IDADISMO NO BRASIL | Artigos refletem sobre seu avanço e as consequências deste tipo de preconceito

27/10/2023

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Nas artes ou nas ciências, o ser humano alimenta, continuamente, o desejo de prolongar sua existência, sem precisar envelhecer. Na obra O retrato de Dorian Gray (1890), do irlandês Oscar Wilde (1854-1900), o personagem-título faz um pacto para permanecer com a aparência jovem eternamente. Uma crítica feita pelo escritor ao notar a supervalorização de uma beleza submetida à juventude. Sob a égide do mesmo pensamento desse protagonista, dois séculos após a publicação do livro, investimentos milionários impulsionam pesquisas científicas a investigar formas de retardar o envelhecimento e, até mesmo, adiar a morte. Consequentemente, a saga pela juventude eterna não só provoca o sentimento de desdém pelas pessoas mais velhas – tidas como “desnecessárias”, “improdutivas” e “problemáticas” –, como dificulta o convívio e o intercâmbio entre gerações. O preconceito contra pessoas acima dos 60 anos de idade tem nome: idadismo, etarismo ou ageísmo.  

Segundo o médico e professor Egídio Dórea, coordenador do programa USP 60+, mesmo que o último censo demográfico tenha contabilizado 34 milhões de pessoas (15,2% da população brasileira) nessa faixa etária, elas ainda são invisibilizadas na sociedade. “A segunda edição da pesquisa Idosos no Brasil, realizada pelo Sesc São Paulo e pela Fundação Perseu Abramo, mostrou que, entre 2006 e 2020, houve uma queda no número de idosos que se sentiram respeitados, mas também caíram as menções a preconceito e discriminação. E, quando questionados sobre como eram vistos pelos mais jovens, relataram: desprezados, desrespeitados, maltratados, incompreendidos e alvos de preconceito”, ressalta.  

Para Beltrina Côrte, professora da Faculdade de Ciências Humanas e da Saúde da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), para entendermos a origem do idadismo é preciso perceber os discursos antienvelhecimento que se colocam em diferentes espaços sociais. “Não se nasce idadista, até porque a família é um lugar, por excelência, intergeracional. Mas, conforme crescemos, somos bombardeados por narrativas de várias ordens que nos levam – na juventude, idade adulta e até na velhice –, a sermos idadistas com os outros e até com nós mesmos.” Ou seja, “a construção das narrativas idadistas vai nos habitando devagarinho ao longo da vida, formatando um imaginário coletivo carregado de preconceitos, mitos e ideias errôneas em relação ao envelhecimento e à velhice em si”, explica Côrte, que também é diretora executiva do Portal do Envelhecimento e Longeviver.  

Neste Em Pauta, Dórea e Côrte abordam o idadismo, refletindo sobre como ele avança no Brasil e quais as consequências desse tipo de preconceito. Os especialistas também sugerem mudanças possíveis nesse cenário. 

  

Idadismo e suas implicações no Brasil  

POR EGÍDIO DÓREA 

O Brasil está envelhecendo. O último censo demográfico estimou que 34 milhões de pessoas têm mais de 60 anos. Deixamos de ser o país do futuro. Entretanto, permanece a percepção individual, social e institucional de que somos jovens. O velho ainda é tratado como o outro minoritário, sem importância e invisível.  

O idadismo, preconceito pela idade, é definido como: “estereótipos negativos ou positivos; preconceito e/ou discriminação contra (ou em vantagem de) pessoas idosas, fundamentados em sua idade cronológica ou com base na percepção delas como sendo velhas ou envelhecidas. Pode ser implícito ou explícito, e ser expresso, em nível micro, meso ou macro”. Essa definição considera não somente os estereótipos negativos, mas também os positivos; evidencia seus componentes cognitivo, afetivo e comportamental; e enfatiza sua importância individual, social e institucional. 

