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Jorge Araújo

Crédito: Leila Fugíí
Crédito: Leila Fugíí



Jorge Araújo é repórter fotográfico da Folha de S.Paulo há 40 anos. Ele se descreve como “uma espécie de dinossauro do fotojornalismo, já que poucos ainda trabalham em um grande jornal”. Venceu cinco prêmios Vladimir Herzog, dois Prêmios Nikon e, em 1979, conquistou o prêmio Esso com a imagem da manifestação pela Anistia na Praça da Sé, em São Paulo. Já documentou os mais significativos eventos esportivos e políticos do Brasil, como viagens e campanhas presidenciais, além de Copas do Mundo, Olimpíadas e corridas de Fórmula Indy. Há sete anos, trabalha apenas com pautas especiais. Neste Encontros, Jorge Araújo conta sua experiência como fotojornalista durante a ditadura e em outras ocasiões que lhe proporcionaram décadas de aprendizado profissional.


O fotojornalista na ditatura

O fotógrafo sempre era visado na época da ditadura. Além dos agentes do Dops [Departamento de Ordem Política e Social], havia também os que cuidavam dos jornalistas, cercando-os o tempo todo para ver o que tinham. A censura era no local, mas a gente não se intimidava. Entre os guerreiros colegas da época, alguns desapareceram ou foram presos, como Sergio Gomes, que era colega de redação e foi preso junto com o [Vladimir] Herzog, mas se salvou. Tínhamos um medo muito grande ao ver todos os colegas, naquela época dura, desaparecendo. Tínhamos uma tática de um dia sair pela frente e no outro dia pelos fundos da Folha.

Foi nesse período que eu comecei a fazer fotos cifradas. O fotojornalismo permitia colocar uma opinião silenciosa, que talvez o editor do jornal até percebesse, mas que passava pela censura. No caso do texto, isso era mais difícil.

Pseudoposse

Na eleição indireta de Tancredo Neves, eu e Ricardo Kotscho, com quem por muitos anos eu fiz dupla na cobertura política, estávamos em Brasília. No dia anterior à posse, Tancredo teve um problema de saúde e lá fomos eu e meu parceiro dormir na porta do Hospital de Base.

Com Tancredo no hospital, a faixa seria entregue a José Sarney. Foi a pseudoposse, a minha primeira cobertura da posse de um presidente que não era militar. Porém, o militar que estava no comando vergonhosamente saiu pelo fundo e não entregou a faixa para José Sarney. Foi bizarro ele colocar a própria faixa. Começa ali a história do Brasil da democracia, onde o presidente coloca sua própria faixa.

É muito bom estar como testemunha ocular de todo esse processo político, vendo que as pessoas que estão atrás do poder são as mesmas, sempre seguindo quem está em evidência. A política brasileira é realmente uma grande piada.

Rosemary

A Rosemary foi uma pessoa que eu busquei exatamente durante cinco anos. Diziam que o Lula tinha uma amante. Eu estava perto do poder com objetivas e nós, fotojornalistas, temos objetivas que vão buscar até o dente sujo do Serra.

A dona Marisa sempre viajava com o Lula, era um zagueiro que jogava colado no ex-presidente. Ouvindo frases soltas compus uma história na qual eu entendi que panelas voaram, porque havia outra pessoa que sempre viajava com a comitiva do Lula.

Sabendo dessa história, comecei uma investigação para saber quem era a amante da qual falavam. Todo presidente tem uma amante. Em um dia em que a gente passou por Nicarágua, El Salvador, aqueles países da América Central, foi na Costa Rica que uma pessoa me chamou a atenção. Eu estava com uma 400 mm e fui buscar o que dizia no crachá da mulher. Descobri que tinha uma pessoa, que não encostava muito no Lula, mas que estava ali sem função nenhuma.

Um ano depois todo mundo falava da tal Rosemary. Eu estava fora do Brasil quando li em algum lugar sobre ela. Ninguém tinha o retrato da mulher, porque ela desapareceu e aquela foto acabou virando capa de todas as revistas.

PC Farias

A nossa história silenciosa é a história do PC Farias também. Ele falava em uma campanha para empresários do Fernando Collor de Mello, e um jornalista da Folha me apontou um sujeito e falou: “Jorge, aquele carequinha, sentado ali tão separado, é o tesoureiro da campanha do Collor”.

Aparentemente aquela informação não tinha importância, mas nessas situações a gente começa a aprender a olhar as coisas de outra maneira. Não é só o fato que está ali, mas ao lado dele tem muitas coisas que lá na frente podem se tornar importantes, ainda mais em um país que tem corrupção em tudo quanto é lado.

Naquela época ainda era filme, não era só fotografar e guardar digital. Rodei um filme do cara enquanto ele falava ali, uma coisa totalmente despretensiosa, que também vingou, pois quem foi o PC Farias na hora em que quebrou todo o sistema da corrupção? 
Depois que eu fiz isso, acompanhei o Collor em viagens pela Europa, porque a Folha sempre mandou enviados especiais para ficarem colados nessas pessoas. Observei que esse tesoureiro sempre aparecia ao lado do poder e, quando terminou a campanha, ele não precisava mais estar lá. Comecei a buscar negativos à procura dele, o que deu em um ensaio muito grande. Logo em seguida detonou o impeachment e toda a história que culminou com a morte dele.

Democratização da imagem

Hoje os jornais se retraem muito na questão de mandar enviado especial porque, com a democratização da imagem, chegam imagens de todos os lugares via agências internacionais, sem a preocupação de se ter um olho editorial do jornal.

Além disso, também se tem dado preferência a fotos oficiais, como a que foi tirada no enterro do Mandela, onde políticos brasileiros sorriam em uma foto feita pela presidência da República.

A questão do fotojornalismo vem do tempo em que os fotojornalistas escreviam as histórias com luz. Não batiam a foto pela foto. Era necessário ter um olho muito preciso e paciência, pois em uma cobertura, enquanto não encontrar a foto que quer, como uma ave de rapina, você não vai embora. 


“Não batiam a foto pela foto. Era necessário ter um olho muito preciso e paciência, pois em uma cobertura, enquanto não encontrar a foto que quer, como uma ave de rapina, você não vai embora”