Conhecida pela versatilidade na atuação nas telas e nos palcos, atriz se reconhece como uma eterna aprendiz no ofício de contar histórias para preservar a memória (foto: Nana Moraes)
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POR MARINA PEREIRA
Por mais que não tenha sido um caminho intencional, mas “uma feliz mudança de rota”, como ela mesma diz, é difícil imaginar Andrea Beltrão em outra profissão que não a de atriz. A artista iniciou sua carreira nos anos 1980, em produções de teatro, cinema e TV. Ganhou popularidade vivendo a personagem Zelda Scott, na série de televisão Armação Ilimitada, exibida de 1985 a 1988 na TV Globo e considerada um marco de criatividade e ousadia por usar, na edição, a linguagem acelerada dos videoclipes e múltiplas referências à cultura pop.
Atuou em telenovelas como Mulheres de areia (1993), A viagem (1994) e No rancho fundo (2024). Por sete anos, participou da série A grande família (2002-2014), como a personagem Marilda, e por quatro protagonizou, ao lado de Fernanda Torres, Tapas e beijos (2011-2015), como Sueli. No cinema, atuou, dentre outros filmes, em Pequeno dicionário amoroso 1 (1996) e 2 (2015) e A partilha (2001). Também interpretou a apresentadora Hebe Camargo (1929-2012) no filme Hebe, a estrela do Brasil (2019), pelo qual venceu o Prêmio Grande Otelo na categoria Melhor Atriz. Versátil não só na atuação, também é produtora e criadora, ao lado da atriz Marieta Severo, do Teatro Poeira, uma casa de espetáculos, residência artística e espaço para discussão e estudo de novos formatos nas artes cênicas, em Botafogo, no Rio de Janeiro.
A atriz está em cartaz com o espetáculo Lady Tempestade, uma história que traz à cena a luta de Mércia Albuquerque Ferreira (1934-2003), considerada uma das principais advogadas nordestinas na defesa de presos políticos durante a ditadura militar. Sua personagem encara o drama de receber pelos Correios os diários da advogada em uma madrugada de tempestade. “Contar e recontar uma história, muitas e muitas vezes, é uma maneira de impedir que o horror aconteça de novo”, reflete a atriz, sobre o espetáculo. Com direção de Yara de Novaes e dramaturgia de Sílvia Gomez, o monólogo teve temporadas esgotadas no Rio de Janeiro e São Paulo, onde foi apresentada no Sesc Consolação.
Neste Encontros, a atriz relembra momentos da infância e do início da carreira, fala sobre a sua inquietude por estar sempre aprendendo algo novo e sobre a versatilidade na atuação, com papéis memoráveis, cômicos e dramáticos, nos palcos e nas telas. “Eu acredito que contar histórias é uma maneira amorosa de pensarmos juntos no nosso passado, nosso presente e nosso futuro”.
MAR ABERTO
Eu nasci na cidade do Rio de Janeiro, sempre morei aqui. Quando era pequena, morava em Copacabana já, com a minha avó e com a minha mãe, era filha única. Minha mãe já havia se separado do meu pai, e fui criada por essas duas mulheres. Mas Mas tinha contato com o meu pai, que é uma figura importantíssima na minha vida. A lembrança da minha infância é de muita praia, com muitas brincadeiras, amigos, idas à Ilha de Paquetá na barca, para andar de bicicleta. Acho que são momentos que estão colados em mim como pedaços da minha vida. Infelizmente, eu acho que a maioria não se lembra tanto da infância quanto gostaria, mas foi uma infância boa, feliz, cercada de muito carinho, muita disciplina também. Tudo que eu lembro são momentos bons que estão comigo até hoje.
DESVIO DE ROTA
Eu nunca pensei em ser atriz. Lá pelos cinco anos, comecei a fazer natação no Flamengo. Tentei de todas as maneiras ser uma atleta. Queria ir para as Olimpíadas de Moscou. Então, treinava muito. Só que comecei a perceber, lá pelos 10 ou 11 anos, que eu não alcançaria os tempos que me levariam às Olimpíadas. E aí fui desanimando aos poucos e parei a natação. Meu padrinho, irmão da minha mãe, falou: “Ah, vai fazer alguma coisa, você imita todo mundo, vai fazer teatro”. Então, topei e ele me levou na escola O Tablado. Aí já me apaixonei pela professora, que era Araci Mortê, irmã da Maria Clara Machado e mãe da Cacá Mortê. Eu fui a primeira pessoa da minha família que se aventurou por aí aprendendo e descobrindo um trabalho aqui, outro ali, e assim fui construindo um caminho. Eu nunca tive esse desejo inicial. Foi um desvio de rota muito feliz.
VOCÊ É ARTISTA?
Eu fiz muito teatro de rua, muito mesmo. Uma vez, apresentamos [a peça] Flicts em uma comunidade bem pobre de Brasília (DF). A gente estava se arrumando na pracinha, aí, de repente, um menininho bem pequenininho, chegou para mim e falou assim: “Você é o quê?”. E eu estava toda vestida de amarelo, toda fantasiada, com purpurina, penas etc. Aí eu falei: “Ah, eu sou artista da peça”. E ele respondeu: “Você é artista? Então faz uma arte aí para eu ver”. Eu: “Não, não é assim, não. Não é ‘faz uma arte’”. Ele ficou me olhando, bem contrariado: “Você não sabe fazer? Então, você não é artista nada”. Eu fiquei com aquilo na cabeça. E essa frase me acompanha todas as horas, em qualquer trabalho que eu vou fazer. Quando fui trabalhar com [o diretor] Amir Haddad, na montagem de Antígona, isso voltou muito forte e muito bonito para mim, como uma disponibilidade total para [ser artista].