A teoria mais aceita sobre a gênese do idadismo é a da incorporação de estereótipos. Imagens negativas de pessoas idosas são apresentadas durante a infância e incorporadas sem análise crítica. Permanecem silenciosas e, quando o indivíduo é colocado em uma situação na qual a idade passa a ser um critério de avaliação, tornam-se ativas e passam a influenciar e determinar sentimentos e comportamentos. O velho é percebido como incapaz, improdutivo, doente e sinônimo de morte. Em um sentimento de autopreservação, afastamo-nos. Rechaça-se a percepção pessoal da nossa velhice. Ela é estigmatizada. Somente o outro envelhece. E assim, o idadismo perpetua-se. 

Nas culturas ocidentais, fundamentadas na produtividade e no individualismo, ele [o idadismo] é mais presente. Alimenta-se o pensamento de que o idoso não mais produz economicamente e, como tal, deve ser excluído

EGÍDIO DÓREA

Em um país que cultua a beleza física, permanecer jovem é praticamente mandatório. Abraçar a velhice e reconhecê-la com todos os seus atributos positivos e negativos é impensável. E seguimos na busca incansável e infrutífera pela juventude perdida. No olhar do outro, você será percebido como mais velho. E, nesta relação geracional, três aspectos alimentam o idadismo: 

Sucessão – os mais velhos devem ceder espaço para os mais jovens; 

Benefícios sociais – aposentadorias prolongadas e uso excessivo dos recursos de saúde com prejuízo aos mais jovens; 

Apropriação de costumes considerados da juventude e, com isso, usurpação de uma identidade que não lhes pertence. 

As pessoas idosas devem se vestir e se comportar de forma apropriada à sua geração. Estereótipos prescritivos – o que a sociedade aceita como comportamento adequado para uma pessoa mais velha – limitam, desta forma, as possibilidades de escolha e de expressão. Todos devem ser iguais e a heterogeneidade não é mais permitida. O que é visto como criativo e irreverente na juventude passa a ser ridicularizado na velhice. 

O idadismo é considerado o mais comum dos preconceitos. Estudos realizados desde a década de 1980 mostram que 60% a 90% das pessoas sentiram-se discriminadas ou desrespeitadas por serem mais velhas. No Brasil, pesquisa do Instituto Datafolha mostrou que 9 entre cada 10 brasileiros acreditavam na existência do idadismo. A segunda edição da pesquisa Idosos no Brasil, realizada pelo Sesc São Paulo e pela Fundação Perseu Abramo, mostrou que, entre 2006 e 2020, houve uma queda no número de idosos que se sentiram respeitados. A prática [do idadismo] não é penalizada e, com isso, imagens, piadas e comentários continuam sendo exibidos pelas mais diversas mídias. É tão frequente que passa despercebido até mesmo pelas próprias vítimas. Afinal, quem não se sentiu feliz ao ser tomado por uma pessoa mais jovem?  

Outra característica do idadismo é a transculturalidade. Nas culturas ocidentais, fundamentadas na produtividade e no individualismo, ela é mais presente. Alimenta-se o pensamento de que o idoso não mais produz economicamente e, como tal, deve ser excluído. E que o indivíduo é o único responsável pela forma como envelhece. Apesar da cultura oriental ser mais coletivista, o envelhecimento significativo das suas populações, com suas repercussões econômicas, tornou o idadismo mais comum.  

A economia determina o idadismo nas sociedades. Em épocas de recessão econômica, como visto na pandemia da Covid-19, a pessoa idosa é mais discriminada – maior isolamento, desemprego, abuso e pobreza. Culpa-se a velhice pela estagnação econômica, superlotação hospitalar e quebra da seguridade social. E termos negativos bombásticos, como “avalanche prateada” e “tsunami prateado”, são disseminados e passam a fazer parte do nosso imaginário subconsciente do que representa a velhice.  

É também o mais prejudicial dos preconceitos com impactos negativos na saúde física e mental: maiores taxas de incapacidade, ansiedade generalizada, depressão, ideação suicida, doença cardiovascular, demência e redução da expectativa de vida. As pessoas idosas são tratadas de forma padronizadora e infantilizada. Passam por consultas que duram menos tempo do que o necessário para que possam ser efetivas, exames e tratamentos que não são solicitados e introduzidos porque um número definidor – idade – determina se você deve ou não viver. 

