Sesc SP

Matérias da edição

Postado em

Maurício Loureiro Gama - jornalista

Foto: Nilton Silva
Foto: Nilton Silva

Para acessar a íntegra da publicação, clique no link à esquerda

 

REVISTA – Conte-nos um pouco da sua infância em Tatuí. Que recordação o senhor tem dessa fase da sua vida?

MAURÍCIO – Ah, muito boa. Tatuí era uma delícia de cidade, era melhor do que hoje, uma cidade tranqüila. Mas, a política era “braba”, essa bipolaridade política, Partido Republicano Paulista - PRP - de um lado e Partido Democrático -PD - de outro, era fogo.

REVISTA – Fale-nos sobre sua família, seus pais...

MAURÍCIO – Minha mãe, Anésia Loureiro Gama, ficou viúva com 25 anos. Ela era professora. Meu pai, Teófilo de Andrade Gama, era farmacêutico. Depois de dez anos minha mãe conseguiu receber uma indenização pela morte de meu pai. Foi uma luta jurídica de dez anos. Ela foi uma lutadora, foi a maior figura da família. Meu pai faleceu aos 35 anos, morreu muito moço, num dia de tempestade falava ao telefone em sua farmácia quando recebeu um choque elétrico. Meu avô, Luciano Loureiro de Mello, também foi um grande homem, ele era tropeiro e boiadeiro, engordava os bois que trazia de Barretos, Ourinhos e do Rio Grande do Sul, na fazenda dele em Tatuí. Ele criou a mim, minhas irmãs Silvia e Eunice e meu irmão caçula, Murilo, todos já falecidos.

REVISTA - Em homenagem à sua mãe, o senhor escreveu um livro?

MAURÍCIO – É verdade. Escrevi o livro “Risonha e Franca”. Escrevi esse livro depois de 25 anos de sua morte. O livro fala de suas qualidades pessoais e de seu trabalho como professora. Ela teve uma cadeira na Academia Paulista de Educação.

REVISTA - Com quantos anos você saiu de Tatuí?

MAURÍCIO – Com doze anos. Minha mãe me botou no colégio interno, o Liceu Pasteur, atualmente Liceu Franco-Brasileiro. Eu era um menino levado da breca. Freqüentei durante dois anos esse colégio. Depois estudei no Colégio Rio Branco. Depois fiz três anos de Direito na faculdade da USP, no Largo São Francisco. Queria ser professor, mas depois minha mãe me aconselhou: “Não estude para professor, não faça curso de professor, vá fazer outra coisa”. Aí eu senti que gostava de jornalismo. Enveredei seriamente por esse caminho, ia toda noite ao jornal trabalhar de graça e assim aprendi jornalismo. Terminei meu curso de Direito depois de muitos anos e fui orador de minha turma.

REVISTA – Como foi o início da carreira de jornalista?

MAURÍCIO – Eu entrei no jornal “Correio de São Paulo” e ali fiz um curso de jornalismo, de aprendizagem jornalística. Aprendi a escrever à máquina, que era importante na época, e comecei a vida de jornalista, uma longa vida. Creio que sou o mais velho jornalista do Brasil. Depois fui para o Correio Paulistano, que foi o maior jornal de minha carreira. Trabalhei na Gazeta, no Diário de São Paulo. Depois fui trabalhar nos Diários Associados com o Assis Chateaubriand. Fui diretor do Diário da Noite.

REVISTA - Como era o Assis Chateaubriand?

MAURÍCIO – Terrível. Era um patrão duríssimo. Gritava muito, explodia com os colegas. Na condição de diretor do Diário da Noite, muitas vezes não concordava com as orientações do Chateaubriand. Então, “me demitia”. Pedi demissão dos Diários Associados 22 vezes! E o Chateaubriand não sabia! Aí ele me procurava: “Como? O Maurício não está aí? Eu preciso dele”. “Não, doutor, ele se demitiu”. “Mas que besteira, que besteira”!

REVISTA – E a televisão?

