Sesc SP

Matérias da edição

Postado em

Capa


Paixão nacional, o futebol pode ser mais um instrumento para inclusão social
 


A associação do esporte a iniciativas de cunho social – em diversas áreas, como educação, cidadania, promoção de saúde e higiene etc. – não soa mais como novidade, sobretudo nas comunidades carentes Brasil afora atendidas por esse tipo de iniciativa. Segundo a Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais (Abong), em 2002 havia 276 mil fundações e associações sem fins lucrativos no país. Dessas, 26.894 na área do esporte e do lazer, ficando atrás somente das organizações religiosas (70.446) e de assistência social (32.249).

O estudo, segundo a Abong, é o mais recente nesse sentido e foi lançado em 2004 pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em parceria com a Abong.

Em fevereiro de 2009, mais um passo rumo à legitimação desse casamento entre o esporte e iniciativas sociais ocorreu, com a entrega do Prêmio Brasil de Esporte e Lazer de Inclusão Social, iniciativa do Governo Federal por meio do Ministério do Esporte. O objetivo do reconhecimento é incentivar, apoiar e valorizar os trabalhos de pesquisa acadêmica realizados nessa área. “O esporte é a manifestação cultural que goza de maior popularidade e penetrabilidade não só no nosso país como no mundo inteiro”, disse o professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Victor Melo, pesquisador na área de estudos de lazer, em depoimento concedido à reportagem da Revista E em janeiro de 2008.

Na época, o professor chegou a citar o exemplo da Federação Internacional de Futebol (Fifa), que, composta de 203 seleções, tem um número de associados maior do que o da Organização das Nações Unidas (ONU), formada atualmente por 192 países. “É perfeito que a gente possa utilizar essa manifestação cultural como uma ferramenta para discutir a inclusão social e a construção de cidadania nessa perspectiva ampliada”, comenta o pesquisador. Segundo Melo, no entanto, é necessário atentar para o que ele chama de uma “lógica salvacionista”, que pode reger alguns casos e comprometer os resultados. “O esporte pode ser útil para o desenvolvimento comunitário? Pode! Mas ele só vai ser útil se a gente tiver uma proposta pedagógica e uma visão de mundo capaz de inseri-lo em um processo de construção e de desenvolvimento humano e social.”

Na rede

Das diversas modalidades esportivas que ocupam espaço hoje no gosto dos brasileiros, a antiga paixão nacional continua a reinar soberana nos corações do país: ele mesmo, o futebol. Aquele esporte que movimenta milhões de reais nos grandes estádios, mas que também mobiliza milhares de pessoas nos campos de várzea Brasil afora e em associações que usam a modalidade para melhorar a realidade de comunidades em situação de risco. “Todo município hoje tem uma liga [de futebol], isso no país todo”, afirma o economista Antônio Roberto Cruz, autor do livro Futebol Brasileiro – Um Caminho para Inclusão Social (Esfera, 2003), resultado de uma pesquisa de 20 anos junto a ligas amadoras de futebol da região do Grande ABC, em São Paulo. “Nessas ligas amadoras sempre se tem uma liderança muito forte, independentemente de questões políticas ou partidárias”, revela. “E essa pessoa à frente desses clubes tem um perfil social muito interessante: trata-se de um líder cujo forte é o futebol, mas cuja atuação não se restringe ao esporte, ele é um líder comunitário, ajuda as pessoas da comunidade a tirarem documentos, arrumarem emprego e representa um papel de intermediário entre o bairro e o poder público.”

Entre as características do trabalho social realizado por meio do futebol, Cruz aponta, em seu livro, a associação em torno de um interesse comum. “Quando um líder esportivo mobiliza sua comunidade para a próxima partida, convocando atletas, incentivando torcedores (...), ele está induzindo o grupo à união pela disputa”, escreve. “Está levando os envolvidos à construção de novos valores para aquele esforço coletivo.”

A seguir, a reportagem reuniu algumas iniciativas que mostram até onde o esporte – em especial o futebol – e o trabalho de instituições de apoio a crianças e adolescentes podem caminhar juntos em busca da inclusão social.


Instituto Bom de Bola

Leitura e futebol compõem o placar da instituição de Santa Catarina



O projeto Bom de Bola foi criado em 1995 no município de São Lourenço do Oeste, em Santa Catarina, e atende crianças de toda a região. Até o ano passado, a iniciativa consistia basicamente na realização de um campeonato escolar de futebol que envolvia meninos e meninas de 11 a 14 anos que estivessem matriculados em escolas públicas e particulares, onde aconteciam os jogos. A partir de 2008, no entanto, a iniciativa ganhou novo fôlego com a criação do Instituto Bom de Bola, com o objetivo de gerenciar o projeto já existente e criar outros, como os programas Bom de Ler e Repórter Bom de Bola. “A sede do instituto é em São Lourenço, que é onde foi feito um parque ecológico, para trabalhar com a questão da educação ambiental, e onde ficam os cursos de música”, explica a pediatra Marisa Fantin, presidente executiva da instituição. “Hoje nós temos também um núcleo em Florianópolis [capital do estado], onde nós mobilizamos todas as equipes para viajar pelas cidades.”

