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O que se aprende na escolinha de futebol?

por Ricardo Gentil

De primeira, já respondemos: dominar, passar, conduzir e chutar a bola, seja de bico, chapa, três dedos, com a direita ou a esquerda – técnicas elementares do futebol.

Já outros diriam que a escolinha é o local onde os mais habilidosos aprimoram dribles, como a “caneta” ou “rolinho” (passar a bola entre as pernas do adversário), o “lençol” ou “chapéu” (encobrir o adversário com a bola) e as contemporâneas “pedaladas”, imortalizadas por Robinho. Movimentos que, para alguns “entendedores” do futebol, não se aprende, só se desenvolve, pois dom é uma coisa com a qual já se nasce.

Para discutirmos essa questão, no Sesc SP buscamos os estudos da Ciência do Esporte, que divide o aprendizado esportivo em três grandes áreas: psicológica, física e social.  

Conforme conceitua a ciência, em relação aos benefícios psicológicos, o esporte pode proporcionar o aprimoramento do comportamento humano por meio da liberação de sentimentos de agressividade, medo, frustração, repressão, satisfação, alegria e autoconfiança, cujo termo equivalente, atitude, já virou chavão no meio futebolístico: “para ser jogador de futebol tem que ter atitude”.

Quanto ao aspecto físico, evidenciamos os ganhos inerentes à inclusão da prática da atividade esportiva no dia a dia, como agilidade, flexibilidade, velocidade, força, desenvolvimento do esquema corporal, melhora da coordenação motora, equilíbrio e dominância lateral, atributos fundamentais aos grandes jogadores.

Do ponto de vista social, destacamos o desenvolvimento da compreensão da realidade, em que os modelos de ação e as regras sociais podem ser mais bem entendidos e assimilados. Consideramos, ainda, a contribuição do aprendizado do esporte para as relações que as pessoas estabelecem em grupos, com a oportunidade de participarem em associações esportivas, de lazer ou de competição, na condição de espectadores ou torcedores.

Acreditamos que o maior legado da participação nas escolinhas de futebol é poder aprender ou desenvolver o gosto pelo futebol. E isso em todos os aspectos citados, seja como espectador ou praticante, usando este “gosto” para aprimorar questões ligadas ao convívio social, não só com os companheiros de prática, mas principalmente pelas relações estabelecidas durante toda a vida por meio deste esporte que faz parte da identidade nacional.

A cultura do futebol está tão enraizada no nosso dia a dia que muitas vezes apelidamos as pessoas pelo time para o qual torcem ou por alguma qualidade futebolística que elas têm. Utilizamos a rodada do campeonato do fim de semana para iniciar qualquer assunto na segunda-feira, o comentário sobre o jogo para nos aproximarmos do colega de trabalho, seja ele o amigo da mesa ao lado, o chefe ou o rapaz da correspondência.

Futebol é tema obrigatório, obsessivo no escritório, nos almoços de família, nas conversas com o vizinho. Pudera: somos a “pátria das chuteiras”, o presidente do nosso país usa com frequência metáforas futebolísticas e o bate-bola é o feijão com arroz de nossas conversas.

Precisamos ter bastante cuidado quando matriculamos uma criança na escola de futebol com a esperança de que um dia ela se torne um “profissional da bola”. Essa é uma visão muito sonhadora, já que a probabilidade de que isso aconteça é muito pequena. Mas podemos ter uma certeza: se o trabalho for bem feito, a criança será um grande admirador do futebol, um grande jogador das peladas aos domingos e um adulto com boas noções de cidadania e fair play.

Na escolinha de futebol, o GOL tem que ser apenas um detalhe.



Ricardo Gentil, educador físico, é gerente-adjunto da Gerência de Desenvolvimento Físico Esportivo do Sesc SP.