MAURÍCIO - A televisão veio bem mais tarde. Era na rua Sete de Abril, em São Paulo, onde funcionavam os Diários Associados. A TV Tupi foi ao ar em 1950.

REVISTA – É verdade que você estreou na televisão já no primeiro dia de funcionamento? Como é que foi essa história?

MAURÍCIO – É verdade. Desde o primeiro dia. Novidadeiro, quis saber como era. Foi no dia 18 de setembro de 1950. Me chamaram e disseram: “Você vai ser comentarista político da televisão”. Era tudo improvisado, tudo de última hora. Aí escrevi o comentário do dia e me apresentei nesse primeiro dia.

REVISTA - E a estréia na televisão foi bem-sucedida?

MAURÍCIO- No dia seguinte, fui interpelado na rua por uma senhora: “O senhor trabalhou na televisão ontem e o programa não correu bem. O senhor não falacom a gente, o senhor fica só lendo”. É que no começo eu estava tímido, não olhava para a câmera. Então ela disse: “O senhor precisa conversar com o teles pectador”. Aí o que aconteceu? Eu já tinha preparado todo o programa do segundo dia, mas joguei fora tudo que tinha feito, porque a mulher tinha falado isso. Fiz tudo de novo. Fiz o programa como se estivesse falando com o telespectador. Aí o Chateaubriand me disse: “Escuta, Maurício, como é que você soube fazer tão bem esse programa?” Eu disse a ele: “Aprendi nos Estados Unidos!”.

REVISTA – Por quanto tempo você ficou na TV Tupi?

MAURÍCIO – Por uns 20 anos, até a sua falência nos anos 70. Não gosto de lembrar disso. Para mim ela está viva até hoje.

REVISTA – Você se lembra de algum fato pitoresco na TV Tupi?

MAURÍCIO – Nos primeiros dias do programa, logo em seguida àquela conversa com a mulher entrou um cidadão no estúdio e disse: “Eu mereço ser recebido com prioridade”. “Por quê?” Perguntei “Porque ganhei um prêmio na loteria”. Era um chofer de praça que havia sido sorteado em uma rifa para ganhar um Cadillac, mas que ainda não o recebera. Não queriam dar o Cadillac para ele. Era um programa ao meio-dia, Edição Extra. Esse programa era um programa em que, além do noticiário nacional e internacional, também recebia reivindicações. Era 1960. Aí eu falei no ar: “Amanhã eu quero aqui o cidadão que fez esse sorteio. Eu quero saber por que ele não entrega o automóvel.” Só sei que o sujeito entregou o carro. E o que fez o cidadão premiado? Foi para Brasília, trabalhar como taxista em seu Cadillac. Até escrevi uma crônica sobre esse fato.

REVISTA – Como era fazer telejornal naquela época?

MAURÍCIO - Além de darmos as notícias do dia, nacionais e internacionais, tínhamos que pôr fotografias dos lugares, era complicado porque não tinha satélite. Para fixar o momento histórico, recortávamos as manchetes e fazíamos slides do tipo: “Hoje esteve aqui o sr. Getúlio Vargas”. Era muito trabalhoso.

REVISTA - Fale sobre alguns jornalistas da época. Você conviveu com o famoso repórter Tico-tico? Como ele era?

MAURÍCIO – Era de uma curiosidade terrível. Muito curioso. Um xereta. O que para um repórter é bom. Ele era meu amigo pessoal, a mãe dele também era de Tatuí. O nome dele era José Carlos de Moraes. Ele pessoalmente me disse que era parente do Presidente Prudente de Moraes. O Tico-Tico era muito vivo. Basta dizer que em Nova York ele furou todo o esquema da ONU e foi falar direto com o papa Paulo VI. Ele era terrível. Quando queria falar com alguém, ele falava mesmo.

REVISTA – Vocês faziam parte de um mesmo programa?

MAURÍCIO – Sim. Fazíamos uma dobradinha. Fazíamos o “Edição Extra”, na TV Tupi, canal 3, que depois mudou para canal 4.

REVISTA – E quanto a outros jornalistas da época, por exemplo, Carlos Espera, Murilo Antunes Alves...

