Esperançar pelas artes, revolucionar pelo afeto

06/12/2023

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Reflexões de um gestor-artista percorrendo o estado com o Circuito Sesc de Artes

Por Alex Dias

Não existe arte. Existem artes. E elas precisam circular. A arte de alguém ou de um grupo, pode agitar, impulsionar, contagiar a vida de outras pessoas. Quando isso acontece, quando somos envolvidos por algo inusitado, que nos lança a novas experiências e nos desperta uma nova sensibilidade, é aí que nos sentimos impelidos a dizer: isso é arte.

Por vezes, só nos damos conta do quanto precisamos de arte para viver quando, diante dela (ou de seus artistas), ressignificamos nossa existência naquela fração de segundo em que “a arte” nos arrebata. Isso pode acontecer através de um show, de um espetáculo, no contato direto com culturas tradicionais, populares, ou com as mais avançadas tecnologias, bem como pelas tecnologias ancestrais. Podemos ser arrebatados por meio de mediações de leituras, intervenções, oficinas, performances.

Por isso, por mais fugaz que seja uma experiência deste tipo, a arte pode desencadear reações duradouras e emoções capazes de nos fazer não apenas ver a vida de forma diferente, como desejar que ela se transforme em uma permanência constante em que sintamos a força do afeto, a beleza das existências múltiplas. E que queiramos o investimento também nos projetos capazes de nos fazer sonhar e acreditar que podemos transformar nossa realidade e ajudar a mudar a de outras pessoas.

Pode-se dizer, que este seja um dos objetivos – mesmo que indiretamente projetado – pela arte, pelos artistas: provocar encontros transformadores. Nestes encontros, encantos e tensões surgem. Das trocas, públicos e artistas se afetam, se conectam. E mudanças, mesmo que das mais sutis, podem vir a eclodir tempos depois quando nos lembramos de uma cena, de uma personagem, de uma engenhoca, de um cartaz, de um som, de uma palavra.

Dona Neca, 79 anos, em uma das 123 cidades, numa das praças e espaços por onde passou o Circuito Sesc de Artes de 2023, admirava uma projeção de 16mm de um filme muito antigo. Enternecida, com lágrimas nos olhos, me olhou e disse: “você lembra meu pai, quando jovem. Cabelo enrolado e barba branca. Quando eu era criança, ele me levou pela primeira vez para eu ver um filme, projetado numa parede de um casarão antigo. Foi a primeira vez, e talvez a única, que eu vi o meu pai chorar de alegria e de espanto”. Essa foi uma das muitas vezes que eu me emocionei profundamente e vivi o privilégio de integrar a equipe desse projeto, formado por tanta gente, de unidades e gerências do Sesc SP, por parceiros, capazes não só de acreditar (sonhar), mas de construir realidades, de proporcionar ações que melhorem a vida das pessoas.

Nas mais de 700 ações gratuitas que o Circuito Sesc de Artes promoveu pelas cidades do estado de São Paulo em 2023, também foi momento de sentir um dos abismos que separa as pessoas: umas, com tantas carências, sedentas de afeto, de arte, de cultura. Outras, que muitas vezes não percebem seus privilégios, por terem mais acessos ao que lhes possa proporcionar uma melhor qualidade de vida. Mas ali, naquele momento, estavam todas em festa, compartilhando das mesmas experiências, cada uma a sua maneira.

Em outra dessas tantas cidades, uma criança que estava ajudando os pais a venderem balas pelas ruas, teve seu momento de inocência resgatado. A mãe contou que era a primeira vez que a filha via um espetáculo de circo. Provavelmente aquela família, aquela criança, não esquecerá aquele domingo.

Existe arte. E ela é múltipla, diversa como as pessoas, presente e extremamente necessária para que possamos nos reconhecer como seres de conhecimentos, de sensibilidades, de alegrias, de afetos.

Vida longa ao Circuito Sesc de Artes!


Foto: Maria Clara Soares Pontoglio

Alex Dias é Doutor em Estudos Literários pela Unesp de Araraquara e fez MBA em Gestão de Negócios pela USP Piracicaba. Atualmente está como Coordenador de Programação do Sesc Birigui e integrou a equipe de coordenação do Circuito Sesc de Artes 2023.

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