Nesse contexto, precisamos indagar: existe esperança para essa sociedade distópica que, ao mesmo tempo em que investe bilhões em recursos tecnológicos e pesquisas para extensão da longevidade, exclui a pessoa mais velha e é incapaz de reconhecer toda a sua complexidade, riqueza e potencialidades? O que nós, como indivíduos, comunidade e sociedade, podemos fazer para combater o idadismo? Conhecimento e intergeracionalidade – na família, na escola e no trabalho – reduzem os preconceitos. 

Em uma sociedade que estabelece normas de como devemos nos vestir, comportar, relacionar e falar –, e que, consequentemente, é responsável pelos atos de preconceito, discriminação e violência que estão cada vez mais frequentes, deveria ser prioritária a elaboração de políticas e de programas que visem a inclusão. Como indivíduos, temos a responsabilidade de avaliar os nossos pensamentos e atitudes, bem como o comportamento dos outros, escrutinar a existência do preconceito e combatê-lo. Este é o momento de agirmos e buscarmos uma sociedade em que o outro não seja somente definido pela sua idade ou cor da pele ou sexo ou identidade de gênero ou religião ou índice de massa corpórea. Uma sociedade verdadeiramente inclusiva. Uma utopia, talvez, mas que vale todos os esforços.  

Egídio Dórea é médico graduado pela Escola Bahi­ana de Medicina e Saúde Pública e doutor em Nefrologia pela Universidade de São Paulo (USP). É professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Caetano do Sul (USCS), coordenador do programa USP 60+, membro da Comissão de Direitos Humanos da USP, conselheiro da ILC Brazil (Centro Internacional de Longevidade) e diretor da Ativen. 

Não se nasce idadista, torna-se idadista 

POR BELTRINA CÔRTE 

Há mais de 20 anos estou envolvida com os estudos sobre envelhecimento. Envelheci nesse processo. Desde o final dos anos 1990, observo que a disseminação do preconceito à velhice, ou seja, a discriminação e estereótipos baseados na idade, é frequente e sempre esteve presente em nosso imaginário. 

Por isso, nesta breve reflexão a respeito do idadismo, ouso invocar a expressão de Simone de Beauvoir (1908-1986), filósofa francesa, existencialista e feminista que, em 1949, escreveu o livro O segundo sexo, no qual assinala que: “Não se nasce mulher, torna-se mulher”, discordando de definições populares a respeito do papel da mulher na sociedade. Ao fazer o trocadilho no título deste texto, coloca-se em questão o papel das pessoas idosas na sociedade.  

Há muitas definições de senso comum que compõem o que se chama de mitos do envelhecimento, e que subjugam os velhos e velhas contemporâneos por considerar essas pessoas como ultrapassadas, inúteis, incapazes, improdutivas, desatualizadas, entre outras definições que reforçam os preconceitos que se tem em relação às pessoas mais velhas – o chamado idadismo. 

Não se nasce idadista, até porque a família é um lugar, por excelência, intergeracional. Mas, conforme crescemos, somos bombardeados por narrativas de várias ordens que nos levam – na juventude, idade adulta e até na velhice –, a sermos idadistas com os outros e até com nós mesmos. A construção das narrativas idadistas vai nos habitando devagarinho ao longo da vida, formatando um imaginário coletivo carregado de preconceitos, mitos e ideias errôneas em relação ao envelhecimento e à velhice em si. Por isso é que temos vergonha de nossa velhice e, assim, reproduzimos os preconceitos de idade que começam lá atrás. 

Do ponto de vista biológico, envelhecer é um fenômeno que afeta todos os seres vivos. Assim, a vida é um fluxo mutável e heterogêneo. No entanto, pela ciência, e na perspectiva psicossociológica, mais especificamente a partir da década de 40 do século passado, chegam as primeiras narrativas teóricas sobre o envelhecimento. Torna-se idadista porque em quase todas as teorias científicas sobre o envelhecimento prevalecem imagens negativas, com o excessivo enfoque nas perdas e declínio, acentuando a vulnerabilidade do ser e a aceitação da velhice como condição contemporânea. Ou seja, fenômeno da condição humana e social a ser tratado como um direito e conquista social da humanidade. 

Pensando nas gerações futuras, quais são os legados que estamos deixando para elas: que continuem idadistas ou que teçam uma solidariedade intergeracional? 

