Sesc SP

Matérias da edição

Postado em

Ao alcance de uma simples tomada

Mini 32 Twizy, versão elétrica: tecnologia francesa /  Foto: Alexandre Marchetti
Mini 32 Twizy, versão elétrica: tecnologia francesa / Foto: Alexandre Marchetti

Por: SUCENA RESK

Silenciosos, não poluentes e predominantemente derivados de fontes mais limpas de energia. Com a aceleração das mudanças climáticas, os veículos elétricos a bateria têm se tornado o sonho de consumo de muita gente mundo afora, principalmente no Japão, o maior mercado consumidor dessa modalidade de automotor e que já participa com 11% de sua frota, seguido pelos Estados Unidos e pela Europa. No Brasil, a adoção dos modelos ainda é tímida e seu custo elevado. Segundo Ricardo Guggisberg, da Associação Brasileira de Veículo Elétrico (ABVE), atualmente a frota nacional supera 3 mil unidades (a maioria de importados) e o mercado aquece aos poucos.

Em 2014, o país praticamente duplicou as vendas em relação a 2013, que foram de 491 unidades, enquanto que no mundo, no período, já circulavam 7 milhões de unidades entre modelos leves e pesados. Até 2020, a expectativa do setor é que aproximadamente 40 mil veículos “verdes” estejam rodando pelas ruas e estradas do Brasil. Considerando apenas os elétricos leves, ou seja, automóveis e utilitários, a projeção mundial para os próximos cinco anos é de 3 milhões de unidades em circulação.

O engenheiro Ronaldo Mazará, chairman do Simpósio SAE BRASIL de Veículos Elétricos e Híbridos, avalia que hoje um dos segmentos de mobilidade elétrica mais avançado é o de bicicletas. Essa tendência de mercado chegou a virar tema do livro The eBike Book. Future. Lifestyle. Mobility, de Hannes Neupert, ainda sem tradução para o português, que trata do veículo como estilo e responsabilidade ambiental. No Brasil, cerca de 35 empresas já produzem e comercializam esses modelos de duas rodas, de acordo com a ABVE. Relatório de 2013, preparado pela consultoria Navigant Research, aponta que a América Latina deverá se tornar o mercado mais promissor do segmento, com crescimento de 14,4% até 2020. A China, todavia, continuará indefinidamente na liderança: o país é dono de 92% do mercado mundial, com 28 milhões de unidades comercializadas. “Recém-chegadas ao país, as bicicletas elétricas já têm grande adesão, especialmente em São Paulo, que hoje conta com ciclovias, e no Rio de Janeiro, onde a ideia das e-bikes também já pegou. Em 2014, foram comercializadas cerca de 50 mil unidades, contra 32 mil do ano anterior”, explica o representante da ABVE.

Todavia, o desafio para melhorar o desempenho de mercado de veículos elétricos é grande, devido, principalmente, à forte pressão das políticas mundiais que ainda mantêm em ascendência os combustíveis fósseis, mesmo que elas contribuam para o aumento dos gases de efeito estufa. O Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), da Organização das Nações Unidas (ONU), em seu mais recente relatório, aponta que o segmento de transportes é um dos principais emissores. E que um dos esforços mais recentes para mudar essa tendência vem justamente do maior emissor, no mundo, a China. O governo chinês anunciou no final de 2014 que vai estimular o uso de veículos elétricos e híbridos em seu país.

No Brasil, segundo o Observatório do Clima, rede brasileira de organizações não governamentais que atuam na agenda de mudanças climáticas no país, o aumento das emissões por queima dos combustíveis fósseis tende a se intensificar como reflexo do maciço investimento feito na área, o contrário do que acontece com novos combustíveis renováveis e na própria participação dessa fonte na matriz energética brasileira. Em 2013, as emissões tiveram um aumento de 7,8%, com relação ao ano anterior, influenciado pelo aumento do uso de energia termoelétrica de fontes fósseis e do consumo de gasolina e diesel pelo setor de transporte. O consultor ambiental Fabio Feldmann avalia que o país precisa avançar na inovação tecnológica. “Um caminho é a adoção de políticas de regulação com instrumentos econômicos”, diz.

