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A música como subsistência

Já passou pela sua cabeça o que acontece na vida de alguém que se conecta com a música de uma forma diferente? Você pode até dizer que é uma dessas pessoas, e a gente te entende: também estamos nessa mesma onda, ouvindo música a todo momento.

Mas, existe aquele tipo de gente que olha, ou melhor, ouve a música com outros sentidos que não só a audição. Mais que um alimento para a alma, pra ficarmos no chavão, a música é um pedaço de resistência e propagação de culturas; talvez, a mais universal das artes, aquela que consegue colocar os sons do universo em seus graves, os barulhos da natureza em seus médios e a finitude da vida em seus agudos. O corpo todo experimenta uma nova experiência de vida a partir da música.

"A música foi minha tábua de salvação" e isso confirma que o violonista Alessandro Penezzi é uma dessas pessoas que se conecta com a música de uma forma mais intensa do que o ouvinte, ou aquele músico que desistiu de tocar quando os primeiros calos nos dedos deixaram de aparecer.

Natural de Piracicaba, a atração desta sexta, no teatro do Sesc Belenzinho, conta que a música lhe abriu horizontes. "Na minha juventude e meio social, era comum almejar um cargo em repartição pública, em bancos, como foi meu caso. Nunca tive maiores pretensões quanto ao estudo e trabalho até conhecer a música, através do conhecimento que minha mãe, pai, tias, padrinho, alguns amigos e meu mestre Sérgio Belluco me passaram".

Para entender um pouco mais do que é a música enquanto subsistência, fonte de vida, conversamos com o violonista e, além de um depoimento sincero sobre o que é se decidir por um instrumento e uma linguagem, foram apontados caminhos para a música instrumental no Brasil.

Aconselhamos o play no vídeo e nos links, pois é muita música boa num texto só - e dá pra aprender bastante coisa!

EOnline: Existem alguns caminhos para os apaixonados por música tirarem seu sustento desta paixão: ser produtor, produzir músicas para intérpretes, publicidade, pesquisar sobre, escrever, ser repórter, mas nenhuma dessas opções parece estável diante do efêmero da execução da música. O estudo e a devoção a uma linguagem e um instrumento parecem encontrar algo mais parecido com aquilo que se chama de carreira. Você poderia comentar um pouco da sua relação com o violão e a música instrumental? Em que momento você decidiu que não haveria outra opção para um projeto profissional que não fosse a música?
Alessandro Penezzi: Eu costumo dizer que a música foi minha tábua de salvação, além de pessoas fundamentais que me facilitaram o acesso a ela. Venho de uma família com poucos recursos financeiros e pouquíssima tradição de formação acadêmica. Na minha juventude e meio social, era comum almejar um cargo em repartição pública, em bancos, como foi meu caso. Nunca tive maiores pretensões quanto ao estudo e trabalho até conhecer a música, o que me foi proporcionado por minha mãe, pai, tias, padrinho, alguns amigos e meu mestre Sérgio Belluco.

Depois de ouvir os acordes, as melodias e sentir que não eram difíceis para mim, meu mundo se transformou. Eu era um menino acanhado, com pouca auto-estima até o dia em que comecei a tocar violão e passei a ver um valor que não conhecia. Isso fez toda a diferença.

Meu herói de infância foi um avô que não conheci, o Chico Puvi, que tocava violão, bandolim e cavaquinho. Eu queria ser igual a ele. Além disso, sempre havia um violão por perto...

EOnline: A canção estabeleceu-se como grande forma da música popular brasileira, parida, talvez, pela época de ouro do rádio. A música instrumental brasileira, embora rica o suficiente para ser encarada e lida em diversas tradições, não se popularizou, ficando relegada a nichos e, em alguns momentos, estigmatizada como algo elitista - até mesmo o choro, popular por definição. Você enxerga as coisas deste modo ou acredita que isso não passa de senso comum preguiçoso? Qual é o público que você encontra nas suas apresentações Brasil afora? Nas oficinas, o que músicos mais jovens vêm trocar contigo? Quais os espaços constituídos, na sua opinião, para apreciar e acompanhar música instrumental no Brasil?
A.P.: Com certeza nossa música instrumental é de uma riqueza sem par, o que dificulta sua popularização, por um cem número de gêneros, locais, instrumentos, formas e tudo mais. Porém, o trabalho de divulgação nas esferas municipais, estaduais e federais são sofríveis.