A presidente afirma que o grande papel do instituto na região é promover o intercâmbio dos alunos entre escolas e cidades e ainda transmitir valores como a cultura para a paz e o protagonismo juvenil. “Em todas as ocasiões [nos jogos ou visitas feitas pelos programas às escolas], professores e diretores vêm falar comigo sobre o quanto essa troca de cultura e amizade tem beneficiado as crianças.”

No ano passado, foi criado o programa Bom de Ler, para fazer a leitura também entrar em campo. “A gente viu que as crianças estavam se aproximando do esporte, mas que a leitura estava ficando de fora disso”, informa Marisa. “Por isso a gente criou esse projeto para levar para as escolas uma tenda de livros e um educador que conta a história do livro e fala de alguns autores nacionais e estrangeiros, numa aula que dura mais menos uma hora para cada turminha. A gente leva também uma arca cheia de livros que as crianças ficam manuseando depois. São três ou quatro dias em cada ?escola”. A edição piloto do projeto Bom de Ler, que aconteceu durante o primeiro semestre de 2008 seguiu até junho de 2009, visitou 16 cidades do estado e envolveu mais de 9.182 alunos, da 3ª a 6ª série, de 30 escolas públicas estaduais e municipais.

Já o programa Repórter Bom de Bola vai até as escolas para oferecer, para as crianças que se interessam por jornalismo, oficinas de três dias com profissionais da imprensa escrita, da televisão, da internet e da fotografia. A iniciativa chegou a 295 alunos, de 101 escolas de 56 cidades, e envolveu 72 professores. O instituto e o projeto recebem o patrocínio da empresa de alimentos Parati.

 


Cultura esportiva
Exposição na unidade Pompeia comemora os 60 anos da Copa Sesc do Comércio e Serviços
 
Comercíadas, Jogos do Comércio, Copa Comerciária. Promovido pelo Sesc São Paulo há 60 anos, o grande campeonato, que envolve dezenas de empresas da área de comércio e serviços, já recebeu muitos nomes. Para comemorar as seis décadas da iniciativa - que, muito mais do que uma competição, tem como objetivo valorizar os aspectos sociais e de saúde do esporte -, a unidade Pompeia abriga, até o final de dezembro, a exposição Projeto Cultura Esportiva - Copa Sesc 60 Anos. A mostra reúne depoimentos, fotos de arquivos e peças gráficas das primeiras edições do evento, numa verdadeira viagem na história dessa que é uma das ações de destaque do Sesc.

O evento tem como objetivo destacar as modalidades esportivas contempladas no início dos jogos, no final da década de 1950. Com isso, os visitantes poderão conhecer também o contexto social e político em que o Sesc estava inserido na época. “As pessoas ficarão sabendo quem eram os comerciários que participavam nas edições mais antigas, qual o seu perfil, quantas unidades existiam então, além de todas as mudanças pelas quais a Copa foi passando”, explica Mário Augusto Silveira, técnico do Pompeia.

A exposição ocupará o térreo, o primeiro, o segundo e sexto andar do Conjunto Esportivo. As paredes ficarão forradas com fotografias em tamanho gigante e textos, além de plotagens nas passarelas que ligam os dois prédios. “Desenvolvemos também uma programação de apoio à exposição focada no futebol - modalidade amplamente ?presente nesses 60 anos de Copa Sesc do Comércio e Serviços”, continua Mário Augusto. “Essa programação, iniciada em setembro, seguirá até dezembro, com peças de teatro, espetáculos de dança, shows musicais e exibição de filmes sobre futebol.”

Completando a programação, serão organizados encontros mensais com profissionais ligados ao Grupo de Linguagem e Memória do Futebol - jornalistas, historiadores, pesquisadores e professores - que discutirão o aspecto cultural do futebol.

Mais informações sobre as atividades ligadas aos 60 anos da Copa Sesc do Comércio e Serviços, no Sesc Pompeia e nas demais unidades - assim como os horários dos jogos da edição 2009 do campeonato – estão no Em Cartaz desta edição.