Bateria pesada

Apesar das ambiguidades das políticas públicas no setor, as tecnologias veiculares mais limpas e eficientes ganharam alguma expressão nas últimas décadas. Nos anos 1970, a crise do petróleo incentivou o pioneirismo no Brasil, por parte da montadora Gurgel, com o modelo elétrico Itaipu, como explica o físico e doutor em engenharia mecânica Ennio Peres, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). “A experiência não obteve êxito, porque o motor tinha pequena potência, prejudicando a autonomia do veículo, que chegava a 80 quilômetros com capacidade total de carga. A bateria com chumbo-ácido era muito pesada e não foi à frente. A experiência, enfim, foi prematura”, avalia.

Depois veio a bateria de cádmio e, na sequência, a de hidreto-níquel. “Este componente tem menos toxidade, mas as baterias continuavam pesadas e caras e a extração do lantânio era feita de terras-raras de areia monazítica, como a encontrada em Guarapari (ES)”, conta Peres. “A tecnologia de íon-lítio, que vigora até hoje, pode fazer cargas mais rápidas e tem durabilidade bem maior. Antes era caro, mas como os chineses têm imensas reservas minerais, começaram a investir pesado na área e houve redução do valor”, diz.

“O problema ainda é o volume e o peso. O veículo convencional atinge a faixa de 200 quilômetros. Antes, a bateria de chumbo chegava a praticamente metade desta autonomia. O aceitável seria 400 quilômetros”, observa Peres. De acordo com o físico, o tempo de carregamento (da bateria) depende da fonte de energia. “Quanto maior a voltagem e corrente, menor é o tempo de energia por segundo. Pensando no sistema convencional de 220 volts, a corrente nominal demoraria o equivalente a dez horas de chuveiro ligado. A vantagem: o veículo é mais silencioso e o motor não tem detonação”.

De acordo com a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), o brasileiro roda, em média, 58 quilômetros por dia. Como o tempo de recarga do veículo elétrico é de oito horas, para uma autonomia média de 120 quilômetros, ele se apresenta como interessante alternativa quando o que está em pauta é o aumento da frota, especialmente para circulação no perímetro urbano.

O engenheiro eletricista Celso Novais, coordenador brasileiro do Programa Veículo Elétrico (VE) da Itaipu Binacional, relata que a instituição atualmente está desenvolvendo, com recursos da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), uma bateria nacional para utilização em países tropicais baseada no cloreto de sódio. A nova tecnologia, segundo ele, reduziria o valor em um terço em relação ao praticado hoje com a versão de lítio. Mais um elemento positivo em relação às tecnologias atuais, que empregam elementos contaminantes, além do fato de que a novidade brasileira dará origem a um equipamento totalmente reciclável.

“Daqui a um ano ele será fabricado em escala laboratorial”. Ele explica que a vida útil da nova bateria é de 15 anos, bem superior à versão que emprega lítio, notadamente quando ela é submetida a estresse de temperatura. Novais afirma que é importante acrescentar que o veículo elétrico não necessita de catalisador, indispensável no modelo a combustão. “A manutenção no modelo a bateria também é melhor, porque é feita a cada 120 mil quilômetros. Já os demais exigem a troca de óleo, por exemplo, a cada 5 mil quilômetros”.

A iniciativa do Programa Veículo Elétrico da Itaipu Binacional, em curso desde 2006, conta com a parceria de 21 organizações, entre produtoras de baterias, concessionárias de energia, montadoras e institutos de pesquisa. Atualmente, segundo Novais, há 100 protótipos (entre elétricos e híbridos) em fase de teste, 68 deles emplacados e em circulação no município paranaense de Foz de Iguaçu e em diferentes outros pontos do país.

Novais também revela que, em 2015, deverá ser concluído o projeto de pesquisa de um avião elétrico para dois passageiros, com 40% de tecnologia nacional. E torna público o mais recente projeto em andamento: a versão brasileira elétrica do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT), que começou em 2013 e com expectativa de conclusão em 2019. “Hoje o que existe são modelos a diesel. É como um metrô de superfície, encontrado em vários países, como a China, por exemplo”, ele destaca.