É claro que a música instrumental não terá o mesmo espaço na mídia que a canção, pois lhe falta o poder de comunicação direta contido na letra. Todavia,  estudos  afirmam que a música instrumental ativa as regiões cerebrais ligadas à concentração e ao raciocínio. Acho que já está na hora de investir na divulgação em massa deste patrimônio cultural brasileiro, que é a música instrumental.

Embora tenhamos leis de incentivo e fomento para projetos culturais, ainda caminhamos em passos lentos. Sem contar que, por vezes, essas leis de incentivo que deveriam estimular artistas ainda sem projeção, contemplam cantores consagrados: um quadro triste. Os projetos formadores de platéia como festivais e oficinas ainda são pouquíssimos, e têm que contar com a iniciativa privada na maior parte das vezes, como é o caso do Festival Choro Jazz Jericoacoara, por exemplo.

Nas minhas apresentações pelo Brasil o público é composto de violonistas, gente que me conheceu por vídeos ou facebook, chorões, famílias, estudantes de música, e muitos jovens. A juventude está sempre buscando informação, há que se dar informação e cultura de qualidade para incentivar o estudo musical e precaver-se de outros vários problemas decorrentes da falta de educação e acesso à cultura.

EOnline: Ainda sobre o popular na música brasileira: podemos encarar o violão enquanto um dos instrumentos que formam uma pedra fundamental da música popular feita no Brasil. Neste ponto, te causa estranhamento o violão, na música instrumental, não passar do entendimento de compositores e intérpretes recentes, como Yamandu Costa e Raphael Rabello, quando existe uma tradição que envolve Camargo Guarnieri, Radamés Gnatalli, Garoto e outros grandes músicos?
A.P.: O termo "música instrumental brasileira" é elástico demais. Há muito mais nomes e representantes de peso, tanto quanto Yamandú e Raphael. Acontece que uma das maiores contribuições deles, na minha opinião, é a divulgação do instrumento. Sem dúvida, aquela pessoa que tinha uma ligeira vontade de aprender uns acordes no violão, teve uma injeção de ânimo após ver alguns vídeos deles.

O mesmo acontece com o bandolim. Para a juventude que começa a estudar o instrumento, a referência é o Hamilton de Holanda, depois vem Jacob, Luperce e os demais. Essa brecha cultural deveria ser preenchida com programas culturais na grande mídia sobre os compositores e instrumentistas brasileiros. Seria uma ótima forma de reverenciar e manter a memória desses mestres.

EOnline: Você poderia falar um poucosobre sua trajetória e seu amadurecimento enquanto intérprete e compositor? O que muda e o que se mantém daquele Alessandro, saído de Piracicaba, gravando com o Conjunto Som Brasileiro, em 1997, ainda com o professor Sérgio Belluco?
A.P.: Passei a estudar com o mestre aos 11 anos de idade e enquanto praticava o violão clássico de dia, a noite tocava bandolim com seu regional, onde também toquei violão tenor, cavaco e um pouquinho de flauta.

Foi um tempo mágico pra mim. Como disse, não tinha pretensão nenhuma, se seria violonista ou bandolinista, e isso me permitiu passear pelos outros instrumentos da roda de choro. Deixei pra trás o amadorismo musical, no sentido de me sustentar com outro trabalho qualquer. Levo comigo a paixão pelo Choro, mas principalmente pela boa música, aquela que tem algo de bom a dizer mesmo que sem palavras.

Levo o controle de qualidade que mestre Sérgio sempre me mostrou, a vontade de aprender, a resignação da prática diária, além de muita saudade dele.