EM BOA COMPANHIA
O que eu aprendi muito com Aderbal Freire Filho (1941-2023), Amir Haddad e Yara de Novaes, que para mim é uma tríade de diretores (de teatro) fundamentais, foi: o meu ofício é o de uma pessoa que conta histórias, que representa histórias verdadeiras ou não, ou mentiras que ficam incríveis quando parecem verdade. Eu acho que quando eu estou no palco, que eu vou fazer uma peça com vários atores e atrizes, que é a melhor situação, na minha opinião, isso fica evidente. Porque eu acho um monólogo o maior barato, mas o teatro é muito interessante quando você está bem acompanhado.
ARMAÇÃO ILIMITADA
Guel Arraes era o diretor do Armação ilimitada. Ele estava chegando da França, onde tinha trabalhado muito com o documentarista Jean Rouch (1917-2004). Guel fez várias novelas de sucesso na Globo, junto com Jorge Fernando (1955-2019), que era um parceiro dele, diretor também. E aí me chamou para fazer o Armação Ilimitada, que se revelou, para mim uma universidade, a melhor que eu tive para o audiovisual, que foi trabalhar com Guel, acompanhá-lo na ilha de edição com João Paulo de Carvalho, mago da edição no Brasil. Então, tudo isso começou a ficar muito compreensível para mim. Como a questão da linguagem, que foi uma coisa muito inovadora que o Guel trouxe para a televisão. E dali, quando eu saí para fazer um filme, uma novela, eu estava com muita bagagem de experimentação e de aprendizado.
ETERNA ALUNA
Eu adoro trabalhar sozinha, ficar até quatro ou cinco horas da manhã em casa estudando sozinha. São horas muito importantes para mim. Além do roteiro, que é meu primeiro material, as conversas com o diretor, com roteirista, com a equipe de criação… Os colegas, leitura de mesa. Adoro ouvir o que cada um de nós está pensando sobre aquilo. É muito importante e traz muito material. Eu tenho uma paixão por ser aluna. Me sinto uma eterna aluna. Tenho uma paixão por aprender alguma coisa que eu não sei. Na maioria das vezes, eu continuo sem saber o que eu tentei aprender, mas o caminho para mim é o mais interessante. O meu processo é bater com a cabeça na parede, errar, acertar, ficar desesperada, achar que vai dar, achar que não vai dar. Estamos sempre catando coisas, ideias e ouvindo o que os outros dizem. Escutar é muito importante.
HEBE CAMARGO
Quando a Carolina Kotscho [roteirista do longa-metragem Hebe, a estrela do Brasil] me convidou [para o papel], eu pensei: “Bom, por que eu?”. Tive que estudar muito. Fiquei um ano e meio vendo vídeos, entrevistas, programas, lendo calhamaços de teses e livros sobre ela e, muitas vezes, pensava: “Não vai dar”. Bom, aí a gente foi na casa da Hebe gravar um trailer do projeto. Pegamos algumas de suas roupas e joias, além de uma peruca. Fizemos uma maquiagem. A Hebe tinha uma ave chamada Tutu, que estava na gaiola. O rapaz que cuidava da casa perguntou: “Posso soltar? Ele está gritando muito, está nervoso”. E nós: “Pode. Tudo bem”. Bom, o que aconteceu é que essa ave, que viveu com a Hebe por muitos anos, começou a andar atrás de mim, a gritar e ficar se encostando na minha perna. O rapaz falou: “É que ela está sentindo o perfume, vendo a roupa. A senhora está igualzinha. Pega ela no colo”. Aí eu peguei e ele se aninhou e dormiu no meu colo. Nessa hora eu falei: “Acho que eu vou arriscar mais um pouquinho”.
POEIRA E POEIRINHA
Marieta e eu nos conhecemos quando ela foi fazer uma peça chamada Estrela do lar (1989), dirigida por Mauro Rasi (1949-2003), escrita especialmente para ela. Marieta fazia a protagonista e a peça ganhou muitos prêmios. Ficamos amigas inseparáveis, era uma costura, uma paixão. A Marieta é uma paixão da minha vida. Um dia, em uma de nossas saídas na época de A grande família, pensamos em tentar ter um teatro. O diretor Aderbal [Freire Filho (1941-2023)] descobriu essa casa em Botafogo, com uma faixa de “vende-se”. Fomos nessa casa, ligamos e compramos. Aderbal, Marieta e eu entendíamos de teatro, sabíamos das necessidades e das coisas boas que poderíamos oferecer como um teatro novo na cidade. Assim surgiu o Teatro Poeira e Poeirinha. Fomos muito felizes e somos até hoje. Aderbal criou projetos maravilhosos como Artista Residente, Artista Visitante, Ponte Aérea, Puente Aérea, foram oficinas imensas. Então, foi um furacão que passou na nossa vida e fomos em frente, não tivemos medo.
A atriz Andrea Beltrão participou da reunião do Conselho Editorial da Revista E, no dia 22 de maio de 2025. A mediação do bate-papo foi de Adriana Souza, que integra a equipe do Sesc Consolação.
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