Pontos de recarga

Guggisberg, da ABVE, diz que as razões que impedem uma maior ampliação da frota de veículos elétricos são o preço e a dificuldade de rede de abastecimento, já que existem apenas 50 carregadores de acesso público de energia em todo o país. A obrigatoriedade das concessionárias de eletricidade de instalarem pontos de recarga de baterias junto às vagas de estacionamento público pode virar lei a qualquer momento. Proposta nesse sentido, que depois de aprovada pela Câmara dos Deputados Federais está em análise pelo Senado, também determina que caberá ao Executivo criar incentivos para a instalação de tomadas para recarga nas garagens de prédios residenciais. Apenas para efeito de informação vale lembrar que em alguns países as medidas de estímulo ao uso de veículos elétricos caminham a jato. Noticiou-se, recentemente, que a montadora alemã BMW criou um poste de iluminação equipado com tomadas para carregar carros movidos a bateria, e que um projeto-piloto com vistas a dotar a cidade de Munique com a novidade deve ser executado neste ano. A BMW fabrica veículos elétricos e isso explica, de certa forma, seu interesse pela expansão dos negócios na área.

Enquanto isso, a ABVE e os fabricantes têm se esforçado no sentido de ver reduzido o alto custo dos carros elétricos e híbridos no Brasil, considerando que o país depende da importação porque ainda não produz esses modelos. Em 2014, o Governo Federal baixou o imposto de importação dos veículos híbridos, de 35% para uma alíquota máxima de 7%. “Além disso, os veículos elétricos têm isenção do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) em sete estados brasileiros (Ceará, Maranhão, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul e Sergipe) e alíquota diferenciada em outros três (Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro e São Paulo)”, esclarece. Decididamente, o modelo elétrico merece maior atenção: um estudo da CPFL Energia mostra que o valor do quilômetro rodado de um carro a combustão, considerando o uso do etanol, é de aproximadamente R$ 0,19, contra R$ 0,05 do veículo movido à eletricidade. Quanto ao valor do veículo elétrico, Novais, da Itaipu Binacional, diz que o americano Tesla S, um dos modelos mais modernos e sofisticados com 600 quilômetros de autonomia, custa cerca de US$ 80 mil. “Mas a maioria dos carros elétricos tem o custo unitário de US$ 40 mil”.

O engenheiro reforça que as políticas de incentivo são importantes e que elas também ocorrem em outros locais do mundo. “Em Londres, por exemplo, quem tiver carro elétrico pode ingressar no centro da cidade, sem pagar taxa, um tipo de contribuição que vigora por lá. Já na Suíça, o abastecimento é subsidiado”, conta. O fato é que no Brasil ainda não há políticas “robustas” nesse segmento. “A mentalidade do governo, quando se trata de combustíveis mais limpos, é o de apoiar predominantemente o álcool/biodiesel”, observa o engenheiro Ronaldo Mazará, do Simpósio SAE BRASIL de Veículos Elétricos e Híbridos. Segundo ele, uma das iniciativas da organização para ampliar o mercado brasileiro é preparar corpo técnico nacional para a produção dos modelos no país.

Para o engenheiro florestal Tasso Azevedo, especialista em mudanças climáticas, não há o que questionar: os veículos elétricos são comprovadamente mais eficientes que os movidos a combustíveis fósseis. “Se todos os carros e ônibus passassem a ser movidos a energia elétrica, o aumento de consumo anualmente no país seria da ordem de apenas 3%”, avalia.

Para aumentar a inserção dos VEs no mercado mundial, a busca por maior autonomia dos modelos faz parte das principais linhas de pesquisa vigentes do setor em escala global. “A meta é a melhoria da eficiência da bateria, do acionamento elétrico e da conversão dos veículos a combustão para eletricidade, além do desenvolvimento de redes de abastecimento/recarga”, diz Guggisberg.

Painéis solares

Uma das modalidades de pesquisa em andamento também no Brasil é do veículo com motor elétrico a hidrogênio, mas que enfrenta o desafio de a tecnologia ser cara e ainda precisar de maior desenvolvimento. “No lugar das baterias, fica um tanque a hidrogênio pressurizado, que faz a eletrólise reversa e puxa o oxigênio do ar. Produz água e energia elétrica, com corrente contínua e não tem elementos químicos da célula combustível, como na bateria a energia elétrica”, explica Ennio Peres, da Unicamp. De acordo com o físico, há algumas experiências brasileiras em andamento. Entre elas, o Vega, na Universidade Estadual de Campinas, e de um ônibus, no Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe), no Rio de Janeiro, e da Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos (EMTU), em São Paulo.

