O Circo no Mundo de Lu Menin 

18/03/2023

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Foto: Paulo Barbuto

Lu Menin, artista formada na Escola Popular de Circo de Belo Horizonte, é uma mineira boa de prosa. Radicada na capital paulista há mais de 20 anos, é uma das sócias fundadoras do Circo Zanni e, com seu parceiro Pablo Nordio, criou em 2019, a Cia Barnabô.  

Durante o mês de março, a cia apresentou o espetáculo Rústico no Sesc Campo Limpo, . Nele, misturam de uma forma bastante particular seus universos criativos e habilidades. Aproveitamos para falar das vivências e aventuras de uma vida dedicada ao picadeiro, estabelecendo uma relação artística genuína com o respeitável público. Boa leitura!  

Você, ainda criança, começou no balé, depois, experimentou a capoeira e com 20 anos foi para a Europa. A partir de que momento da sua vida entendeu que a arte era uma necessidade e que isso ia virar uma profissão?  

Foi uma vida mesmo, porque no começo, achava que seria bailarina. Desde criança, falava em ser artista. Na adolescência, fui constituindo mesmo a ideia de me profissionalizar nisso, só que ainda na dança. Morei em Londres aos 21 anos, e conheci um professor em uma escola de teatro, onde tinha duas matérias de circo. Através dos professores, me dei conta de que existia escola de circo, e que isso não era uma coisa só para quem nasceu nele. Isso foi nos anos 90, e havia pouco tempo que existia escola de circo aqui no Brasil. Nesse período, eu não tinha esse conhecimento, era de outro universo. 

Depois dessa experiência no exterior, você retorna para sua cidade natal, Belo Horizonte. Como foi esse momento? 

Estava justamente abrindo uma escola de circo lá. Sincronicidade da vida: comecei e daí pra frente não parei mais. Já estava numa faculdade, fazia Letras, e larguei. Falo que eu nunca saí das Letras, mas não consegui conciliar as duas coisas naquele momento. Já no meio do curso de formação [de circo], entrei para o grupo da escola, comecei a fazer performance e a ganhar meu cachê, montamos um espetáculo. Belo Horizonte foi ficando pequena, e quis conhecer São Paulo.   

Então, no Brasil, passam a existir as escolas de Circo. Uma tradição antes ligada à família e à tradição oral, que passa a ter mais referências formais. Como você vivenciou essa novidade?  

 Quando vieram as escolas de circo, isso foi mudando: uma pessoa entrava e ela não precisava ter nascido no circo, né? Ficou muito tempo esse debate: o novo e o tradicional, e agora, se fala em circo contemporâneo. A grande diferença é: tem gente que nunca morou numa casa fixa na vida e está em itinerância a vida inteira. Mora num trailer, num caminhão. Nós, da escola de circo, a gente tem nossa moradia, o nosso canto. Apesar de viajar muito, claro.  

No mesmo espetáculo, uma apresentação nunca é igual à outra. Como é essa dinâmica em cima do picadeiro? 

Sempre fui Volante, que são as pessoas mais baixas e que são carregadas, digamos, e são jogadas para cima, falando em duplas. O Pablo é Portô, que ampara quem fica embaixo. A gente já se deparou com uma situação de codependência. Um Portô e uma Volante se encontrando. Também sou dos aéreos, e ele, da técnica, da segurança, outra coisa que batia muito. Por isso, a gente se conheceu e já começou a criar números juntos. Trabalhamos muitos anos em vários coletivos. A Cia Barnabô consolidamos somente em 2019. Até então, fazíamos muito com o Circo Zanni, que é um coletivo enorme.  

O Rústico tem uma sequência, é uma história para além das acrobacias.  Essa ideia veio de qual necessidade pessoal e artística? 

Do desejo de fazer alguma coisa em família. Para a direção, chamamos uma pessoa muito especial na nossa trajetória: o Leandro Mendonça. Eu já o conhecia e o Pablo também, de outros carnavais. Foi uma outra coincidência da vida, também por ele ter essa pegada da dramaturgia circense, trazer uma história, e não só um espetáculo de variedades. Tem essa característica de usar materiais vivos, como o bambu, o eucalipto. Nunca ferro e essas estruturas já pré-montadas. Então, o cenário vai virando estrutura, isso é muito uma linguagem do Leandro.  

E o público percebe tudo isso que acontece?  

