa na plataforma Sesc Digital neste mês. O roteiro foi escrito em colaboração com Ari Seth Cohen.

O filme segue sete mulheres, com idades entre 62 e 95 anos, que nunca deixaram a peteca cair, e continuam sendo fabulosas com seus looks que esbanjam cores, estampas, criatividade e atitude. Apesar da origem do projeto ser ligada a moda, tanto a diretora Lina como Ari não focaram apenas nesse aspecto: o filme também se concentra na filosofia de vida dessas mulheres que não se deixam afetar pelo chamado etarismo – ou seja: o preconceito contra as pessoas mais velhas.

Segundo Cohen, “a beleza não deve ser exclusividade dos jovens”, afirmação que é compartilhada no documentário por pessoas como o colunista de moda Simon Doonan, a icônica consultora de moda Iris Apfel – que acaba de completar 101 anos – e a diva burlesca Dita Von Teese.

O filme é uma lição de como é possível viver bem, inclusive na chamada terceira idade. É a antítese do ditado que diz que “envelhecer, especialmente para mulheres, é padecer nas sombras”. A seguir, os principais trechos da entrevista realizada por Zoom com Ari Seth Cohen, a diretora Lina Plioplyte e a artista plástica Debra Rapoport, uma das mulheres retratadas no filme.

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DUDA LEITE – Debra, qual a importância de se viver em uma bolha de positividade? 

DEBRA RAPOPORT – Primeiramente, isso nos transforma em seres humanos mais positivos. Aumenta nosso nível de energia e deixa nosso sistema imunológico saudável. Isso faz com que não fiquemos doentes no meio desse estresse que é o mundo contemporâneo. Nossas vibrações se espalham. Estimula a criatividade nas outras pessoas e as torna mais sustentáveis. Não sou o tipo de ativista que sai nas ruas com faixas, mas estimulo um modo de vida criativo e sustentável. Somos apenas vibrações e por isso precisamos deixá-las no mais alto nível possível. 

DUDA – Como você conheceu o Ari? 

DEBRA – Nos conhecemos em 2009. Estava chovendo muito e eu entrei no New Musem, em Nova York. Ari era o gerente da livraria do museu. Eu tirei minha capa de chuva e na época meu cabelo estava pink. E Ari me contou que tinha um Blog dedicado a mulheres com mais de 60 anos, e perguntou se poderia me fotografar. Eu disse: “como você sabe que eu tenho mais de 60?”. Ele me deu seu cartão e alguns dias depois, liguei para ele e ele veio me fotografar. O resto é história. Já Lina, eu conheci através de Ari. Ela é de origem lituana, e meu pai é lituano. Eu disse a ela: “agora você encontrou sua mãe lituana”. Logo em seguida, já começamos a fazer fotos e filmes, que acabaram sendo utilizados posteriormente no documentário. 

DUDA – De onde você acredita que vem seu senso de estilo? 

DEBRA – Meus avós e minha mãe eram bastante criativos. Quando visitava minha avó, brincávamos com sua máquina de costura, espalhávamos tecidos e botões pelo chão, e meu avô reclamava da bagunça. Minha avó fazia crochê e bordados. Na época, todos tinham que ser sustentáveis, graças à grande depressão. Minha avó costurava as roupas do meu avô. Hoje em dia, reciclar é considerado algo cool, mas na época era uma necessidade. 

DUDA – Ari, quando você lançou seu blog Advanced Style, você tinha ideia de que isso poderia mudar a atitude das empresas de moda em relação às mulheres mais velhas? 

ARI SETH COHEN – Essa nunca foi minha intenção. Advanced Style começou com um projeto pessoal, como uma forma de me aproximar das pessoas mais velhas da minha comunidade, para me conectar com minha criatividade. Era uma forma de autoexpressão. Minha avó Bluma era minha melhor amiga. Após ela falecer, mudei para Nova York e comecei a conhecer todas essas mulheres fabulosas. Como a Debra, que me ajudou muito a me reconectar com minha criatividade. Conheci a Lina quando me mudei para Nova York, em 2008. Muitas de nossas amigas, que tinham por volta de 30 anos, já estavam ficando preocupadas com o envelhecimento. Percebi que o medo de envelhecer era um problema social. Ao mesmo tempo, via essas mulheres vibrantes e poderosas, vivendo suas vidas de forma independente aos 50, 60, 70, 80 e até 90 anos. Notei que elas poderiam mudar as noções sobre envelhecimento. O filme mostra como a criatividade, a autoexpressão, e a liberdade são importantes no processo de envelhecimento. E, o mundo da moda começou a prestar atenção no que eu estava fazendo. A publicidade de moda começou a olhar com mais atenção para as mulheres mais velhas. Começaram a usar algumas das minhas modelos mais velhas em campanhas para marcas de cosméticos. Mas no início, nem pensávamos nisso. 

DUDA – Lina, o que mudou no seu estilo após conhecer essas mulheres? 