MAURÍCIO – O Carlos Espera era um bom sujeito. Curioso, competente, terrível. Ele tinha uma certa ligação política fora... com o Partido Comunista. Aquilo o prejudicava um pouco. O Murilo era um rapaz brilhante, preparado, sempre governista. Sempre do lado do poder.

REVISTA - Trabalhou com esses jornalistas?

MAURÍCIO – Sim. Trabalhamos juntos. Fazíamos um programa que ia ao ar toda sexta-feira, o famoso “Pinga Fogo”. Eu era o âncora desse programa, fui, aliás, o primeiro âncora da televisão brasileira. No “Pinga Fogo” recebíamos celebridades nacionais e internacionais, como o Fidel Castro, que ficou quatro horas no ar! Ele deu trabalho, falou “abobrinhas e mais abobrinhas”. Essa entrevista foi interrompida porque eu perguntei a ele algo sobre sua política em Cuba e ele não gostou. Interrompeu o programa. Mas ele era uma figura muito interessante.

REVISTA – De quais outros jornalistas você se recorda? Como era o Geraldo Bretas?

MAURÍCIO – O Bretas conheci pouco. Era cronista esportivo. Mas me lembro bem dele. O Kalil Filho tinha uma bela voz... Eu gostava muito do Randal Juliano... O maior deles todos era o Vicente Leporace, por sua extraordinária vivacidade, sua excelente memória. O Leporace tinha um programa famoso: o “Trabuco”. Ele era meu amigo, trabalhamos juntos na TV Bandeirantes.

REVISTA – Em que emissoras você trabalhou?

MAURÍCIO – Primeiro na Tupi, depois Bandeirantes e Record. Na Bandeirantes fiz o “Titulares da Notícia”. Era uma roda e eu ficava no centro, era o âncora.

REVISTA - Qual é a diferença ou as diferenças que você vê entre a TV brasileira dos anos 50 e a TV brasileira da atualidade?

MAURÍCIO – A chamada revolução militar gerou uma porção de jornalistas novos. Jovens idealistas. Mas não houve mudança na estrutura do poder jornalístico. A estrutura do poder jornalístico continua a mesma. Mas novos valores se formaram depois da Revolução de 64, mais idealistas. O jornalismo cresceu muito, apesar da censura daquela época.

REVISTA - Como é que foi a sua experiência com 20 anos de ditadura militar e com a censura?

MAURÍCIO – Fui chamado várias vezes na polícia federal para me explicar. Dei “uma banana” para eles, continuei fazendo o jornal. Minha função não era brigar com a censura, minha função era ignorar a censura. Eu levava a Constituição embaixo do braço.

REVISTA – A ditadura lhe deu um certo trabalho...

MAURÍCIO – Eu nunca achei que foi uma revolução o que ocorreu em 64. Para ser uma revolução precisa ser uma revolução séria. Aquilo foi um golpe de Estado, não foi uma revolução. Eu divergia politicamente do Jango, mas o admirava por suas idéias socialistas. Eu fui muito amigo do Ulysses Guimarães, um político brilhante. Uma figura importante para a democracia brasileira. Na verdade, todo o meu esforço no tempo do Ulysses Guimarães foi varar a censura, ignorar a existência da censura. Ia um artigo meu para o jornal, deixava lá, meia hora depois estava pronto. Mas depois eles apertaram a revisão.

REVISTA – E quanto ao governo atual?

MAURÍCIO - Não aprovo a política atual. Não sou do PT. Sou mais próximo do PSDB. Fui amigo íntimo e fraterno do Mário Covas. Grande amigo.

REVISTA - Como foi a sua experiência à frente da Associação dos Jornalistas Aposentados de São Paulo?