 


Escolinha de Futebol Marcos Garcia

Sociabilização entre os alunos e participação de todos (bons de bola ou não), marcas da escolinha de Ilhéus, na Bahia

 
“Participação, dedicação, motivação para o futebol e para a vida, e autoconfiança.” São esses os pilares sobre os quais trabalha a Escolinha de Futebol Marcos Garcia, segundo o próprio ex-jogador profissional de futebol. Depois de pendurar as chuteiras, Garcia não quis se afastar do esporte com o qual conviveu a vida toda, daí a ideia de associar sua paixão a um trabalho social que beneficiasse crianças e jovens carentes no município baiano de Ilhéus. “Em 1993 demos início a essa escolinha com crianças de 8 a 12 anos da comunidade vizinha ao clube da AABB – Associação Atlética Banco do Brasil”, diz o hoje professor de futebol. “Quando a coisa é feita com dedicação, participação, perseverança e amor pelo que se faz, a gente passa a ter credibilidade para os pais dos alunos e o respeito e a confiança das crianças.”

Hoje, a escola conta com 230 alunos, de 7 a 18 anos. E, o mais importante, nem todos são “craques”.

Lá o que importa é a integração por meio do futebol. “Nossa escolinha é aberta não só para alunos bons de bola como também para aqueles que querem um espaço para desenvolver sua atividade esportiva, melhorar sua coordenação motora e se sentir incluído”, esclarece Garcia. “Recebemos crianças que eram agitadas, não tinham um bom comportamento em casa ou no colégio, não tinham uma vida social porque os pais não tinham tempo para eles, e hoje, graças a Deus e ao nosso trabalho, são alegres e participativas.”

A cada trimestre, os alunos passam por uma avaliação, na qual são verificados aspectos físicos, táticos, técnicos e psicológicos. Segundo Garcia, este último tem peso especial. “São avaliados os lados da amizade, do entusiasmo e de atividades positivas dos alunos. De 2007 para cá estamos fazendo, a cada seis meses, trabalhos de fundamentos em dupla ou em grupo. E, por meio dos passes, domínios, controles de bola, cabeceios etc. conseguimos fazer com que as crianças se aproximem mais umas das outras. É aí que começa o lado da amizade, da busca da liderança no grupo e do crescimento na parte física e técnica.”

O ex-jogador ressalta ainda que a boa fama dos trabalhos já correu por Ilhéus e que, cada vez mais, os pais vêm procurando a escolinha. “Se eu tivesse um espaço maior a nossa escolinha seria uma das maiores da Bahia”, garante. “Porque a procura é muito grande toda semana, já estamos reservando vaga para o ano que vem.” Para finalizar, o bem-humorado Marcos Garcia declara seu amor ao esporte nacional:
“Por meio do futebol as crianças podem ter acesso não só a uma atividade esportiva, mas também a um esporte que, para mim, é sinônimo de uma qualidade de vida, e que pode fazer com que as crianças se tornem cidadãos de bem.”


 


Instituto Bola Pra Frente

No Complexo do Muquiço, subúrbio do Rio de Janeiro, o futebol é instrumento para a educação



Nas seis comunidades que formam o Complexo do Muquiço, Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro – Triângulo, Conjunto Presidente Vargas, Coreia, Ferroviária, Muquiço e Vila Eugênia –, o dia a dia passa longe das imagens de cartão-postal da Cidade Maravilhosa. No Complexo, localizado entre os bairros de Guadalupe, Deodoro e Marechal Hermes, 30% dos cerca de 6 mil moradores têm renda mensal de até R$ 175 – apenas 16,12% passam dos R$ 750,00. A mulher é a chefe da família em 71% dos domicílios e, em 50% das casas, há apenas um cômodo. Os dados são do Censo Muquiço 2009, realizado em parceira com o Sesc Rio de Janeiro, a empresa norueguesa Kongsberg e o Instituto Muda Mundo.

Mesmo estando distante do majestoso e mítico Estádio do Maracanã, o futebol tem presença garantida nas ruas e campinhos da região. E foi essa a brecha encontrada pelos ex--jogadores  Jorginho e Bebeto para melhorar a educação na região. Afinal, onde tem futebol tem criança. Dessa forma surgiu, em junho de 2000, o Instituto Bola Pra Frente. “O Bola Pra Frente utiliza o fascínio do futebol e a imagem de atletas consagrados para atrair seu público beneficiário e transformar vidas”, afirma Susana Moreira, diretora executiva da instituição. “Para o Instituto, o futebol é mais do que um esporte: é uma linguagem lúdica universal, que traduz as contradições humanas, possibilitando a construção de valores em uma perspectiva de promoção social.”