Nossa! Percebe muito. Tem gente que não consegue explicar e só fala: nossa, é um circo, mas é um diferente, né? Pega nesse lugar, primeiro porque que ele tem cores pastéis. O circo normalmente é [feito com] cores primárias. Ele é todo num tom mais rústico mesmo: cor de palha, de madeira. É muito artesanal: as letras das canções são minhas. A trilha é do Nacho Lopez. 

Rústico tem um lado físico e de performance muito forte. Vocês ensaiam todo dia?  

Estreamos esse espetáculo em janeiro de 2020, e em seguida, tudo fechou. Foi bem triste. Mas durante a pandemia, a gente tinha essa manutenção. Pensando assim: se não tiver isso, quando voltar tudo, como faz? Então, tem uma constância de preparo físico. Já fomos loucos de ficar oito horas por dia ensaiando. Uma coisa que ganhamos com a experiência, é aprender a otimizar o nosso corpo. Temos uma preparadora física que nos acompanha há 17 anos.   

O circo é uma linguagem que retrata nosso cotidiano. Fazer circo mudou sua percepção de mundo de que forma? 

Circo não é só uma profissão, é uma escolha de vida! É visceral: até o que a gente come influencia no nosso trabalho, não é um corpo separado da profissão, pelo contrário, é intrínseco! Circo a gente leva para a vida, até em metáforas. Segurar no trapézio, ter autoconfiança, a segurança no outro. São valores muito próximos da vida. 

Rustico
Foto: Paulo Barbuto

Depois de já ter trilhado um caminho, você descobre que a sua tataravó era artista de circo. Hoje, com seus filhos, você certamente já transmite conhecimento da sua arte. Como é isso?  

Eles falam que nasceram no circo. Isso é muito legal! Depois que tive contato com essa ancestralidade da minha família, tenho até que mudar [risos]: falo que eu não nasci no circo nessa geração, mas venho de uma ancestralidade. Voltei a estar em cena e eles com três meses: era o figurino todo sujo de leite no camarim e nós cheirando a breu [pó usado para facilitar a pegada em aparelhos e não escorregar]. É muito emocionante! Quando eu soube da minha tataravó, foi um entendimento geral da minha vida. Eu tinha essa sensação de que já tinha feito isso em algum momento, e pelo menos no meu sangue estava. 

E em que vocês se ancoram para manter a concentração e desenvolver o espetáculo no picadeiro? 

 Na própria história que estamos contando. O Rústico, particularmente, é nossa obra-prima: a minha história e a do Pablo, porque eu sou de Minas, ele é do interior da Argentina, de Córdoba, um estado muito parecido com Minas Gerais, de montanhas, de campo. Essa história dos bichos que tem no espetáculo, dos elementos da natureza, a palha, água, as ferramentas que ele usa, faz parte da nossa constituição como pessoa.  A gente levou isso para a cena. Na primeira vez que fui para Córdoba, tirava foto das cachoeiras, dos lugares. Podia falar que eu estava aqui, na Serra do Cipó. A gente tem esse ambiente muito natural, e estamos juntos há muito tempo [com Pablo]. Quando começamos a criar o Rústico, tínhamos 17 anos de trabalho. A gente se olha e percebe o estado que está o outro, é um momento de comunhão: é a nossa joia. 

Como começou a história do Pablo no circo?  

Pablo vem de uma escola bem forte de circo de rua e malabares. Chacovachi, um grande palhaço de rua argentino, é um dos seus mestres. Quando a gente se conheceu aqui em São Paulo, aprendi a fazer rua com ele.  Porque, eu vinha do circo de escola. É outro esquema. A canja de rua que ele e o Marcelinho, sócio dele naquele momento, tinham… Aprendi muito!  Sempre fui da técnica, e eles dessa atuação espontânea, da ida para a rua e de cativar as pessoas com poucas coisas.  

Como funciona o processo, que deve ser constante, de desenvolver uma ideia, pesquisar, finalizar e apresentar para as pessoas? 

Tem muito trabalho! Agora, depois de 26 anos, voltei a estudar Letras, estou fazendo EAD. A gente sempre começa escrevendo. Eu, pessoalmente, tenho uma boa pesquisa imagética, então, levanto muita imagem e escrevo antes de chegar no corpo [do espetáculo] para entender dramaturgicamente. O circo tem essa diferença, no teatro, você monta uma peça em cima de um texto. O circo, não: o texto aparece a partir do espetáculo.  

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