Uma equipe da Universidade de Lucerne e da Escola Politécnica de Zurique, na Suíça, também projetou um protótipo de veículo de corrida, com 168 quilos, que foi batizado de Grimsel. O automóvel tem a capacidade de alcançar 100 km/h em 1,785 segundos, recorde de aceleração.

Tasso Azevedo, por sua vez, diz que novos avanços devem ser conquistados para que as baterias sejam abastecidas por painéis solares e não dependam somente da hidroenergia ou de termoelétricas, em última instância. Para isso, segundo ele, um importante indutor estaria nas mudanças da política tributária brasileira a fim de permitir que “o cidadão comum possa vender energia, iniciativas bem-sucedidas nos Estados Unidos e na Europa, e numa série de outros lugares”.

“Antes de dar ênfase ao veículo utilitário, a prioridade deveria ser a eletrificação a bateria do transporte público urbano”, sugere o engenheiro mecânico André Luís Ferreira, diretor-presidente do Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema). “As cidades vivem a crise da mobilidade urbana, e o modelo baseado no transporte individual não será mais viável nos próximos anos”, sustenta. O transporte individual, é sabido, emite mais poluentes do que o coletivo, além de deslocar apenas um quinto de pessoas, comparativamente.

O primeiro ônibus elétrico brasileiro movido somente a baterias, o E-Bus, foi lançado no fim de 2013 pela Eletra – fabricante de veículos com tração elétrica nas versões trólebus, híbridos e elétrico puro (baterias) –, em parceria com as japonesas Mitsubishi Heavy Industries e Mitsubishi Corporation. Acompanhado de um veículo-sombra movido a diesel, o E-Bus circulou, a título de experiência, de março a agosto de 2014 no Corredor ABD da EMTU, na Região Metropolitana de São Paulo.

Iêda Maria Alves de Oliveira, gerente comercial da Eletra, esclarece que o consumo médio de energia no percurso de 23,6 quilômetros (ida e volta) foi de 58 quilowatts-hora, gasto similar ao de dez chuveiros elétricos ligados durante 60 minutos. “Em termos financeiros, o custo com energia por tonelada do E-Bus foi 56% inferior ao do veículo-sombra”. Ela ainda informa que esses dados estão sujeitos às flutuações de preços do mercado, mas as vantagens do E-Bus são indiscutíveis. O modelo da Eletra, com autonomia de 200 quilômetros, precisou de somente três horas para proceder à recarga total. “Também mantém um sistema de recarga rápida, que pode ser feita em cinco minutos, oferecendo mais 11 quilômetros de autonomia”, completa.

As barreiras a serem superadas quanto à difusão do ônibus elétrico, de acordo com a executiva, são relacionadas ao custo das baterias e, novamente, à implementação da infraestrutura de recarga. “Para a introdução desta tecnologia no mercado, são necessários incentivos e políticas públicas. O combate à poluição do ar, que está matando e diminuindo a expectativa de vida das pessoas que moram nos centros urbanos, vai exigir mais ação governamental”, afirma Iêda. A Eletra já produziu 45 modelos híbridos (elétrico/diesel), que operam na Grande São Paulo, “veículos que permitem sensível redução da emissão de poluentes, pois nas acelerações é o motor elétrico que atua. As emissões locais – como o material particulado – são reduzidas em até 95% e o consumo de diesel, em operação comercial, gira em torno de 20%”, relata a gerente comercial da empresa.

O aluguel tem ajudado a incrementar o mercado de veículos elétricos na China e nos países europeus, consumo consciente e exemplo de responsabilidade compartilhada da mobilidade urbana que vai ganhando terreno no exterior. No Brasil, a experiência está começando pela capital pernambucana Recife, sob iniciativa do Porto Digital, polo de desenvolvimento de softwares e de economia criativa daquele estado. O esquema é semelhante ao do compartilhamento de bicicletas: a retirada do veículo se dá em uma estação e por um determinado período. Inicialmente, foram projetadas cinco estações que darão abrigo a três veículos elétricos da marca chinesa Zhidou e três a combustão. A tecnologia empregada é da também pernambucana Serttel Engenharia – empresa envolvida com tecnologias inovadoras para a mobilidade, comodidade e segurança das pessoas nos ambientes urbanos –, e uma das metas, segundo os idealizadores, é incentivar a carona com o compartilhamento de rotas.