LINA PLIOPLYTE – Meu sentido sobre moda melhorou muito após conhecer essas grandes damas fashion, e com as dicas de moda que elas compartilham generosamente. Estilo é apenas mais uma forma de autoexpressão e de mostrar sua criatividade. Portanto, o céu é o limite. Debra ficou famosa por fazer suas pulseiras com qualquer tipo de material reciclável – que inclui até rolos de papel higiênico. Essas mulheres sempre foram minha maior inspiração. 

DUDA – E como você conheceu o Ari? 

LINA – Eu conheci Ari quando trabalhava num café no Brooklyn. Tinha acabado de me mudar para Nova York. E comecei a notar que ele gostava de prints de animal e estampas psicodélicas. Nós sempre reconhecemos os pássaros exóticos. O mesmo aconteceu com Debra. Acredito que é um jogo de reconhecer seus iguais. 

DUDA – De que forma a criatividade e a autoexpressão podem deixar seu espírito mais jovem? 

DEBRA – Nos vestimos todos os dias. Somos uma forma ambulante de autoexpressão. Portanto, quem pode nos dizer o que está na moda? (O estilista) Karl Lagerfeld disse uma vez: “estar na moda é cafona”. Quem quer “estar na moda”? Não é melhor ser você mesmo? Então, sempre digo para as pessoas abrirem seus armários e deixar a criatividade fluir. Todos nós já temos roupas suficientes para mesclar e criar looks diferentes. Por que precisamos usar o que todos estão usando? A moda é apenas mais uma maneira de se autoexpressar, assim como a culinária e a jardinagem. A diferença é que as roupas são a maneira como nos mostramos para o mundo. 

ARI – Eu sempre me senti um outsider. Eu era uma pessoa criativa, mas nunca fui um esportista. Isso fez com que as pessoas não tivessem as mesmas expetativas em relação a mim. Criei minha comunidade ao redor de pessoas com quem me sentia seguro. Pessoas que fugiam das normas, e que eram criativas. Isso me conectou a essas mulheres de 60 a 100 anos, que não estão nem aí para nada. Acho que muitas pessoas se identificaram. Você pode manter sua personalidade conforme vai envelhecendo. Atualmente esse estilo vale tudo, se tornou mais aceitável, mas até pouco tempo atrás, a forma como essas mulheres se vestia e se expressavam era uma forma de rebeldia. 

DUDA – Debra, você se sente uma rebelde? 

DEBRA – Não, eu faço a mesma coisa que fazia há 60 anos. Sou uma artista visual. E tudo o que eu produzo vem de materiais recicláveis. Para mim, cor é vibração. Por isso precisamos nos alimentar com comidas coloridas e usar roupas coloridas. Eu não consigo usar preto. Para mim, é falta de criatividade.

DUDA – Ari: você já veio ao Brasil? Chegou a fotografar algumas mulheres para seu blog? 

ARI – Sim, estive no Brasil alguns anos atrás. Fui convidado para dar uma palestra sobre criatividade e o meu trabalho. Conheci uma grande amiga no Rio, Denise Faertes, dona da marca Fruto do Conde.

DUDA – Qual a lição mais importante que vocês aprenderam durante o processo de fazer o filme? 

LINA – Após o filme, recebemos tantas mensagens de mulheres de todas as idades, inclusive jovens de 25 anos. Todas elas nos agradeciam por mostrar essas mulheres de bem consigo mesmas. Algumas dessas jovens diziam que haviam desistido de usar botox e fazer certos procedimentos, inspirados por elas. Como a Debra diz no filme: “envelhecer pode ser divertido”. Isso mudou minha percepção sobre o envelhecimento. Hoje em dia, eu sei que a festa começa aos 65 anos. 

DEBRA – Você fica livre de preocupações, especialmente se for saudável. Quando eu estava com 50 anos, me sentia livre, mas tinha um passarinho no meu ombro dizendo: “ainda não, mas vai chegar a hora”. Quando completei 60, o passarinho levantou voo, e eu me senti realmente livre. É verdade que, conforme você vai ficando mais velho, vai ganhando mais liberdade.

ARI – Quando alguém vê uma mulher de 80 anos fazendo Yoga, pensa: “quero ser essa mulher quando chegar na sua idade”. Mas as pessoas se esquecem que para chegar assim nessa idade é preciso começar desde cedo. Eu me cuido mais. E espero sentir essa mesma liberdade quando chegar a minha vez. Advanced Style deu oportunidade a muitas pessoas de ser quem elas são de fato. E isso me permitiu ser eu mesmo. Quando você vê pessoas quebrando regras, fica inspirado a quebrá-las. Mas a sociedade não gosta disso: muitas pessoas fazem muito dinheiro com o medo do envelhecimento.

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Advanced Style – Sesc Digital

Assista gratuitamente em sescsp.org.br/cinemaemcasa

Disponível até 03.05.2023

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