Para atingir esses objetivos, a iniciativa se desdobra em seis programas principais: o Craque de Bola e de Escola, que atende crianças de 6 a 9 anos; o ARTilheiro, voltado para crianças e adolescentes de 10 a 14 anos; o Campeão de Cidadania, para adolescentes de 15 a 17 anos; e ainda o Saúde em Campo, o Craque dos Craques e o Toque de Mestre. Segundo a diretora, o que todos têm em comum é o trabalho com a dimensão educacional do esporte. “Os programas visam ao desenvolvimento integral dos educandos e não à formação de atletas”, esclarece. “O esporte é uma ferramenta lúdica que contribui para a transformação social e a ele nós agregamos outras atividades, de acordo com a faixa etária.” Dessa forma, os pequeninos do Craque de Bola e de Escola têm aula de educação física e apoio pedagógico, já os pré-adolescentes do ARTilheiro podem optar por atividades esportivas e artísticas, como dança, artesanato, teatro e música, enquanto no Campeão de Cidadania, os jovens têm atividades voltadas para a qualificação profissional.

“O projeto amplia o papel dos familiares e responsáveis, valorizando a autoestima e promovendo também atividades que possam gerar conhecimento sobre questões sociais como o alcoolismo, o desemprego, o consumo de drogas, a violência doméstica”, complementa Susana. “Essa parceria é fundamental para que a nossa intervenção social seja bem-sucedida.” O Instituto Bola Pra Frente atende hoje cerca de 900 crianças e adolescentes anualmente.

 


Projeto Gol de Placa
Craques mirins no campo e na escola são beneficiados por iniciativa fluminense


O município de Nova Friburgo, no estado do Rio de Janeiro, apresenta uma realidade socioeconômica parecida com a de muitas grandes cidades brasileiras: de um lado, bairros nobres, com alto padrão de vida; e, de outro, regiões carentes e de grande vulnerabilidade social – e, muitas vezes, esses dois extremos não se encontram geograficamente muito distantes. O bairro de Cascatinha é um representante dessa segunda categoria. No entanto, desde 2002, o lugar deixou de ser apenas mais um bairro pobre do país. Foi lá que nasceu o projeto Gol de Placa, que, há sete anos, vem beneficiando crianças e adolescentes da região usando o futebol como grande gancho. “Realizando um projeto final da faculdade de administração que eu cursava, identifiquei a ausência do poder público nesta área em minha cidade”, explica o administrador de empresas Alexsandro da Cunha Carvalho, criador da iniciativa. “A partir daí comecei a trabalhar com dados que pudessem me dar o caminho por onde começar a fazer alguma coisa.”

E o caminho encontrado foi o futebol. “Comecei fazendo uma pesquisa com algumas crianças e adolescentes do meu bairro, Cascatinha, e a partir desses dados comecei a elaborar o projeto de uma escolinha de futebol que tivesse também um trabalho social e que pensasse no bem-estar geral dos alunos.” Atualmente o Gol de Placa atende cerca de 240 jovens e crianças, de 3 a 15 anos, e que, segundo Alexsandro, vêm de mais de 20 bairros de Nova Friburgo. “Tem crianças que chegam a percorrer de ônibus, junto com os pais, mais de 70 quilômetros para participar do projeto”, conta. Além do núcleo em Cascatinha, o projeto criou, em abril de 2009, uma nova unidade no centro do município.

A ação possui três frentes: a escola de futebol e os programas Criança Feliz e Craque de Bola, Craque na Escola, que respondem pelo lado social da iniciativa. “O Criança Feliz foi criado com o intuito de comemorarmos o Dia da Criança”, conta o idealizador. “Há sete anos realizamos este evento que conta com a parceria de algumas empresas de nossa cidade e que reúne aproximadamente mil crianças e jovens de diversos bairros a cada festa.” Alexsandro adianta que, para este ano, estão previstas a participação de alunos da Faculdade de Educação Física da Universidade Estácio de Sá, que darão aulas e oficinas, e também a contribuição de um grupo de dentistas do 11º Batalhão de Polícia Militar do Rio de Janeiro, que funciona na região. “Esse profissionais virão para aplicar flúor e orientar os pais sobre a saúde bucal dos filhos”.

Já o Craque de Bola, Craque na Escola tem um caráter permanente e alia o futebol à educação. “Este é um dos nossos programas mais importantes”, conta Alexsandro. “É por meio dele que o Gol de Placa oferece aulas de reforço escolar e atividades desenvolvidas para os atletas dos dois núcleos”. São cerca de 30 alunos de diferentes séries da rede de ensino pública da cidade que, todos os sábados, das 8 às 10h, recebem aulas extras ministradas por professores ligados ao projeto. “Logo após as aulas de reforço escolar os atletas recebem um lanche e seguem para jogar e treinar o seu futebol”. O patrocinador oficial do projeto Gol de Placa é a empresa Stam S/A.