MAURÍCIO - Foi uma experiência boa. Recentemente, em 25 de janeiro passado, fui homenageado. Fui sócio fundador da Associação, em 1937. Eu vivi um período muito fértil como jornalista, porque peguei toda a ditadura Vargas. Entrei no jornalismo em 1933 e vivi todo aquele processo antes do golpe de 37. Vivi todo aquele período em que houve a Revolução de 32 por causa dos problemas constitucionais, fechou o Congresso... Os paulistas se revoltaram. Mas não foram apenas os paulistas que se revoltaram, foi todo o Brasil, né? Perdemos a revolução, mas ganhamos a Constituição de 34. Mas depois veio 37, fechou o Congresso de novo. Vivi todos aqueles problemas até 45, quando Getúlio foi deposto. Na redemocratização em 46, eu era da UDN, era pró Eduardo Gomes e não Dutra. Em 50, o Getúlio entrou de novo no governo, porque o brasileiro tem memória curta. Esqueceram que ele havia sido um ditador. Eu, em São Paulo e o Carlos Lacerda no Rio, lascávamos o Getúlio.

REVISTA – E o Juscelino Kubitschek?

MAURÍCIO – Um louco maravilhoso. Um sujeito muito especial. Um político inteligentíssimo, que fez com que Brasília, a capital mais moderna do mundo, realizasse a integração nacional.

REVISTA – E Jânio Quadros, qual era a sua opinião sobre ele?

MAURÍCIO – Jânio era um idealista incompreendido. De vez em quando eu não concordava com ele. Ele me convidou para ser o jornalista do Palácio da Alvorada, seu assessor de imprensa. Não aceitei porque não gostava de viver em Brasília.

REVISTA - E quanto aos presidentes militares?

MAURÍCIO – Castelo Branco era o melhor deles todos. Mas de jeito nenhum quero fazer apologia do Golpe de 64. O único militar de que eu gostei foi o Castelo Branco. Era um grande sujeito, correto, limpo.

REVISTA – Você trabalhou para o Mário de Andrade?

MAURÍCIO – Sim. Trabalhei para o Mário de Andrade no Departamento de Cultura da Prefeitura de São Paulo. Fui muito amigo do Mário. Isso foi em 38, era assessor dele. Tem um livro dele dedicado a mim e ao Fernando Góes, “Histórias da Candinha”. Quando o Mário saiu do Departamento de Cultura e veio para o Rio de Janeiro, fiquei desolado. Éramos muito amigos.

REVISTA – Como está a imprensa hoje?

MAURÍCIO – Hoje a imprensa é mais profissional. Mas está em sérias dificuldades, não há emprego.

REVISTA – Como você sabe, a nossa revista fala sobre a Terceira Idade, fala das questões da velhice e do envelhecimento...

MAURÍCIO – O chato é a quarta idade. A quarta idade é a morte. E vou dizer uma coisa para você. Se há alguém ligado na vida, sou eu.

REVISTA - Como estão os idosos do Brasil, como é envelhecer no Brasil? O que o senhor acha das políticas que tem para a terceira idade?

MAURÍCIO – o Brasil trata muito mal os seus idosos. Ainda há muita coisa para fazer. A saúde do idoso brasileiro vai mal, a Previdência também... As aposentadorias são péssimas... Os aposentados são cidadãos de terceira classe no Brasil.

REVISTA – Como é sua vida aos quase 92 anos de idade? Quais são seus hábitos?

MAURÍCIO – Tomo vinho no almoço e no jantar porque faz muito bem para a circulação. Gosto de comer bem, mas sem exagero. Como muita verdura, muita fruta, de vez em quando uns macarrõezinhos bem elaborados. Pouquíssima gordura, pouca carne vermelha, como mais frango e peixe. O segredo é uma alimentação leve.

REVISTA - Você faz atividades físicas?

MAURÍCIO – Eu não gosto muito de andar, de caminhar porque receio cair e não quero ter problemas de fraturas. Sempre andei muito quando era mais jovem. Em vez de pegar o carro, pegava ônibus para ir até a Federação do Comércio. Mas atualmente me poupo muito.

REVISTA - Qual é a sua opinião sobre a juventude de hoje, o que o senhor acha dos jovens de hoje? Que recado você daria a eles?

MAURÍCIO – A juventude é sempre corajosa. Meu recado é tenham um projeto de vida e tenham esperança. Acreditem no futuro.