Beltrina Côrte

São várias as teorias. Entre elas, destaco as que apontam o declínio das atividades físicas e mentais associadas à idade, que propiciam o surgimento de doenças psicológicas, além do afastamento e da perda do papel social das pessoas idosas, que provocam o decréscimo nas interações sociais. Outras teorias associam a velhice à redução da reserva funcional, com a diminuição da resistência às agressões e o aumento do risco de morte, ou seja, diminuição progressiva de eficiência de funções orgânicas. Há ainda aquelas que assinalam que as interações sociais estão sujeitas à relação custo-benefício e que, portanto, as pessoas idosas, por possuírem menos recursos (físicos, materiais, psicológicos, intelectuais, tecnológicos), são afastadas ou têm sua liberdade de escolha prejudicada no sistema de trocas com as gerações mais jovens, pois na era da tecnologia, especialmente, o saber está centrado no jovem, e não mais nas pessoas mais velhas. 

Teorias que, em outras palavras, dizem que a saída de pessoas idosas da sociedade é para que elas se preparem para a morte, como se esta não fizesse parte da vida, e fosse apenas uma questão de velhos e velhas. Essas narrativas teóricas foram, de certa forma, habitando o imaginário coletivo, levando-nos, como sociedade, a termos práticas excludentes, potencialmente destrutivas e idadistas. 

Torna-se idadista pela narrativa numérica estampada em manchetes da grande mídia, apontando o aumento veloz de pessoas mais velhas em detrimento de outros grupos, e que isso é um “problema” para o Estado, para a sociedade e, claro, para a família. Aqui vale a pergunta: será a velhice um “problema” ou ela tem problemas? Ora, se entendemos que a velhice é um problema, e se crescemos ouvindo isso o tempo todo, quem gostaria de envelhecer? Acredito que ninguém quer ser um “problema”, mas é muito comum ouvir de nossos familiares mais velhos, e até de nós mesmos, que não queremos ser um “problema” para nossos entes queridos.  

Essa narrativa numérica, que associa a velhice com doença, é reforçada pelas produções acadêmicas disseminadas nas mídias, inclusive na área da gerontologia, ciência que, grosso modo, estuda o impacto do envelhecimento no coletivo e no indivíduo. Vimos como a ciência tem grande responsabilidade na construção de narrativas idadistas.  

Torna-se idadista por outra narrativa que é construída, no campo econômico, apontando que o envelhecimento populacional pressiona os gastos públicos, sendo um fardo para o país e, claro, também para a família. Ou seja, a velhice é vista como uma etapa da vida que representa só gastos, um fardo para o Estado, para o município e para a família. Essa narrativa, estampada em manchetes na grande mídia, acaba internalizada ao ponto de, mesmo eu, estudiosa do envelhecimento, me ver repetindo para minhas filhas que não quero ser um fardo para elas. 

Torna-se idadista por mais uma narrativa midiática que nos bombardeia diariamente, cujo imperativo da juventude nos leva – já que não se pode parar o processo de envelhecimento que começa desde quando nascemos – querer envelhecer sem parecer que se está ficando velho ou velha. É o imperativo da juventude como valor a ser perseguido a todo custo. 

Torna-se idadista por todas essas narrativas apontadas. E, como vimos, todas elas social e culturalmente produzidas, como já dizia Beauvoir. Portanto, não se nasce com elas, mas se aprende através da socialização. E, nesse caso, o que acontece é que somos “ensinados” a ser idadistas. Podemos produzir – social, cultural e cientificamente – outras narrativas, afinal, não somos apenas reprodutores de culturas, mas construtores. E pensando nas gerações futuras, quais são os legados que estamos deixando para elas: que continuem idadistas ou que teçam uma solidariedade intergeracional? 

Termino com uma frase da ativista norte-americana Ashton Applewhite, que diz: “O preconceito de idade é que nos coloca contra nosso futuro, e um contra o outro. E esse outro somos nós”. Não se nasce idadista! 

Beltrina Côrte é jornalista, doutora e pós-doutora em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo (USP). É professora na Faculdade de Ciências Humanas e da Saúde da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e diretora-executiva do Portal do Envelhecimento e Longeviver

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