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Era uma vez...

Personagens e narrativas dos contos de fadas permearam a infância da artista plástica, escritora e professora Katia Canton graças a uma tia-avó que lhe contava histórias. A menina cresceu e trouxe essa referência para a vida adulta, fazendo dos contos de fadas objeto de estudo acadêmico e inspiração para suas próprias obras literárias. Entre os livros que Katia escreveu, estão The Fairy Tale Revisited (O Conto de Fadas Revisitado, lançado nos Estados Unidos pela Peter Lang, em 1994; Prêmio Contemporary Authors do Galé Research Institute, de Michigan) e O Mistério das Formas (Paulinas, 1998; Prêmio Jabuti). Atualmente, é vice-diretora do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo e professora na mesma instituição. “Tenho dificuldade em me definir, mas se fosse preciso me definiria como arte-educadora, ou artista educadora”, diz Katia, que trabalhou no departamento de arte-educação do Museum of Modern Art (MoMA) na década de 1990 e até hoje desenvolve projetos nesta área. A seguir, trechos do depoimento de Katia, no qual ela fala sobre arte contemporânea, formação de público para artes visuais e curadoria.


Katia Canton esteve presente na reunião do Conselho Editorial da Revista E no dia 7 de dezembro de 2016

Quando fui escolher o tema de pesquisa do meu mestrado no Departamento de Artes na New York University, lembrei-me de uma tia-avó que me contava histórias e contos de fadas na infância. Daí, surgiu a ideia de juntar essas histórias às artes. Foi assim que tive um primeiro impacto de como a arte contemporânea podia lidar com os contos de fadas, e esse assunto dos contos de fadas passou a ser a minha paixão, o assunto de pesquisa da minha vida. Publiquei depois um livro sobre o tema, O Conto de Fadas Revisitado, que está na sexta edição, e pega a tradição das narrativas desde que os seres humanos começaram a criar histórias.

Uma curiosidade dessa pesquisa é que, quando o ser humano começou a viver, havia outros seres ocupando o planeta, como homem de neandertal, e esse convívio era bastante equilibrado, em questão de desenvolvimento de ferramentas e artefatos. A diferença é que o homo sapiens, nós, tínhamos desde então a capacidade de extrapolar a realidade, extrapolar o tempo presente, e projetar fantasias, sonhos e questões que nos são caras.

Tenho trabalhado muito com jovens em situação de risco em uma oficina que chamo de Contos sem Fadas. Toda essa história, toda essa necessidade que a gente tem do simbólico, do sonhar, do desejar, uma necessidade legítima e extremamente humana, não pode ficar dependendo de ajudas mágicas, do que está fora. É buscar esse encantamento com a vida sem precisar das fadas, dentro da própria vida.

Curadoria

A origem do termo curador vem de curare, de ser o cuidador de um acervo. O primeiro museu inaugurado no mundo foi o Museu do Louvre, em Paris, e os curadores tinham essa função. Quando a arte começou a sair da esfera do privado e ir para o público, os curadores eram as pessoas que organizavam e cuidavam. Depois, esse termo foi expandido para aquele que garante uma continuidade, ou seja, aquele que garante que o museu adquira novas obras e que essas obras possam ser estudadas.

A partir dos anos 1980 houve uma reinvenção da função do curador e foi dado a ele um papel muito importante. O curador começou a pensar como um artista, criar um texto, muitas vezes até mesmo criando um projeto e depois buscando artistas que se encaixem nesse projeto. O curador virou a grande estrela, e isso também está se desgastando. Uma galeria, hoje, para mostrar um trabalho de um artista, precisa chamar um curador. A gente precisa de arte, dos cuidadores dessa arte, que dignificam e que garantem a manutenção dessa arte, mas o curador não pode se sobrepor ao artista.

Ao mesmo tempo, existe no curador também uma relação com a formação de público. Não se pode partir do pressuposto de que as pessoas já conhecem determinada obra ou determinado artista. Nada é óbvio. Em se tratando de arte, sempre há algo a descobrir e a apresentar. Um bom curador tem essa vocação de cuidar e preparar o público para penetrar o universo de determinado artista, pensador, escritor. Isso que é curadoria para mim.

Expansão

Historicamente, as artes visuais são o que há de mais elitista na cultura ocidental. Antes das artes visuais serem abertas ao público, eram fechadas dentro de castelos, palácios. Os artistas eram empregados dos reis, rainhas e aristocratas, que os contratavam para retratar pessoas, paisagens, feitos históricos, e deixavam aquelas obras fechadas. Apenas no século 18 essa arte começa a ser mostrada publicamente, mas ainda assim de forma elitista.

São Paulo e outras grandes cidades do Brasil começam nos últimos anos a reivindicar esse acesso, e isso é bastante interessante. A gente tem ultimamente grandes filas para ver exposições, e é interessante perceber o que atrai as pessoas. Ainda são as grandes exposições e os grandes nomes. Seria importante aproveitar essa ideia de artes visuais como parte do entretenimento para realizar projetos que digam respeito também às pessoas e não só aos grandes nomes da arte.

O aumento do público nas exposições está ligado a um empoderamento maior das classes sociais brasileiras, que tiveram maior acesso cultural. É um fenômeno social que vai além da arte para uma reivindicação de vida, das pessoas quererem viver mais integralmente tendo acesso a bens não só materiais, mas também culturais, que historicamente lhes foram negados ou dificultados.


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